O Evangelista São João
não narra a última ceia de Jesus, tal como a encontramos nos outros três
Evangelhos e na Carta de São Paulo aos Coríntios que escutámos. No entanto,
narra no contexto dessa última ceia, o extraordinário gesto de Jesus de lavar
os pés aos discípulos quando eles estão sentados à mesa da festa.
Partindo do facto de
ter chegado a hora de Jesus, essa hora que desde as bodas de Caná Jesus vinha
esperando, São João apresenta o gesto extraordinário e inusitado de Jesus,
justificando-o ainda antes mesmo de acontecer.
Assim, a lavagem dos
pés aos discípulos é a manifestação do grande amor de Deus pelas suas
criaturas, pelo homem; um amor que vai até ao extremo, até ao fim, até à
pequenez do próprio homem.
Deus, nesse amor pelo
homem, desce da sua glória divina e vem ao encontro do homem, desce à condição
da finitude e da fragilidade do homem. Deus ajoelha-se diante do homem desde o
primeiro momento do mistério da encarnação e na última ceia Jesus ao despir-se
do seu manto, ao tomar uma toalha e ao ajoelhar-se diante de cada um dos
discípulos manifesta de forma visível, experimental para aqueles homens ali
presentes, o mesmo mistério de abaixamento de Deus, o chamado mistério da
“kenosis”.
Ao prestar o serviço
do servo, do escravo, Jesus oferece àqueles homens e a cada um de nós, que
aceita este mesmo serviço pelo baptismo e pelo sacramento da reconciliação, a
dignidade para se poderem sentar à mesa. Por isso, quando Pedro se recusa a
aceitar o serviço de Jesus, um serviço e um gesto que contradizia as suas expectativas
mais mundanas de glória e poder, Jesus lhe responde que se não se deixar lavar
não poderá tomar parte com ele.
De facto, só Jesus nos
pode fazer tomar parte, só Jesus nos pode dignificar para nos sentarmos à sua
mesa; a nossa condição pecadora e finita jamais nos poderá alcançar tal graça,
tal estatuto e tal dignidade. Ao ajoelhar-se diante de nós, de cada homem,
Jesus reabilita-nos e restaura-nos na nossa condição de filhos. Tal como o
filho pródigo somos revestidos de novas roupas e somos desposados com o anel da
aliança de Deus para com a humanidade.
Contudo, o episódio da
lavagem dos pés aos discípulos mostra-nos que há possibilidade de ficarmos de
fora, de não estarmos todos limpos, tal como Jesus anuncia aos doze depois de
lhes lavar os pés. “Vós estais limpos mas não todos.”
Judas é aquele que não
está limpo, e tal acontece porque recusa o dom do amor, o dom da pura
gratuidade, o dom sem contrapartidas.
E vemos esta sua
recusa de uma forma explícita em casa de Lázaro pouco tempo antes, quando Maria
unge e perfuma os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro. Diante
desse gesto, também ele de amor gratuito, Judas mede, avalia, faz contas, toma
posse e faz cálculos ao que considera um desperdício.
Tal atitude, tal
recusa do dom, conduze-o à mentira, à falsidade, à duplicidade e ambiguidade de
continuar a pertencer a um grupo e de seguir um Mestre para o qual afinal já
fechou o coração, ao qual já deixou de acolher na sua oferta diferente.
Hoje, neste dia em que
celebramos a instituição do sacramento da Eucaristia, o sacramento do banquete,
a oferta do dom do amor, o Senhor chama-nos a atenção para a nossa
auto-suficiência, para a tentação de também recusarmos o dom do amor, o dom que
se serve humilde e em serviço.
Talvez porque esta
tentação é forte, Jesus disse aos discípulos e a cada um de nós que nos deixava
o exemplo, para que também nós aprendêssemos a lavar os pés uns aos outros,
para que não tivéssemos medo do serviço humilde do servo.
Um serviço, um lavar
os pés, que pode significar a solidariedade, a caridade, com aqueles que estão
doentes, com os que estão presos, com os que são marginalizados e excluídos.
Mas um lavar os pés
que não podemos deixar de aceitar e acolher quando temos também que descer ao
erro do outro, às suas fraquezas e debilidades, à sua recusa do nosso próprio
amor.
Lavar os pés é assim
não deixar de acreditar no outro apesar dos seus erros, das suas falhas, é
continuar a esperar, ainda que possa parecer inútil, um combate sem fim. Deus
veio ao nosso encontro quando ainda eramos pecadores, e desceu da sua glória
para vir ao nosso encontro, não se apresentando de forma extraordinária como se
apresentou no monte Sinai ao povo de Israel, ou quando na noite de Páscoa
passou pelo Egipto. Deus veio despojado e pobre, humilde e como servo disposto
a servir livremente.
Se formos capazes de
nos baixar para lavar os pés uns aos outros, como o fez Jesus, podemos ousar
apresentar-nos à mesa, pois aquele que nos serve reconhecer-se-á em cada um de
nós, reconhecerá os seus irmãos, os seus amigos, os mais pequenos em que nos
desafia no seu amor.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAgradeço-lhe esta maravilhosa Homilia da Missa da Ceia do Senhor,magnificamente profunda e muito esclarecedora,rica de sentido que nos encoraja e reconforta com as suas belas palavras
,que partilhou connosco.Grata,pela beleza da ilustração,que nos ajuda à nossa reflexão,sobre este grande Mistério da instituição do sacramento da Eucaristia.Obrigada,Frei José Carlos,pela bela Homilia que muito gostei.Que o Senhor o ilumine o proteja e abençoe Bem-haja.Desejo-lhe uma boa noite e um bom descanso
Um abraço fraterno.
AD