domingo, 1 de junho de 2014

Homilia do VII Domingo Pascal Solenidade da Ascensão de Jesus

Celebramos hoje a Solenidade da Ascensão de Jesus aos céus, uma celebração que decorre dos dados fornecidos pelos Actos dos Apóstolos que escutámos na primeira leitura: quarenta dias depois da ressurreição Jesus subiu ao Céu.
É uma celebração e um acontecimento que não deixam de nos questionar, de nos confrontar com alguns desafios da nossa fé, do nosso processo de seguimento de Jesus, os quais estão bem patentes no próprio texto dos Actos dos Apóstolos e no Evangelho de São Mateus.
Nos Actos dos Apóstolos é-nos dito que os discípulos ficaram a olhar para o céu e que foi necessário que dois homens vestidos de brancos lhes aparecessem para os fazer regressar à realidade, ao verdadeiro sentido do mistério que viviam.
Por outro lado o Evangelho transmite-nos a dúvida que habitava o coração de alguns discípulos face ao que estavam a viver e como foi necessário que Jesus se aproximasse para lhes dizer como estava presente e como essa presença se tornaria visível pela missão que lhes tinha sido confiada.
A dúvida e a alienação são assim duas tentações que se apresentam inevitavelmente a todo aquele que escuta Jesus, que o conhece, e se propõe segui-lo; são realidades que desafiam a fé na sua verdade e concretização, na sua dinâmica de vida.
E tal como os discípulos, também nós sofremos dessa tentação de ficar a olhar para o céu, de nos refugiarmos na nossa oração intimista, no nosso misticismo, no nosso grupo eclesial, naquelas realidades que hoje se denominam “zonas de conforto” e existem no nosso processo de fé e seguimento, esquecendo os outros e esquecendo sobretudo que somos membros vivos de um corpo e como tal estamos chamados ao movimento e à acção.  
Movimento e acção que podem ser outra tentação, uma tentação até mais fácil de sofrer, uma vez que nos oferece uma visão de frutos imediatos, o que satisfaz o nosso orgulho, o nosso egocentrismo. Razão suficiente para nos obrigarmos a um equilíbrio, a seguir o exemplo de Jesus, que viveu um verdadeiro activismo, mas nunca deixou de salvaguardar os momentos de silêncio e solidão que lhe permitiam a união íntima com o Pai.
Este equilíbrio entre a acção e o silêncio, entre a oração e a missão, é assim o desafio que se coloca a todo o discípulo de Jesus, um desafio que se coloca no nosso quotidiano quando temos tantas tarefas e cuidados que nos absorvem, que nos fatigam e tantas vezes nos fazem desesperar.
O momento de encontro, a nossa oração, o nosso momento de silêncio e meditação, podem ser a oportunidade para encontrar a paz, a luz e a força para as actividades que nos cansam, bem como o sentido para aquelas que nos despertam na dor e no sofrimento.
A dúvida é a outra grande tentação que nos assalta na nossa caminhada de fé, uma tentação que o Evangelho não tem qualquer vergonha em assumir que também atingiu os discípulos, e portanto podemos dizer que é irmã gémea da própria fé.
E se a dúvida adquire uma conotação negativa, tal advém-lhe da possibilidade de ela nos encerrar, de nos fechar à descoberta e à prossecução das realidades. Pelo contrário, quando a dúvida se apresenta como uma força de descoberta, como um motor do conhecimento que se deseja, ela é verdadeiramente positiva e deve ser cuidada.
No seguimento de Jesus, no caminho da fé, a dúvida leva-nos, ou deveria levar-nos, a um processo de conhecimento, a uma busca das razões, a uma compreensão da esperança e dos tesouros que nos estão destinados tal como nos é dito pela Carta aos Efésios, e portanto tem uma missão positiva, uma missão esclarecedora.
Neste sentido, aquilo que acontece no mistério da ascensão de Jesus, e que pode gerar dúvidas, era objectivamente necessário, ou seja, era necessário que Jesus se ocultasse fisicamente, que regressasse ao seio do Pai, para que pudesse estar e permanecer para sempre junto dos seus discípulos, de todos aqueles que acreditassem nele, e para que pudesse ser conhecido como verdadeiramente deve ser conhecido.
A presença física seria um obstáculo a um conhecimento pleno e verdadeiro, a uma relação mais íntima, à relação de espirito e comunhão, à prossecução da própria missão que Jesus tinha outorgado aos discípulos, pois existiria sempre a tentação do encerramento, daquilo que poderíamos denominar um autismo crístico, que de certa maneira acontece nos momentos prévios ao Pentecostes, quando estão todos encerrados em casa.
A ausência de Jesus para junto do Pai é a garantia da sua permanência, em todo o lugar e até ao fim dos tempos, assim como a potencialização da realização da missão, do anúncio da boa nova da redenção e do mandamento do amor, missão que é a manifestação visível e até palpável dessa mesma presença.
Afinal onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome, seja para louvar a Deus, seja para realizar uma obra de justiça, seja para dignificar o homem na sua natureza humana e divina, Jesus não deixa de estar presente e não deixa de estar vivo.
Peçamos pois ao Senhor que nos conceda um espirito de sabedoria para o ver presente e actuante em todas as nossas obras, e para que qualquer dúvida que nos atinja nos leve a procurá-lo com mais intensidade no silêncio da oração e da partilha fraterna.

 
Ilustração:
1 – “Ascensão de Jesus ao Céu”, de Benjamin West, Denver Art Museum.    
2 – “Ascensão de Jesus”, Pintura exposta na Casa do Deães em Ávila.

3 comentários:

  1. Obrigado, Frei José Carlos, por nesta homilia nos ter tornado presente as tentações com que o nosso tempo tão fàcilmente nos provoca e nos ter chamado a atenção para o desafio do nosso quotidiano, entre " acção e silêncio, oração e missão".Que o Senhor esteja presente na sua prática de cada dia.
    CR1

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  2. Caro Frei José Carlos,

    As leituras do VII Domingo Pascal da Solenidade da Ascensão de Jesus estão carregadas de simbolismo, em particular a leitura dos Actos dos Apóstolos. Os discípulos sabem que Jesus Cristo está vivo, precisam iniciar a missão para que foram chamados, a mensagem do Reino de Deus, a evangelização de todo o mundo, conduzida pelo Espírito Santo, com a promessa de Jesus estar sempre com os seus até ao fim dos tempos.
    Apesar da promessa de Jesus, os discípulos manifestaram dúvidas, como muitos de nós, em diferentes circunstâncias e momentos da vida …
    Como nos recorda no texto da Homília que teceu …” No seguimento de Jesus, no caminho da fé, a dúvida leva-nos, ou deveria levar-nos, a um processo de conhecimento, a uma busca das razões, a uma compreensão da esperança e dos tesouros que nos estão destinados tal como nos é dito pela Carta aos Efésios, e portanto tem uma missão positiva, uma missão esclarecedora.”…
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e …” Peçamos pois ao Senhor que nos conceda um espírito de sabedoria para o ver presente e actuante em todas as nossas obras, e para que qualquer dúvida que nos atinja nos leve a procurá-lo com mais intensidade no silêncio da oração e da partilha fraterna.”
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, esclarecedora, que nos dá apoio e confiança.
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Fraternalmente,
    Maria José Silva

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  3. Frei José Carlos,

    Ao ler a Homilia do VII Domingo Pascal Solenidade da Ascensão de Jesus,profunda e esclarecedora,que nos ajuda a reflectir com mais profundidade e nos ajuda na preparação durante esta semana para a vinda do Espírito Santo no próximo Domingo.Gostei muito.Como nos diz o Frei José Carlos..."Peçamos pois ao Senhor que nos conceda um espírito de sabedoria para o ver presente e actuante em todas as nossas obras,e que saibamos procurá-lo com mais intensidade no silêncio da oração e da partilha fraterna".Obrigada,Frei José Carlos,pelas palavras partilhadas,que nos ajudam a prosseguir o nosso caminho com mais confiança e, também pela maravilhosa ilustração.Bem-haja.Que o Senhor o ilumine o ajude e o proteja.Desejo-lhe uma boa noite e um bom descanso.Continuação de uma boa semana.
    Um abraço fraterno.
    AD

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