terça-feira, 15 de abril de 2014

Não cantará o galo sem que me tenhas negado! (Jo 13,38)

A última ceia de Jesus com os discípulos é um grande momento de verdade, de confronto com a verdade. Por um lado Jesus assume a realidade do seu dom total e propõe a radicalidade do seguimento pela lavagem dos pés, por outro lado manifesta-se a traição e a infidelidade daqueles que ali mesmo se afirmam seus amigos incondicionais, dispostos a tudo, até a segui-lo para onde não sabem.
Quando tudo parece perfeito não há qualquer temor, quando tudo está bem com a vida não há qualquer dúvida, qualquer medo. Acontece assim com todos nós, connosco que somos jovens dinâmicos, avós divertidos, homens de sucesso, mulheres e mães realizadas; a todos nós, que tal como Pedro estamos dispostos a seguir Jesus, ainda que sem saber para onde ele vai e para onde nos possa levar.
E para onde Jesus se encaminha é para a verdade, para a verdade da sua vida e da sua missão, para a morte que culmina o mistério da sua encarnação e da nossa redenção. E aqui, inevitavelmente estacamos o pé, colocamos as máscaras, pois não é fácil enfrentar a verdade da nossa vida, não é fácil confrontarmo-nos connosco próprios e com a nossa missão primordial.
Como Pedro temos medo de enfrentar a verdade de ser discípulos, de ser filhos de Deus, deixamo-nos desfigurar pela mentira, pelo mal, e sem que tenhamos consciência desfiguramos o próprio Deus em que acreditamos, a missão a que fomos chamados e o projecto de felicidade a que a criação divina nos destinou.
O fim do caminho de Jesus, traduzido de forma visual na nudez da cruz, no seu corpo verdadeiro exposto aos olhares de todos, apela-nos à verdade, ao retirar das máscaras, ao abandono da mentira e ao encontro com a verdade de nós próprios. Só na verdade podemos estar verdadeiramente bem na vida e com a vida.
O cantar do galo despertou Pedro da mentira, fez com que caíssem as máscaras que o desfiguraram. Que estes dias da Semana Santa nos libertem também das máscaras que nos desfiguram e nos ajudem a encontrar a nossa verdade pessoal.
 
Ilustração: “A negação de São Pedro”, de Rembrandt, Rijksmuseum, Amesterdão.

3 comentários:

  1. "Que estes dias da Semana Santa nos libertem das máscaras..." é um voto e um pedido que lhe agradeço e que faço meu.

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  2. É bem verdade que as máscaras são o disfarce para não vermos a realidade e a verdade da nossa vida.E, igualmente ,para não nos mostrarmos na nudez da nossa realidade, para não enfrentarmos o desconforto da nossa verdade. Inter Pars

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  3. Caro Frei José Carlos,

    Ao longo da História e da vida de cada um de nós, os períodos de crise, com mais ou menos violência sempre trouxeram à luz do dia, o que na realidade somos, o mais profundo que há em cada um de nós, que recusamos aceitar, ao qual nos entregamos como num jogo, que ultrapassa a dança das máscaras, porque mais amplo e dissimulado, mais subtil, actuando como se a nossa natureza fosse mimética.
    Assumir o comportamento de um ser livre, sem transigir com a hipocrisia, o cinismo, a inveja, a mesquinhez, a injustiça, a mentira, a misericórdia, tem um preço muito alto, sejamos crentes ou não crentes. As consequências podem ser a aniquilação do próprio ser. E, Jesus que assumiu a nossa humanidade excepto no pecado e que foi capaz de enfrentar o “status quo” que vai para além da religião “oficial”, o Seu testemunho de Vida, de Palavra, de Verdade, leva-nos a meditar nesta Semana Santa, a Sua Paixão e Morte de cruz, Deus na Sua nudez, ganhando coragem para reflectir e encarar as nossas fraquezas visíveis e invisíveis, as nossas misérias mas também o que somos de melhor, na humildade.
    Como nos recorda …”Como Pedro temos medo de enfrentar a verdade de ser discípulos, de ser filhos de Deus, deixamo-nos desfigurar pela mentira, pelo mal, e sem que tenhamos consciência desfiguramos o próprio Deus em que acreditamos, a missão a que fomos chamados e o projecto de felicidade a que a criação divina nos destinou.”
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas que nos levam a reflectir sobre como somos e como nos revelamos no quotidiano e em todas as dimensões da vida, por salientar-nos que …”Só na verdade podemos estar verdadeiramente bem na vida e com a vida.”. …
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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