Tal como na nossa
caminhada para a Páscoa encontramos nos Evangelhos deste tempo litúrgico a
caminhada de Jesus para Jerusalém, uma caminhada marcada por encontros e
desencontros, por críticas e acusações que conduzirão à sua condenação.
O Evangelho de São
Lucas que escutámos neste quarto domingo da Quaresma, domingo da alegria,
apresenta-nos um desses momentos de crítica e acusação, pois os fariseus e os
escribas não aceitam nem compreendem que Jesus se rodeie e faça acompanhar de
publicanos e pecadores. Era demasiado para eles.
É face a esta crítica,
a esta marginalização, que Jesus conta três parábolas muito significativas,
pois centram-se em algo que se perde e terminam com a alegria do reencontro. É a
parábola do pastor que encontra a ovelha perdida, a parábola da mulher que
encontra a dracma perdida, e a parábola do filho pródigo, que conclui o tríptico
e desafia a uma resposta, a uma participação na alegria.
Este desafio dirige-se
a cada um dos ouvintes da parábola, a cada um de nós, uma vez que face à
atitude do filho mais velho, daquele que sempre esteve em casa, nos podemos
questionar quem é que de facto se perdeu nesta história, como é que nos podemos
também nós perder e deixar de gozar da alegria do reencontro.
De acordo com a
tradição semita, o filho que exigia a sua parte da herança antes da morte do
pai estava automaticamente a excluir-se do clã e das relações familiares. Jesus
ao apresentar na parábola um filho que exige a sua parte da herança exclui-o de
toda a qualquer relação e por isso o vamos encontrar pouco depois sem nada, na
miséria.
Por outro lado, e na
mesma tradição, o filho primogénito tinha direito a duas partes da herança, ou
seja, era privilegiado em relação aos outros irmãos, o que coloca o filho mais
velho da parábola numa situação de maior relação com o pai, de uma maior
partilha, de um maior poder e proximidade.
Contudo, e
paradoxalmente, Jesus mostra que uma e outra situação podem estar completamente
enviesadas e não corresponderem a uma distância ou exclusão e a uma proximidade
ou intimidade.
Neste sentido, é
interessante ver como em todos os momentos que o filho mais novo se expressa,
quer nos seus pedidos quer nos seus pensamentos, é sempre ao pai que se refere.
É ao pai que pede a herança, é à casa do pai que quer voltar, é ao pai que pede
acolhimento, e é pelo pai que se deixa acolher.
Ao contrário, e apesar
da permanência em casa, o filho mais velho nunca é capaz de tratar o pai por
pai, mas amargamente trata-o como senhor e dono, que critica como alguém que
não lhe pode dar nada ou não lhe pôde dar nada, quando afinal lhe tinha dado
tudo.
A parábola do filho
pródigo que Jesus conta aos fariseus e escribas coloca assim em evidência a discrepância
entre a exterioridade das relações e o seu sentido mais profundo, mostra como
algumas atitudes não correspondem aos sentimentos.
Na dinâmica e missão
de Jesus, de revelar a verdadeira face de Deus, esta parábola aparece como uma
revelação de outra imagem de Deus e de uma outra forma de relação com Ele. Encontramos
não só um Deus que é Pai e acolhe, mas um Deus Pai que aceita a liberdade dos
seus filhos e a possibilidade do erro, que entrega a herança para a liberdade e
não para um servilismo ou opressão.
Neste sentido, somos
convidados a discernir a nossa relação com Deus, a questionar-nos sobre a forma
como acolhemos a sua herança, os dons da vida e o projecto de salvação, se os
compreendemos como formas de liberdade e crescimento ou pelo contrário os
suportamos como pesos que nos esmagam.
Para tal discernimento
pode ajudar-nos a situação em que se encontra o filho mais novo quando perde
todos os bens e se vê na miséria. É nesse momento de total despojamento, de
total perda, que o olhar se transforma, que é capaz de olhar para si mesmo,
para a sua dignidade perdida e a possibilidade de recuperação junto do pai.
E como acontece muitas
vezes em processos de conversão, a proposta de regresso pode ser excessiva,
pode ir para além da justa medida e do saudável. Para evitar tal erro, tal
confusão, no momento do reencontro o pai não deixa que o filho termine o pedido
de acolhimento como servo, mas integra-o imediatamente no conjunto das relações
filiais anteriormente aniquiladas.
Também nós, no nosso
processo de conversão, somos convidados a regressar a casa do Pai, a deixar-nos
acolher pelo Pai, que espera os filhos e não os servos, que espera o regresso
por amor e não por medo. Se o fizermos poderemos de facto partilhar a alegria
do acolhimento e partilhar a alegria dos outros que são igualmente acolhidos
como filhos e irmãos.
Ilustração: Relevo com
a parábola do filho pródigo num dos confessionários da igreja da Abadia de
Saint Gallen, Suíça.
Não será preciso "perder tudo" para realmente entender o acolhimento do Pai?
ResponderEliminarEle está sempre atento e espera-nos...
Mas muitas vezes não somos como o filho mais velho, que tem tudo menos a misericórdia e não entende o valor do acolhimento? Inter Pars
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO Evangelho de São Lucas que escutámos neste IV Domingo da Quaresma, Domingo da alegria, a Homilia que teceu e a ponte com a vivência do quotidiano de cada um de nós, conduz-nos a uma profunda reflexão. Quando releio o texto da Homilia, pergunto-me, em meia dúzia de palavras, como poderia intitulá-la : a alegria do reencontro com o Pai, com o meu irmão. E a construção destas duas relações são aparentemente diferentes mas espiritualmente semelhantes.
O perfil destes dois irmãos co-existem em muitos de nós. E se Deus é um Deus connosco, que nos acolhe e perdoa sem necessidade de um conta-corrente individual, a fraternidade, o perdão, ou a capacidade de estabelecer um diálogo franco, com o nosso irmão cujas relações connosco se revelam menos correctas, não é fácil, e quase diariamente somos confrontados com situações que nos desinstalam.
Como nos afirma , …” Na dinâmica e missão de Jesus, de revelar a verdadeira face de Deus, esta parábola aparece como uma revelação de outra imagem de Deus e de uma outra forma de relação com Ele. Encontramos não só um Deus que é Pai e acolhe, mas um Deus Pai que aceita a liberdade dos seus filhos e a possibilidade do erro, que entrega a herança para a liberdade e não para um servilismo ou opressão.
Neste sentido, somos convidados a discernir a nossa relação com Deus, a questionar-nos sobre a forma como acolhemos a sua herança, os dons da vida e o projecto de salvação, se os compreendemos como formas de liberdade e crescimento ou pelo contrário os suportamos como pesos que nos esmagam.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, ilustrada de forma tão bela, pelo convite que nos faz …” Também nós, no nosso processo de conversão, somos convidados a regressar a casa do Pai, a deixar-nos acolher pelo Pai, que espera os filhos e não os servos, que espera o regresso por amor e não por medo.”
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e proteja.
Bom descanso.
Desejo ao Frei José Carlos uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva