Celebramos o Domingo
de Ramos, entramos na Semana Santa através deste pórtico duplo, desta celebração
única em que a liturgia nos oferece a leitura de dois Evangelhos, o primeiro no
momento de iniciarmos a procissão de entrada na igreja com os nossos ramos
festivos, e o segundo com a leitura da Paixão do Senhor.
São leituras do
Evangelho diametralmente opostas na tonalidade dos acontecimentos, pois se a
primeira leitura nos coloca face à alegria e ao júbilo da entrada de Jesus em
Jerusalém, face ao melhor que há no homem, à sua capacidade de acolhimento e
reconhecimento do que lhe é oferecido, a segunda leitura do Evangelho coloca-nos
face ao pior que o homem pode desenvolver, como são a traição, a cobardia, a
mentira, e a condenação injusta à morte de um inocente, como acontece com
Jesus.
São Bernardo, num
sermão para o Domingo de Ramos, diz-nos que a leitura do primeiro Evangelho, antes
da procissão de entrada, manifesta a glória divina oferecida por Deus Pai aos
homens, enquanto a leitura do segundo Evangelho, a Paixão, nos recorda o
caminho a percorrer para alcançar essa glória. E neste caminho a percorrer,
Jesus é a imagem mais perfeita e acabada, o exemplo verdadeiro ao qual não
podemos fugir.
É a própria pessoa de
Jesus, quando se humilha, quando se aniquila, quando obedece filialmente aos
desígnios do Pai, que nos é dada como estrada a percorrer, como o verdadeiro
caminho para alcançar a verdade e a vida. É no abandono total e incondicional
nas mãos do Pai, é no dom total por amor, que Jesus se mostra o caminho a
percorrer para alcançar a glória.
E esta realidade, esta
circunstância, é magistralmente posta em evidência na Carta de São Paulo aos Filipenses,
quando nos diz que apesar da sua condição divina, Jesus não reivindicou nada
para si, mas que se submeteu totalmente à vontade do Pai, tornando-se não
apenas homem mas um homem igualmente sujeito à morte como todos os homens.
Este assumir do
sofrimento humano, da condição de servo sofredor, tal como Isaías o tinha
preconizado, é para Jesus a oportunidade de realizar a salvação e a redenção da
humanidade de acordo com os desígnios do Pai. É acolhendo, aceitando,
comungando da vontade divina do Pai, que Jesus restabelece a nossa dignidade
filial, que reata a relação da humanidade pecadora com o seu criador.
E nesta aniquilação
manifesta-se o paradoxo de todos os paradoxos, a questão que está subjacente à
redacção do próprio Evangelho de São Mateus que escutámos, na medida em que todos
nos questionamos da possibilidade de vitória face à perda total. Tendo como
destinatários cristãos provindos do judaísmo, o Evangelho de São Mateus procura
uma resposta para esta questão incompreensível, para este paradoxo, de saber como
é possível vencer quando tudo se perde.
São Mateus responde-nos
que tal incompreensão e paradoxo apenas se ultrapassa e vence pela fé, pela
mesma fé que Jesus vive nos momentos da Paixão, quando na obscuridade do
sofrimento e da morte eminente entrega toda a sua vida e vontade nas mãos do
Pai, acto que provoca um conjunto de sinais que manifestam a glória divina,
sinais que levam o centurião a proclamar “este é verdadeiramente Filho de Deus”.
A leitura da Paixão de
Jesus, neste Domingos de Ramos, coloca-nos assim face ao desafio da fé, face ao
desafio de um caminhar confiante nas circunstâncias da nossa vida e da nossa
humanidade limitada e frágil, para que possamos alcançar a glória da entrada em
Jerusalém.
Face aos desafios e incompreensão
das cruzes que pontuam a nossa vida, a vida e a Paixão de Jesus apontam-nos a
compreensão possível, uma compreensão que passa pelo acolhimento humilde, pela
comunhão íntima com Deus, na qual a fé e a oração são elementos estruturais e
meios fundamentais.
A cruz será assim
sempre revelação da nossa glória divina na medida da nossa compreensão daquele
Jesus que ali está pregado e exposto, que pode ser um condenado perdido ou pelo
contrário um rei vitorioso no seu trono de glória. Da nossa fé na cruz de Jesus
e do acolhimento da vontade de Deus nas nossas cruzes está dependente a
capacidade de podermos afirmar como São Paulo, “toda a minha glória está na
cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
1 – “Entrada de Jesus em Jerusalém”, de Pedro de Orrente, Museus Russos.
2 – “Cristo na cruz com dois doadores”, de El Greco, Museu do Louvre.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo entrarmos na Semana Santa, celebrando o Domingo de Ramos, a liturgia e o texto da Homilia que teceu dão-nos uma perspectiva global da Paixão de Cristo. E, ao reflectirmos sobre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, aclamado pelo povo como Rei e Messias, os acontecimentos de sexta-feira que o levam à morte, abandonado pelos próprios discípulos e algumas das situações vividas por muitos de nós, ao longo das nossas vidas, talvez possamos concluir que muitas questões continuam por responder sobre a natureza humana. É como nos afirma no texto, encontramo-nos …” face ao melhor que há no homem, à sua capacidade de acolhimento e reconhecimento do que lhe é oferecido, (…) e face ao pior que o homem pode desenvolver, como são a traição, a cobardia, a mentira, e a condenação injusta à morte de um inocente, como acontece com Jesus.”…
Como nos recorda …”Face aos desafios e incompreensão das cruzes que pontuam a nossa vida, a vida e a Paixão de Jesus apontam-nos a compreensão possível, uma compreensão que passa pelo acolhimento humilde, pela comunhão íntima com Deus, na qual a fé e a oração são elementos estruturais e meios fundamentais.”…
Só conseguimos compreender o acto de amor de Jesus que é revelador de doacção e compromisso, o …” abandono total e incondicional nas mãos do Pai (…) quando amamos a Deus e o nosso próximo, Frei José Carlos. Quantas vezes, em situações difíceis, limite, dizemos na intimidade e no silêncio: “Senhor, entrego-me nas Tuas mãos”.
Jesus partilhou a nossa caminhada e convidou-nos a que O seguissemos. Que o Senhor nos dê a graça de compreender a vida e a Paixão de Cristo e de fazermos parte da Sua Ressureicção.
Um grande obrigada, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, que nos ajuda a reflectir ao iniciarmos a vivência de uma semana diferente de todas as outras. Bem-haja. Que o Senhor o cumule de todas as bençãos.
Votos de uma boa semana santa guiados pela Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Bom descanso.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva