As leituras deste
quinto domingo da Quaresma são um apelo a recordarmos que o nosso Deus é um
Deus de vida e de vivos e não um Deus de mortos ou da morte.
Se a leitura do
profeta Ezequiel nos recorda a esperança que Deus transmitia ao povo
desterrado, a um povo que se considerava aniquilado, morto, no sentido de uma
nova vida com o regresso à terra prometida; se a Epístola de São Paulo aos
Romanos nos recorda que a habitação do Espirito Santo na nossa carne nos
liberta da morte; a narração no Evangelho de São João da ressurreição, ou
reanimação, de Lázaro recorda-nos o convite carregado de ternura e amor que
Deus nos faz de sairmos dos nossos túmulos, dos nossos lugares de morte.
É incontestável que a
narração da ressurreição de Lázaro se constrói à luz da ressurreição de Jesus,
à luz dos chamados sinais que marcam a hora em que Jesus se revelará. Este é o
sétimo e último sinal dessa revelação progressiva da hora da manifestação de
Jesus como Filho de Deus. Tal como nos diz o texto é o momento e a oportunidade
para a manifestação da sua glória.
Paralelamente a esta
construção teológica encontra-se também a manifestação da humanidade daquele
que é Filho de Deus, uma humanidade traduzida na comoção e nas lágrimas que
Jesus derrama pelo seu amigo. É o Filho do Homem que se manifesta na sua
humilde compaixão e dor pelo amigo que desapareceu.
Contudo, se há alguma
novidade radical face ao conjunto das verdades reveladas, aos mistérios sobre
os quais assenta a narração do Evangelho, essa novidade é a actualidade da
acção de Jesus, do poder de Jesus de dar a vida. Jesus é a ressurreição e a vida,
ali e aqui, naquele momento preciso e neste mesmo momento.
Percebe-se assim que
face à resposta de Marta, que confessa a sua fé na ressurreição para um tempo
futuro, para uma eternidade, Jesus lhe responda que ele é a ressurreição e a
vida e que todo aquele que acreditar nele vive já a ressurreição.
Jesus coloca no
presente a vida e a ressurreição que opera e interroga Marta, como nos
interroga a cada um de nós, sobre a fé nessa vida e nessa ressurreição. Somos nós
capazes de acreditar que a ressurreição acontece aqui e agora, na medida da
minha fé?
Somos nós capazes de
acreditar que a ressurreição acontece quando temos a fé e a esperança,
condimentada de ousadia, de mostrar a Jesus os lugares onde encerrámos os
nossos cadáveres?
Face à fé das irmãs de
Lázaro, Jesus pergunta pelo local onde sepultaram o irmão e amigo e dirige-se
para lá, ordenando que a pedra que sela o sepulcro seja retirada. Jesus vai ao encontro
dos lugares da morte, dos nossos lugares de sepultamento, nos quais tantas
vezes deixamos ou queremos deixar os restos mortais da nossa vida. Ele que é a
vida e a ressurreição vem ao encontro dessas realidades. Onde escondemos as
causas do nosso sofrimento, aquelas realidades que provocam as nossas lágrimas,
Jesus quer entrar e ressuscitar essas realidades, reanimá-las ou transfigurá-las
para que possamos viver em paz com elas.
E ainda que nos
desculpemos como Marta que essas realidades já cheiram mal, já nos são insuportáveis
aos nossos sentidos e sensibilidade, Jesus não deixa de insistir para que a
pedra seja retirada e a luz e a palavra possam chegar ao fundo do sepulcro.
Muitas vezes essas
realidades, essas causas, surgem como Lázaro do túmulo, enfaixadas, cobertas
com um sudário, envoltas em explicações ou desculpas que necessitam ser
desligadas, desfeitas, para que a vida possa ser retomada em plenitude e
verdade.
A ressurreição de
Lázaro é assim uma metáfora, ou uma parábola, do próprio mistério da incarnação
do Filho de Deus. Aquele que é a verdade e a vida veio ao nosso encontro, ao
nosso sepulcro humano para nos retirar dele e fazer caminhar livres à luz da
filiação divina.
A nossa caminhada
quaresmal é neste sentido um encontro com aquilo que nos sepulta, que nos
enterra, que nos impede de andar, mas também um encontro com a vida e a luz que
nos liberta, com o convite a sairmos das trevas do pecado para a luz da graça.
Necessitamos por isso
de fazer um exame de consciência, encontrar as realidades que nos impedem de
viver, e apresentá-las a Jesus, confiantes que a sua acção ressuscitadora não acontece
apenas no futuro, mas aqui e agora, no exacto momento em que lhe indicamos o
lugar onde nos sepultámos com as nossas debilidades e pecados.
Tal como nos diz São
Paulo, diante de tal atitude, de tal apresentação humilde, Deus não deixará no
seu amor infinito de nos conceder a vida, de nos ressuscitar pela habitação do
Espirito Santo.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarComo nos afirma o relato da ressureição de Lázaro só faz sentido à luz da ressurreição de Jesus, milagre que vem coroar a obra de Jesus e preparar a Sua morte. Não se trata propriamente de uma ressureição mas de um voltar à vida, como aconteceu em acções anteriores de Jesus. Jesus oferece o dom da vida que Ele próprio anuncia: “Eu sou a Ressureição e a vida”. E, Jesus tendo estabelecido laços de amizade com Marta, Maria e Lázaro revela os Seus sentimentos, a Sua dor, o Seu sofrimento. E, como nos afirma no texto da Homília que teceu …”Paralelamente a esta construção teológica encontra-se também a manifestação da humanidade daquele que é Filho de Deus, uma humanidade traduzida na comoção e nas lágrimas que Jesus derrama pelo seu amigo. É o Filho do Homem que se manifesta na sua humilde compaixão e dor pelo amigo que desapareceu.”…
Mas Frei José Carlos vai mais longe confontando-nos com duas questões …”Somos nós capazes de acreditar que a ressurreição acontece quando temos a fé e a esperança, condimentada de ousadia, de mostrar a Jesus os lugares onde encerrámos os nossos cadáveres?”…
E como nos salienta …” Onde escondemos as causas do nosso sofrimento, aquelas realidades que provocam as nossas lágrimas, Jesus quer entrar e ressuscitar essas realidades, reanimá-las ou transfigurá-las para que possamos viver em paz com elas (…) para que a vida possa ser retomada em plenitude e verdade.”…
É necessário ter fé e confiança em Jesus para lhe falarmos do que nos faz sofrer, do que nos impede de viver em plenitude, como muitas vezes nem somos capazes de falar ao nosso melhor amigo, porque como nos recorda estamos…”confiantes que a sua acção ressuscitadora não acontece apenas no futuro, mas aqui e agora, no exacto momento em que lhe indicamos o lugar onde nos sepultámos com as nossas debilidades e pecados.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, geradora de alguma tensão, de significações, de desafio, mas que simultaneamente nos encoraja e conforta, por nos recordar que …”A nossa caminhada quaresmal é neste sentido um encontro com aquilo que nos sepulta, que nos enterra, que nos impede de andar, mas também um encontro com a vida e a luz que nos liberta, com o convite a sairmos das trevas do pecado para a luz da graça.”…
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de uma boa semana, com paz, alegria, confiança e esperança.
Bom descanso.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva