A leitura do Evangelho
de São João que escutámos neste Domingo de Páscoa, domingo da Ressurreição de Jesus,
apresenta-nos as figuras de Maria Madalena, que indo de manhã cedo ao sepulcro
o encontrou vazio, a figura de Pedro que correu para ver a novidade que Maria
Madalena imediatamente tinha comunicado aos discípulos, e a figura do discípulo
amado, que chegou antes de Pedro mas só entrou depois dele e foi o primeiro que
acreditou.
Diante destas três figuras,
destes três discípulos de Jesus, podemos perguntar-nos o que afinal viu o discípulo
amado que lhe permitiu acreditar, enquanto Pedro e Maria Madalena viram
exactamente a mesma coisa, a mesma realidade do túmulo vazio, e não souberam o
que acreditar, não foram capazes de acreditar.
Para compreendermos o mistério
da fé do discípulo amado temos que percorrer a sua relação com Jesus, perceber
os laços que se foram tecendo e permitiram acreditar na ressurreição do Mestre
diante de um sepulcro vazio e dos restos da mortalha.
Antes de mais temos o
primeiro contacto, um seguimento após João Baptista lhe ter indicado, a ele e a
André, irmão de Pedro, que aquele que passava era o Cordeiro de Deus. Face a
estas palavras, os dois discípulos de João Baptista deixam o mestre do Jordão e
seguem Jesus.
Ao vê-los, Jesus,
pergunta-lhes o que procuram e eles respondem-lhe com uma pergunta, “onde moras
Mestre?”, manifestando desta forma um interesse de intimidade, de um morar com
ele que mais nenhum outro discípulo manifestou.
Na celebração da
última ceia vemos como esta intimidade, este morar junto, é já tão profundo que
o discípulo amado está não só sentado ao lado do Mestre, mas, como nos diz o
texto do Evangelho, repousa sobre o seio do Mestre. À semelhança de Jesus que
habita o seio do Pai, também o discípulo amado habita o seio do seu Mestre.
O título de discípulo amado
não se reduz assim a uma predilecção afectiva, a um grau superior de amizade,
mas traduz um tipo de relação que assenta na partilha do conhecimento e da
intimidade.
Na cultura rabínica o discípulo
amado era aquele que estava encarregue de registar e tomar conta de todas as
palavras do rabi, do mestre, de modo a que a sua memória se perpetuasse. O discípulo
predilecto, amado, deveria incarnar a memória, permanecer como a testemunha
autêntica de todos os gestos e palavras, de toda a doutrina.
Ao ser colocado ao
lado de Jesus, com a possibilidade de repousar a cabeça sobre o seu seio, o discípulo
predilecto do Evangelho de São João incarna a missão do discípulo rabínico, uma
missão que lhe permite perguntar e identificar o traidor como também reconhecer
e identificar o mestre quando lhes aparece nas margens do lago dias depois da
ressurreição.
Esta missão de
perpetuador da memória do Mestre é neste momento explicitamente manifestada,
quando Pedro, depois de confirmado na fé e na missão, interroga Jesus pelo discípulo
amado, que o tinha reconhecido, e manifesta a Jesus a preocupação pelo seu
futuro.
Diante de tal
preocupação Jesus apenas responde a Pedro que o siga, porque o discípulo amado
tem a sua missão, é afinal o depositário da memória e por isso poderá ficar até
que Jesus volte.
Face ao percurso do discípulo
amado no Evangelho de São João e à sua missão, fruto da relação de intimidade
com Jesus, percebemos como no momento da ressurreição, quando se deparam com o
túmulo vazio, ele é o primeiro a acreditar.
A sua relação com
Jesus, o habitar no seu seio, com o que isso comporta de conhecimento dos
sinais, como o bocado de pão molhado e entregue a Judas na última ceia,
permite-lhe reconhecer e acreditar na ressurreição.
Neste sentido, também
cada um de nós é convidado a viver a intimidade com Jesus, a procurar habitar
no seu seio, a conhecer os sinais e a reconhecê-los à luz da Palavra que nos é
comunicada, dos ensinamentos que nos são transmitidos.
Na medida da nossa
relação e da sua profundidade poderemos encontrar-nos com o túmulo vazio, com o
mistério da morte e da dor, mas ainda assim não deixaremos de acreditar, pelo
contrário poderemos acreditar ainda mais, com uma fé mais convicta, porque os
sinais vazios aos olhos estarão habitados pela presença de Deus.
A celebração da
Páscoa, da memória da ressurreição de Jesus é afinal um incentivo, um
despertar, para essa nova realidade em que somos convidados a viver, pois como
diz São Paulo na Carta aos Colossenses a nossa vida está escondida em Deus e a
vida de Deus está escondida em cada um de nós.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLi com muito interesse o texto da Homília do Domingo da Ressureição do Senhor, maravilhosamente ilustrada. Como afirma …” A celebração da Páscoa, da memória da ressurreição de Jesus é afinal um incentivo, um despertar, para essa nova realidade em que somos convidados a viver, pois como diz São Paulo na Carta aos Colossenses a nossa vida está escondida em Deus e a vida de Deus está escondida em cada um de nós.“
Ao salientar-nos o percurso do discípulo amado no Evangelho de São João e a sua missão, fruto da relação de intimidade com Jesus, recorda-nos que …” também cada um de nós é convidado a viver a intimidade com Jesus, a procurar habitar no seu seio, a conhecer os sinais e a reconhecê-los à luz da Palavra que nos é comunicada, dos ensinamentos que nos são transmitidos.”…
Estou certa que muitos de nós, sem abdicar de um verdadeiro compromisso e esforço, conta com a pregação e o apoio de muitos religiosos, em particular, os dominicanos, para no nosso peregrinar podermos melhorar a nossa relação de intimidade com Jesus, a perscrutar o invisível, “a acreditar ainda mais, com uma fé mais convicta, porque os sinais vazios aos olhos estarão habitados pela presença de Deus”, como Frei José Carlos nos afirma.
Saibamos viver o quotidiano de forma coerente com a Palavra que nos é transmitida.
Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
Votos de uma boa semana.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva