domingo, 15 de junho de 2014

Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade

Celebramos neste domingo a Solenidade da Santíssima Trindade, no domingo imediatamente a seguir à conclusão do tempo pascal e à celebração da Solenidade do Pentecostes.
Celebramos aquele que podemos considerar o mistério mais englobante da nossa fé, um mistério cujo acesso se torna mais fácil na medida em que nos apoiamos nos outros dois grandes mistério da nossa fé, o mistério da Encarnação do Filho de Deus e o mistério da nossa Redenção, que podemos considerar como portas de acesso.
Neste sentido, não podemos deixar de partir da grande realidade que é o facto de deus ser um conceito filosófico, um conceito que pretende designar a causa primeira e a causa última de todas as realidades e de modo muito concreto da realidade que é a humanidade.
Deus aparece como um princípio e um fim e portanto como uma realidade que está para lá do conhecimento humano, pelo que apenas se pode falar dessa realidade através de imagens, de analogias e metáforas. Deus existe portanto num discurso que face às diversas possibilidades de concepção conduz à incompatibilidade, à exclusão e ao confronto.
Tais realidades evidenciam que é impossível ao homem conhecer Deus, que é impossível ao homem falar de Deus uma vez que as suas capacidades são limitadas para tal conhecimento e discurso. Só Deus pode permitir ao homem esse conhecimento na medida em que deixa o seu silêncio, na medida em que vem ao encontro do homem.
E é esse encontro, esse caminho que podemos constatar na história da revelação cristã, na história da revelação do mistério da Santíssima Trindade, de Deus que é família e quer ser mais família com os homens.
Neste sentido, é fundamental não perdermos de vista o encontro de Moisés com Deus no episódio da sarça-ardente, quando Deus se revela que é aquele que é, ou seja, quando se revela como uma realidade existente para aquele que se encontra com ele e se dispõe a acolhê-lo.
A leitura do Livro do Êxodo que escutámos vem reforçar ainda mais esta ideia quando Moisés pede a Deus que se digne habitar com o povo e caminhar com ele, esse Deus que não tinha nome, que não podia ser encarcerado num templo e manipulado num nome, mas que podia caminhar e fazer daquele povo a sua herança.
A revelação de Deus, de que o Antigo Testamento nos dá notícia, mostra-nos que ao contrário dos povos vizinhos do Médio Oriente o Deus dos pais de Israel não se confunde com a natureza nem com os poderes cósmicos, não é um deus impessoal e distante, mas pelo contrário é um Deus próximo, cheio de compaixão, um Deus pessoal que estabelece uma relação, que revela a sua existência pelo amor que tem aos homens.
São este amor e a limitação natural da linguagem humana, para a compreensão cabal de Deus que vem ao encontro do homem, que conduzem ao grande momento da revelação de Deus que acontece com o mistério da Encarnação. Deus faz-se homem, aproxima-se totalmente do homem para que o homem se possa aproximar totalmente de Deus e possa ser filho de Deus.
O mistério da Encarnação, do Verbo que se faz carne, permite-nos perceber esse amor de Deus, esse seu desejo de ser conhecido e amado pelo homem, e por isso no Evangelho de São João ouvimos Jesus dizer que quem o vê está a ver o Pai. Há uma unidade e intimidade impossível de quebrar e portanto abre-se uma nova via de conhecimento e de relação do homem com Deus.
Via esta que permanece um mistério, um mistério que apenas o Espirito Santo pode desvendar, porque só no Espirito Santo e pelo Espirito Santo é possível dizer que Jesus é o Senhor, é possível acolher o amor de Deus Pai manifestado pelo Filho e na vida entregue do Filho para o resgate do homem.
O Espirito Santo é assim o nosso pedagogo, aquele que nos vai abrindo os olhos e iluminando o nosso mísero conhecimento para entrar na grande relação que Deus estabeleceu com a humanidade e estabelece com cada um de nós.
O Espirito Santo ajuda-nos a compreender como Deus está connosco, como somos templos de Deus, e como pela paz e a fraternidade, a busca comum da perfeição, podemos manifestar neste mundo a comunhão intrínseca de Deus que é Pai, Filho e Espirito Santo.
A celebração desta Eucaristia é também manifestação e experiência dessa comunhão que Deus quer viver connosco, saibamos pois aproveitar o momento para fortalecer os nossos laços de amor e de fraternidade, assim como a nossa filiação divina.

 
Ilustração:
1 – “Disputa sobre a Santíssima Trindade”, de Andrea del Sarto. Palácio Pitti, Florença.
2 –  “Santíssima Trindade”, de Hendrick van Balen. Saint-Jacobskerk, Antuérpia.

2 comentários:

  1. Caro Frei José Carlos,

    O mistério da Santíssima Trindade, cuja solenidade celebramos hoje, e o texto da Homília que teceu, ajuda-nos na compreensão do sentido trinitário de Deus e da nossa existência.
    É um diálogo eterno de relações de amor e misericórdia de um Deus trinitário que ama a humanidade e cada um de nós, que se aproxima e acompanha. É “o Deus do amor e da paz”, diz-nos Paulo.
    Como nos salienta …”São este amor e a limitação natural da linguagem humana, para a compreensão cabal de Deus que vem ao encontro do homem, que conduzem ao grande momento da revelação de Deus que acontece com o mistério da Encarnação. Deus faz-se homem, aproxima-se totalmente do homem para que o homem se possa aproximar totalmente de Deus e possa ser filho de Deus. (…)
    (…) Há uma unidade e intimidade impossível de quebrar e portanto abre-se uma nova via de conhecimento e de relação do homem com Deus.
    Via esta que permanece um mistério, um mistério que apenas o Espirito Santo pode desvendar, porque só no Espirito Santo e pelo Espirito Santo é possível dizer que Jesus é o Senhor, é possível acolher o amor de Deus Pai manifestado pelo Filho e na vida entregue do Filho para o resgate do homem.”…
    E não se trata de uma fórmula, de uma equação. Na realidade, a relação trinitária está presente desde a concepção de cada um de nós, na organização do nosso mundo interior, na vivência do respectivo processo de maturação, na relação com Deus e com os outros, nossos irmãos.
    Está igualmente presente em todas as dimensões da vida, em particular, nas fragilidades da vida, nos recomeços, nos caminhos de encontro e da surpresa.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, que nos leva mais além, por recordar-nos que ...” O Espirito Santo ajuda-nos a compreender como Deus está connosco, como somos templos de Deus, e como pela paz e a fraternidade, a busca comum da perfeição, podemos manifestar neste mundo a comunhão intrínseca de Deus que é Pai, Filho e Espirito Santo.”
    Bem-haja. Que o Senhor o cumule de todas as bençãos.
    Votos de uma boa semana. Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Agradeço-lhe esta maravilhosa Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade,tão profunda e tão rica de sentido para todos nós,e pela beleza da ilustração.Obrigada,Frei José Carlos,pelas palavras partilhadas,que nos ajudam à nossa reflexão,com a ajuda do Espirito Santo compreendemos melhor como Deus está sempre a caminhar connosco,ao nosso lado.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.Desejo-lhe uma boa semana e bom descanso.Bem-haja.
    Um abraço fraterno.
    AD


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