sábado, 16 de março de 2013

Porque não o trouxestes? (Jo 7,45)

À medida que nos aproximamos da Páscoa vamos percebendo pelas leituras do Evangelho que a trama contra Jesus vai subindo de intensidade, vai ganhando contornos mais definidos, as decisões para a sua prisão e morte vão sendo cada vez mais óbvias, mais concretas e assumidas.
Apesar deste adensar do drama e da situação de perigo Jesus continua a sua missão e continua a dirigir-se ao templo para aí ensinar as multidões, infringindo as normas do templo que o proibiam de ensinar e desafiando as autoridades com a sua palavra e ousadia.
Tal atitude e provocação não pode deixar de gerar discussão, debates, e por isso nos encontramos com opiniões diversas, com uma divisão geral sobre a sua pessoa e a sua procedência.
Uma vez mais está em causa o conhecimento que possuem de Jesus, o conhecimento do lugar do seu nascimento, da sua vida e até da genealogia familiar. Discutindo os lugares e os nomes da proveniência do Messias aqueles homens esquecem-se do verdadeiramente fundamental, que afinal o Messias vem antes de mais de Deus, é um enviado de Deus.
É neste contexto, neste ambiente de discussão, que aparecem os soldados enviados pelos chefes do templo, um conjunto de homens que se vão encontrar nas melhores condições para discernirem a resposta verdadeira face à questão das origens de Jesus.
Os soldados estão ali para cumprir uma missão, uma tarefa solicitada por aqueles que sobre eles têm autoridade. Estão ali sem qualquer preconceito, sem qualquer interesse na discussão, que aliás deixam para os profissionais da matéria, os sacerdotes do templo e os escribas.
E para não provocarem qualquer tumulto vão observando Jesus, vão escutando, vão indiferentemente deixando-se envolver pela palavra e pelo espirito daquele que escutam e observam.
A palavra de Jesus e os seus gestos podem descer sobre eles, podem germinar nos seus corações, porque não estão cegos nem encerrados nos preconceitos e nas ideias formadas, não são uma parte interessada na discussão e na aniquilação do outro que afecta o status-quo estabelecido.
Por esta razão quando regressam para junto dos seus superiores, daqueles que os tinham enviado e são questionados sobre o não cumprimento da missão, a resposta é que nunca ninguém tinha falado como aquele Jesus. Tal como dizem os príncipes dos sacerdotes e os escribas, tinham-se deixado seduzir, tinham acolhido o enviado de Deus.
A pergunta dos sacerdotes sobre o motivo porque o não trouxeram e a resposta dos soldados porque o não tinham trazido encerra contudo um paradoxo tremendo, porque se os soldados chegam de mãos vazias, chegam sem aquele Jesus sobre o qual se discutia a origem, chegam no entanto com o Messias no coração, seduzidos por uma palavra que se opunha e contrastava com a que lhes tinha sido ordenada.
Aquele Jesus que eles não tinham sido capazes de prender tinha-os prendido a eles, aquele homem que lhes tinha escapado tinha-os arrastado com ele, e não pela força ou pela violência, por qualquer mandato da autoridade superior, mas pela sedução, pelas palavras carregadas de amor como nunca ninguém tinha proferido.
Este paradoxo mostra-nos como de facto, e nos recorda também São Paulo, a Palavra não se deixa prender, como o Messias Jesus vai e está para além dos nossos esquemas, das nossas concepções, e por outro lado tem o poder e a capacidade de nos prender a nós, de nos seduzir.
Tal circunstância provoca-nos no sentido da liberdade do acolhimento, da libertação de ideias preconcebidas e juízos, pois só nessa liberdade a Palavra pode ser acolhida em nós e transformar o nosso coração e a nossa vida.
Necessitamos receber a Palavra, acolhê-la em toda a sua novidade, como alteração provocante, para que através de nós chegue também sedutora aos outros homens.

 
Ilustração: Mas não lhe deitaram a mão, de James Tissot, Brooklyn Museum.



 

2 comentários:

  1. Só se estivermos de coração aberto, libertos de preconceitos e ideias feitas é que nos deixamos verdadeiramente reduzir e prender pela Palavra que é Jesus Cristo. Inter Pars

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  2. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que teceu e partilha é profundo e de grande espiritualidade. Ao abordar o Evangelho do dia de hoje que se centra nas reacções provocadas pelas palavras de Jesus, focaliza um assunto da maior relevância na vida de cada um de nós: a não possibilidade de aprisionar o pensamento humano ainda que possa ser condicionado.
    Como nos afirma ...” os soldados estão ali para cumprir uma missão, uma tarefa solicitada por aqueles que sobre eles têm autoridade. Estão ali sem qualquer preconceito, sem qualquer interesse na discussão, que aliás deixam para os profissionais da matéria, os sacerdotes do templo e os escribas.(…)
    (…) A palavra de Jesus e os seus gestos podem descer sobre eles, podem germinar nos seus corações, porque não estão cegos nem encerrados nos preconceitos e nas ideias formadas, não são uma parte interessada na discussão e na aniquilação do outro que afecta o status-quo estabelecido”.
    E como o que escutaram de Jesus não foram palavras de alguém que fala de Cátedra, como se diz na gíria popular, palavras vazias, de superioridade, de arrogância, mas foram palavras de caridade e amor, os soldados deixaram-se seduzir e passo de novo a citar Frei José Carlos …” Aquele Jesus que eles não tinham sido capazes de prender tinha-os prendido a eles, aquele homem que lhes tinha escapado tinha-os arrastado com ele, e não pela força ou pela violência, por qualquer mandato da autoridade superior, mas pela sedução, pelas palavras carregadas de amor como nunca ninguém tinha proferido.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha, por salientar-nos a necessidade que temos de nos libertar previamente ...”de ideias preconcebidas e juízos, pois só nessa liberdade a Palavra pode ser acolhida em nós e transformar o nosso coração e a nossa vida.”
    Que o Senhor o ilumine, o guarde de todo o mal e o abençoe.
    Bom descanso. Votos de um bom domingo.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Bem-haja a comunidade dominicana por termos podido participar no “Retiro Aberto”. Grata, Frei José Carlos, pelo tema que abordou na conferência. Que surpresa e que importante compreender, aceitar e viver a Alegria, sempre, mas particularmente, no período da Quaresma e nos tempos que vivemos. E, se me permite, a partilha de uma oração.

    A ESTRADA
    DA ALEGRIA

    Faz-nos trilhar, Senhor a estrada da Alegria. No simples, no próximo, no escondido da vida ajuda-nos
    a ouvir a pequena sinfonia da alegria e a abrir, com solenidade, para ela as portas indecisas do tempo que corre.
    Só quem saboreia as pequenas alegrias se dá verdadeiramente conta das grandes. Só quem rejubila com a alegria
    dos outros percebe que ela é, em cada um de nós, uma onda puríssima que se expande. Ajuda-nos a inscrever a
    alegria como tarefa e, ao mesmo tempo, a mantermo-nos disponíveis para o modo surpreendente e gratuito da
    sua vinda.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011

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