Depois de nos ter apresentado no Evangelho do domingo passado a necessidade da oração, da sua perseverança, através das figuras emblemáticas do opressor e do oprimido, juiz iníquo e viúva inoportuna, Jesus retoma no Evangelho de hoje a mesma temática, iluminando desta feita as atitudes exteriores e interiores que evidenciam a verdadeira oração.
Uma vez mais e utilizando novamente a linguagem da parábola Jesus apresenta-nos duas figuras representativas, a do justo, personificada no fariseu, e a do pecador, personificada no publicano. Ambos rezam ao mesmo Deus mas apenas um volta justificado para casa e tal acontece por causa da atitude assumida na oração.
Assim, o fariseu que Jesus apresenta é um homem irreprimível, é um homem de bem, que não só cumpre a lei mas que vai mesmo para além do seu cumprimento no que está estipulado. Ele reza como está mandado, paga os dízimos que lhe competem, cumpre todas as normas da lei, e mais, cumpre aquilo que outros como o publicano que está ao seu lado não cumprem. Ele está bem, é bom, é justo, e os outros são injustos e pecadores.
Nesta apresentação do fariseu Jesus não se dirige aos justos, mas àqueles que estão convencidos de serem justos, de estarem bem, quando afinal não estão. E este fariseu que aparentemente parece justo, que pelo cumprimento da lei pode ser considerado justo, de facto não o é; e não porque falha à lei e ao seu cumprimento, bem pelo contrário, mas porque se estabeleceu como norma da justiça, porque construiu e constrói a justiça à sua própria imagem e do seu cumprimento da lei. O importante é o que ele faz.
Mas mais grave do que esta satisfação, do que este convencimento, fruto do cumprimento escrupuloso do preceituado, mais grave que esta imagem falsa de si mesmo, é a exclusão do mais importante da lei, daquilo que fundamenta toda a lei e que é o mandamento do amor ao próximo.
A lei dada por Deus a Moisés no monte Sinai funda-se no amor a Deus e no amor ao próximo. Acrescente-se pois, ainda, a esta gravidade da falta de amor ao próximo, a falta de necessidade de Deus, a sua auto-suficiência até em relação a Deus, pois tudo lhe é possível, tudo pode ser feito pelas suas forças e graças a si e ao seu desejo.
Neste sentido e tendo presente que estamos em contexto de oração, de diálogo e intimidade com Deus, face a este homem cheio de tudo, o que pode Deus acrescentar-lhe, que espaço há ainda para que Deus possa vir até ele e realize nele alguma obra?
O publicano, público pecador que se mantém à distância, contrasta pela diferença pois nele não há nenhum cumprimento da lei, nenhuma justificação, nenhuma comparação, nenhuma suficiência, apenas a consciência da sua iniquidade e do seu pecado e da necessidade do perdão de Deus.
Ele apresenta-se diante de Deus sem nada, pobre e miserável, humilhado e incapaz de elevar os olhos, esperançado apenas na misericórdia de Deus. Ele inscreve-se assim no conjunto daqueles homens e mulheres humildes cuja oração atravessa as nuvens e é acolhida por Deus, como nos diz Ben Sirá na leitura do seu livro.
O publicano apresenta-se apesar de todo o seu pecado aberto e disponível à acção de Deus, ao seu perdão misericordioso, à compaixão capaz de colmatar a sua iniquidade e infidelidade e por isso é que ao regressar a casa vai justificado, vai atendido por Deus, pois não é o centro de si mesmo, a suficiência própria.
Perante uma e outra figura podemos e devemos perguntar-nos se o fariseu acredita verdadeiramente em Deus, ainda que se lhe dirija conferindo o cumprimento dos mandamentos de Deus. Podemos e devemos perguntar-nos também face às circunstâncias da nossa vida e à consciência que temos de tantas vezes sermos fariseus e publicanos, de tantas vezes conferirmos com Deus a nossa fidelidade comparativamente à infidelidade dos outros, a nossa suficiência narcísica, se verdadeiramente também acreditamos em Deus.
É uma pergunta que não é descabida, pode e deve ser colocada, possivelmente até mais frequentemente do que nos parece aceitável, pois a primeira etapa da conversão que tantas vezes buscamos e desejamos não é a mudança de vida, de comportamentos e atitudes, mas a fé em Deus, a abertura à sua acção em nós e connosco assim nós nos disponibilizemos para tal. E então sim poderemos converter-nos, poderemos ser mais fiéis, porque estaremos já nas mãos de Deus, vivendo a sua vontade e não a nossa.
Vinde em nosso auxílio Senhor e não deixeis de chamar à nossa porta até que a abramos e te acolhamos na nossa fraqueza e miséria, na nossa infidelidade, porque só quando somos fracos e pequenos é que tu podes fazer-nos grandes e fortes, é que tu nos podes fazer fiéis.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarTendo presente as Leituras e o Evangelho de Lc 18,9-14, a Homilia do XXX Domingo do Tempo Comum que connosco partilha é muito profunda, atinge-nos a todos e faz-nos pôr em causa algumas das certezas que temos como adquiridas, dos nossos comportamentos que julgamos correctos, justos, auto-suficientes, à semelhança da personagem personificada por Jesus no “fariseu”. E se me permite passo a transcrever alguns excertos que me tocam particularmente: ...” Mas mais grave do que esta satisfação, do que este convencimento, fruto do cumprimento escrupuloso do preceituado, mais grave que esta imagem falsa de si mesmo, é a exclusão do mais importante da lei, daquilo que fundamenta toda a lei e que é o mandamento do amor ao próximo.” (…) “Acrescente-se pois, ainda, a esta gravidade da falta de amor ao próximo, a falta de necessidade de Deus, a sua auto-suficiência até em relação a Deus, pois tudo lhe é possível, tudo pode ser feito pelas suas forças e graças a si e ao seu desejo.” (…) “Neste sentido e tendo presente que estamos em contexto de oração, de diálogo e intimidade com Deus, face a este homem cheio de tudo, o que pode Deus acrescentar-lhe, que espaço há ainda para que Deus possa vir até ele e realize nele alguma obra?”
Somos um misto de fariseu e publicano, e a pergunta que formula é pertinente e realista ...” de tantas vezes conferirmos com Deus a nossa fidelidade comparativamente à infidelidade dos outros, a nossa suficiência narcísica, se verdadeiramente também acreditamos em Deus.” Como afirma, em primeira etapa, precisamos que os nossos corações estejam receptivos a acolher Deus, a estar disponiveis para que as transformações necessárias se operem, que a graça da conversão se realize e humildemente, com as nossas fragilidades, aceitarmos ...”viver a vontade de Deus e não a nossa”. Precisamos que Deus nos mostre o caminho sempre que for necessário.
Permita que façamos nossas as palavras de auxílio, de súplica que dirige ao Senhor, porque a transformação do Mundo começa em cada um de nós.
Bem haja Frei José Carlos. Um abraço fraterno.
MJS
Boa tarde Frei José Carlos,
ResponderEliminarBem haja pela sua presença constante junto de nós, vindo ao encontro das nossas carências espirituais, das nossas dúvidas, das questões que este passo do Evangelho nos põe, opondo o fariseu ao publicano, situação experimentada e angustiante.
Bem haja igualmente pela paz espiritual que semeia ao apontar-nos o caminho para a conversão.
Bem haja também pela oração que nos sugere.
Um abraço fraterno,
GVA