O Evangelho de São Lucas deste domingo coloca-nos perante mais um milagre de Jesus, mais uma cura. Contudo, se estamos perante mais uma cura de Jesus, a cura de dez leprosos, a narração de São Lucas tem algumas particularidades que nos mostram que algo mais está em jogo, que não se trata de uma simples cura física, de um simples milagre operado por Jesus.
Assim, e neste sentido, não podemos deixar de reparar que os leprosos não se aproximam de Jesus, se mantém à distancia, ou por não quererem tornar impura a própria pessoa de Jesus, uma vez que toda a lepra provocava a impureza, ou porque no contexto da narração eles estão ainda de facto longe de Jesus, fechados à revelação que se podia operar com a sua aproximação.
Depois não podemos deixar também de reparar que Jesus não actua como é habitual, não os questiona na sua fé nem tem qualquer gesto para com eles que índice uma acção particular, como acontece com outros milagres e curas em que Jesus toca e interpela aquele que é curado.
Ainda, e por fim, Jesus dá-lhes uma ordem, manda-os apresentarem-se aos sacerdotes para certificarem uma cura que no momento em que a ordem é dada ainda não se operou, ainda não aconteceu. Jesus remete para um cumprimento da lei de Moisés que não é normal, podemos até dizer descabido pois não há ainda cura. À luz da ordem dada por Eliseu ao general sírio para que se banhasse no rio Jordão, esta ordem de Jesus é ainda mais descabida, desconcertante na sua realidade imediata.
Mas se num primeiro momento e na narração tudo se organiza desta forma, tal acontece para evidenciar o regresso do leproso curado e da sua atitude. E assim vemos que perante a constatação da cura, no cumprimento da ordem dada por Jesus, um dos leprosos regressa a Jesus, e lançando se lhe aos pés dá graças pela cura alcançada. Perante tal reacção Jesus não só evidencia a atitude do leproso mas também a sua naturalidade, é samaritano, ou seja Jesus aponta para a sua condição de dupla exclusão provocada pela lepra e pela origem étnica e religiosa. E é aqui que ganha sentido a diferença de narração relativamente a outros milagres e curas, porque de facto o que está em causa é a capacidade de relação, é a exclusão inicial e a reintegração operada por Jesus. Não se trata de uma simples cura de doença de pele, da lepra física, mas trata-se da cura da doença leprosa que nos impede de nos aproximarmos uns dos outros, ou seja dos tabus e marginalizações que construímos em virtude da cor da pele, da raça, da religião, da opinião diferente, das opções de vida que se desenquadram da nossa concepção mental e cultural. Jesus vem curar-nos de tudo isso, vem reintegrar-nos numa unidade que não é normal, mas que é necessária para que o Reino de Deus se possa instaurar entre os homens e se possa viver como filhos de Deus e irmãos de Jesus.
Este relato põe ainda em evidência uma outra realidade, talvez até mais quotidiana na nossa vida de cristãos e muito mais necessitada de conversão, de cura. É a realidade do nosso recurso a Deus para a solução de alguns problemas da nossa vida, a nossa relação quase comercial com Deus para que nos obtenha alguma cura, uma boa nota num exame, um bom emprego, em troca de uma vela ou do cumprimento de uma qualquer promessa. Obtida a graça, satisfeito o pedido e o desejo, continuamos a nossa vida, ou seja com os outros nove leprosos continuamos o nosso caminho como se nada se tivesse alterado ou não fosse necessária uma outra atitude de vida.
Este leproso samaritano mostra-nos como é necessário pedirmos a Deus o que nos faz falta, os bens que necessitamos na nossa vida, o próprio Jesus a isso nos convida, até mesmo através do Pai-Nosso, mas mostra-nos também que depois de alcançada a graça a nossa vida necessita não só de um momento de agradecimento, mas de uma reorientação, de um novo caminho e caminhar. Nada pode ser igual, nada se pode manter igual depois de alcançada a satisfação de uma necessidade por parte de Deus, porque se Deus nos concede um bem, uma graça, é para que a nossa vida possa ser diferente, possa estar mais próxima e de acordo com aquilo que é o projecto para a nossa realização.
Neste sentido temos que aprender muito com este samaritano, mas também com as palavras de São Paulo a Timóteo, de que Deus se mantém fiel apesar das nossas infidelidade mas que nos negará se nós o negarmos também. E não reconhecer um dom, uma graça recebida, não agradecer e não viver de acordo com esse dom de modo a que ele frutifique e cresça para o Reino de Deus é de alguma forma negar Deus, é recusarmo-nos a participar e a partilhar da realização da vontade de Deus em nós.
Peçamos assim a sabedoria do Espírito Santo para sabermos reconhecer o que Deus nos vai concedendo, o temor de Deus para nos mostrarmos agradecidos pelo recebido e a piedade para vivermos fiéis a esse mesmo dom.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarA leitura do Evangelho de São Lucas no XXVIII Domingo do Temo Comum é como afirma algo mais que uma “simples cura física, de um simples milagre operado por Jesus”. Permita-me que transcreva alguns excertos que mais me sensibilizam e questionam ...” Não se trata de uma simples cura de doença de pele, da lepra física, mas trata-se da cura da doença leprosa que nos impede de nos aproximarmos uns dos outros, ou seja dos tabus e marginalizações que construímos em virtude da cor da pele, da raça, da religião, da opinião diferente, das opções de vida que se desenquadram da nossa concepção mental e cultural. Jesus vem curar-nos de tudo isso, vem reintegrar-nos numa unidade que não é normal, mas que é necessária para que o Reino de Deus se possa instaurar entre os homens e se possa viver como filhos de Deus e irmãos de Jesus.”
Acresce que nos salienta outro aspecto da nossa relação com Deus, os pedidos que fazemos , e uma vez obtida a acção de graças … “continuamos o nosso caminho como se nada se tivesse alterado ou não fosse necessária uma outra atitude de vida.”
Obrigada Frei José Carlos por nos exortar … “que depois de alcançada a graça, a nossa vida necessita não só de um momento de agradecimento, mas de uma reorientação, de um novo caminho”…, por nos lembrar a necessidade da nossa fidelidade para com Deus, para vivermos de forma coerente os nossos pensamentos, as palavras e os actos a fim de participarmos na construção do Reino de Deus.
Bem haja , Frei José Carlos.
Desejo-lhe uma boa semana. Um abraço fraterno, MJS