Haverá fé na terra quando voltar o filho do homem é a pergunta que Jesus deixa aos seus discípulos no final do Evangelho de São Lucas que acabámos de escutar. É uma pergunta que nos podemos colocar também nós, hoje, face aos desafios que a nossa cultura e sociedade nos coloca como crentes, como discípulos de Jesus Cristo. Uma pergunta pertinente na medida em que não sabemos nem o dia nem a hora em que voltará o filho do homem e portanto devemos estar vigilantes e aptos a dar uma resposta.
E a resposta é-nos indicada, sugerida, pela parábola que Jesus conta da pobre mulher que insiste junto do juiz iníquo para obter satisfação às suas demandas. Um juiz distante, irreverente, sem temor nem dos homens nem de Deus, mas que responde à pobre mulher para ter sossego, para deixar de ser importunado. A parábola, como o próprio Jesus o refere, mostra a necessidade que temos de não desanimar, de não desistir, de insistir, e de modo muito particular num aspecto extremamente importante da nossa existência como crentes que é o da oração. É a oração que nos identifica e nos qualifica.
Mas ao falarmos de oração não podemos pensar que nos estamos a referir a um simples gesto ou ritual mecânico, a uma atitude física como a de estar de joelhos ou prostrados, ainda que tais atitudes sejam necessárias e por vezes um meio imprescindível para chegarmos a fazer verdadeiramente oração. Ao falar de oração estamos a referir-nos a esse desejo de Deus que habita em nós e procura ser saciado, satisfeito, no próprio Deus pois não há mais nada que o satisfaça. Uma oração, ainda que longa e sacrificada, ainda que muito cuidada e muito contemplativa, se não tiver e não for sustentada por esse desejo de Deus, será uma oração vazia, uma oração que conduzirá ao vazio.
No caso da parábola, a pobre viúva procura junto do juiz uma satisfação de uma causa, uma justiça contra o adversário, no nosso caso e na nossa oração o objectivo não é uma satisfação de uma causa, uma resposta material a uma qualquer necessidade, mas a satisfação desse desejo e do prazer de estar com Deus. Jesus, que vivia em doce intimidade com o Pai, mostra-nos através da sua oração frequente como é necessária esta satisfação, como é necessária esta busca e relação pessoal com Deus.
A celebração da Eucaristia, nomeadamente ao domingo, é para nós uma fonte e uma forma desta satisfação e face à nossa cultura um sinal bem actual e visível dessa fé na vinda do filho do homem, uma resposta verdadeiramente efectiva.
Contavam-me há dias que um jovem de dezoito anos se revoltou contra a prática habitual da família de cumprir o preceito dominical e para tal revolta justificava-se com o desperdício de tempo que era ir à missa ao domingo. A hora da missa era uma perda de tempo. Ora é aqui e face a estas atitudes, a esta compreensão da celebração Eucarística, fruto da mentalidade social e cultural dos nossos tempos, que temos que jogar a nossa fé e o nosso compromisso testemunhal.
Porque a celebração eucarística não é apenas uma questão estética, uma questão de satisfação prazenteira dos sentidos, para a qual contribuem e devem contribuir um bonito espaço, uma boa música, uma boa presença até daquele que preside. Não é também apenas uma questão convivial, comunitária, ou social, momento para nos reunirmos e encontrarmos com os nossos amigos e família ou até com os vizinhos do lado. A celebração eucarística é esse momento e esse modo em que pela própria virtude da celebração, do mistério presente e vivido, os nossos corações são orientados para Deus, ganhamos uma outra dimensão como homens, pois somos livremente filhos de Deus e herdeiros do Reino dos céus.
Face a tanta gente, a tantos homens e mulheres que abdicaram da Missa dominical temos que lhes dizer que abdicaram e estão a abdicar do meio que lhes possibilita ser mais homens e mulheres, serem verdadeiramente livres por uma hora. Face a uma semana de trabalho, esgotante, a compras feitas à pressa e sob a pressão da publicidade que nos entra pelos olhos dentro, a um domingo para um descanso que tantas vezes desperdiçamos em encontros e actividades frustrantes, a um ritmo de vida que cada vez mais nos escraviza e subjuga na nossa liberdade pessoal, a celebração dominical é o momento e o modo de nos libertarmos dessa escravidão e dessa subjugação. Durante uma hora, (que pode ser mais ou menos entediante, é justo que o digamos, e é justo que o digamos também devido a vários factores e um deles o espírito com que estamos), somos unicamente filhos de Deus, livres em Cristo que se nos apresenta e fortalece através da Palavra sagrada e do seu Corpo e Sangue entregue por nós e para nós.
É a fé que nos leva a viver dessa forma a Eucaristia que jamais pode ser vista ou participada como um utensílio, como um objecto de que me sirvo porque me dá jeito, porque é da tradição e da minha educação; bem pelo contrário, deve ser vivida como uma casa, uma verdadeira casa, por alguma razão se chama casa de Deus ao espaço, à igreja, porque nela habito, faço vida, construo e fortaleço as minhas relações com Deus e com os outros. Quantos desafios de participação activa se nos colocam se nos comprometermos com uma concepção “habitacional” da nossa celebração Eucarística dominical!
Como crentes, como discípulos de Jesus, participantes da Eucaristia, procuremos sem pressas e sem medos, com coragem e constância viver a nossa relação com Deus, a nossa Eucaristia e a nossa oração pessoal e intima, testemunhando dessa forma e por esses modos a fé que habita em nós na vinda do filho do homem para fazer justiça sem demora.
Frei José Carlos,
ResponderEliminar…“Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre esta terra?” A Homilia que connosco partilha é profunda, simples mas pressupõe uma mudança radical na nossa forma de ser e de estar. Nela está implícita outra concepção, outro projecto de sociedade. Tomámos como referência um modelo materialista, desde há longo tempo, ao qual aderimos, sem questionarmos para onde caminhávamos. Estamos disponíveis para essa mudança que somente depende de nós?
Lembra-nos um … “aspecto extremamente importante da nossa existência como crentes que é o da oração. É a oração que nos identifica e nos qualifica” e para outro parâmetro dessa oração que é “ de ordem relacional” … “na nossa oração o objectivo não é uma satisfação de uma causa, uma resposta material a uma qualquer necessidade, mas a satisfação desse desejo e do prazer de estar com Deus.”
Salienta-nos igualmente que … “A celebração eucarística é esse momento e esse modo em que pela própria virtude da celebração, do mistério presente e vivido, os nossos corações são orientados para Deus, ganhamos uma outra dimensão como homens, pois somos livremente filhos de Deus e herdeiros do Reino dos céus.”
É a fé e a confiança em Deus, com os nossos corações abertos ao Caminho da Verdade e do Bem e como recentemente nos exortou em (14/10/2010), ….”Cabe a cada um de nós responder e assumir a condição que deseja viver, se a da vida em plenitude ou a da vida artificial”.
A abdicação à Missa Dominical, se me permite, é apenas a ponta do “iceberg” e não escolhe idades, nem classes sociais e/ou profissionais. Não é possível julgar. Às vezes o jovem voltará mais facilmente (se as sementes ficaram) do que muitas mulheres e homens que tomaram uma decisão mais tarde. E destes também muitos voltarão.
Mas o que escreveu Frei José Carlos e a minha reflexão que acontece frequentemente pelas mais variadas razões: familiares, de amizade, profissionais, sociais, leva-me sempre a outras interrogações para as quais não tenho resposta: o que pode fazer a Igreja, em sentido lato, os mais diversos meios religiosos, nós próprios, os crentes, para que possamos alterar a nossa forma de ser e de estar para com Deus e para com o nosso semelhante?
Possamos seguir o exemplo de Jesus no Jardim das Oliveiras para que numa experiência íntima e pessoal com Deus saibamos através desse diálogo, da oração e da fé vivida e partilhada, encontrar o Caminho da Verdade e do Bem que procuramos.
Um grande obrigado pela partilha. Bem haja.
Um abraço fraterno, MJS