É de todos nós conhecida a parábola do Filho Pródigo e depois que Henri Nouwen a meditou e comentou a partir do quadro de Rembrandt pertencente às colecções do Museu do Hermitage, tornou-se ainda mais conhecida, ou pelo menos em alguns círculos objecto mais frequente e aprofundado de meditação.
Regressar a ela é portanto um exercício arriscado, uma possibilidade de pelágio ou imitação, mas um exercício necessário quase quotidianamente para não nos perdermos da misericórdia de Deus ali revelada tão magnificamente.
E neste regresso fazemos uma paragem na consciência do filho que abandonou a casa, na circunstância em que se encontra de fome depois de ter desbarato e perdido tudo o que tinha reclamado de seu pai.
É uma situação constrangedora, de alguém que teve tudo, todas as possibilidades, e agora se vê reduzido a um servo de outro senhor, obrigado a guardar os animais menos dignificantes e a nem sequer poder comer das alfarrobas com que se alimentavam os bichos. Na casa de seu pai quanta riqueza, quanta fartura, quanta dignidade e respeito e ele ali a morrer de fome, escravo de um senhor que nem o direito ao alimento lhe reconhece.
Podemos assumir que a fome que o jovem filho sente é antes de mais a fome física, a necessidade física de alimento. É também aquela que mais nos provoca, nos perturba, e nos leva a determinadas atitudes, algumas vezes irreflectidas ou compulsivas. A fome move-nos. Contudo, há outras fomes e mais intrínsecas ao nosso viver, ao nosso bem-estar, e das quais muitas vezes temos consciência mas pelas quais não arriscamos um passo, um gesto, um compromisso.
O jovem filho tem fome de alimento, mas tem também fome de dignidade, de reconhecimento da sua pessoa e da sua liberdade, fome de compreensão e de perdão, fome de um abraço e de um colo que o acolha. O jovem filho tem fome do amor, desse amor que o pai sempre lhe votou, mesmo quando ele lhe pediu a sua parte da herança e partiu, deixando para trás o pai e o irmão mais velho.
E por isso a morte, esse sentimento de perigo, pois longe do pai, privado da sua dignidade de filho, afastado do reconhecimento, sem amor, é um homem votado à condenação, ao desaparecimento e à morte sem ter ninguém que o chore ou recorde. É urgente voltar à casa do pai, ainda que tendo perdido todos os direitos, até mesmo o da filiação.
E eu aqui a morrer de fome, também eu, cada um de nós, quase inânimes, mas ainda sem coragem e sem convicção para encetar o caminho de regresso à casa do Pai e à satisfação possível de todas as nossas fomes. Apesar delas e da morte que vislumbramos à sua sombra, continuamos a aguentar, a suportar a escravidão a um senhor que não nos reconhece nem nos dignifica, que não nos alimenta mas se alimenta de nós, que nos esvazia e nos considera como mais uma propriedade sua.
E o Pai à espera, de braços abertos, com os olhos postos no caminho, ansioso e expectante, com os vestidos de festa preparados, o vitelo engordado e tudo pronto para que se faça a festa assim que cheguemos.
Parecem sujos, manchados de sangue, esses braços abertos, quase repugnantes e sem qualquer atractivo para que nos lancemos neles; mas como não haviam de estar assim se lutaram com os abrolhos e os silvados do caminho, para que na minha miséria possa chegar a casa sem mais feridas que a da minha dignidade perdida, se branquearam a túnica festiva no sangue do cordeiro, se forjaram nas escórias da humanidade o anel com que me filiará.
E eu aqui, e nós aqui, cheios de fome e sede, prostrados à beira do poço e da mesa do banquete, sem dar um passo, sem esticar a mão, ainda temerosos dos braços abertos manchados por nossa causa.
Que a fome aumente em mim para que te busque Pai e em teus braços me entregue para me transfigurares.
Que magnífica partilha, Frei José Carlos,fonte de confiança na misericórdia de Deus, convite à conversão.
ResponderEliminarHoje,damos graças pelo dom da sua vida e pedimos que o Senhor lhe conserve o entusiasmo para nos ajudar como tem feito, através da palavra.
Tenha um bom domingo,
GVA
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Meditação que partilha connosco profundo e belo, a propósito da parábola do Filho Pródigo (Lc 15,17) fez-me reflectir na Humanidade, particularmente no presente, nos nossos comportamentos, e a reler a oração de Santo Éfrem e alguns dos textos que partilhou connosco no início da Quaresma.
E como diz no texto ...”Podemos assumir que a fome que o jovem filho sente é antes de mais a fome física, a necessidade física de alimento. (…) Contudo, há outras fomes e mais intrínsecas ao nosso viver, ao nosso bem-estar, e das quais muitas vezes temos consciência mas pelas quais não arriscamos um passo, um gesto, um compromisso.”…
E continuo a citá-lo, se me permite. “E eu aqui a morrer de fome, também eu, cada um de nós, quase inânimes, mas ainda sem coragem e sem convicção para encetar o caminho de regresso à casa do Pai e à satisfação possível de todas as nossas fomes.”
A parábola do Filho Pródigo é simultaneamente a revelação por Jesus do Pai Misericordioso e respeitador da nossa liberdade que nos aguarda, de coração aberto, sem censuras para nos acolher a qualquer momento.
Saibamos aproveitar este período da Quaresma para rever a nossa forma de pensar, de viver, com o desejo sincero de nos transformarmos, de fazermos o caminho com Jesus, ao encontro do Pai.
Dai-nos Senhor a fé e a coragem para no vazio das nossas vidas, fazermos o caminho do reencontro, do abraço, sem recriminações, com o Pai.
Obrigada por esta importante partilha. Bem haja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S.
Frei José Carlos,
Quero desejar-lhe, hoje, em especial, um dia alegre. Que o futuro permita realizar o que deseja, com saúde, e a graça de Deus, e que possamos contar com a palavra construtiva e amiga do Frei José Carlos. Está sempre presente nas nossas orações.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva