Libertos da ociosidade e da tristeza impotente pedimos ao Senhor que nos liberte do espírito de dominação, desse espírito que não só nos faz desejar o poder e a força, a autoridade sobre o outro, mas sobretudo a propriedade do próprio outro.
Entramos numa outra esfera, num outro âmbito em que deixamos de estar sós, no qual o espírito se centra em nós, para estarmos com outros e num espírito em que o outro é tanto como nós, igual.
Contudo, na medida em que nos reconhecemos cada vez mais independentes, livres de autoridades, este espírito de dominação revela-se de uma forma cada vez mais subtil, menos perceptível e por isso mesmo mais perigosa e violenta. Tendo deixado de ter o outro como nossa propriedade, que cuidaríamos, mimaríamos por ser nosso, passámos a usar o outro como instrumento, como um produto, de que fazemos uso e depois jogamos fora, descartamos porque não é nosso e já não nos serve.
É o outro objecto de prazer, é o outro ferramenta rentável e produtiva, é o outro enquanto compincha das minhas jogadas, é o outro enquanto degrau para a minha ascensão e glorificação. É a consideração do outro e de qualquer outra realidade como e enquanto estão ao serviço dos meus interesses.
De forma irredutível sou o centro, erijo-me em valor supremo, acima e ao lado do qual não existe nada mais, não há qualquer outro valor. E não estarei só, por acaso?
Ao pedirmos ao Senhor que nos liberte deste espírito de dominação estamos a centrar a nossa humanidade naquilo que ela tem de necessidade do outro como complemento, na dignidade que a todos nos é inerente e devida.
A Quaresma é também esta oportunidade de redescobrir o outro como rosto de Deus, como a imagem de Deus que nos merece todo o amor e toda a glória.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarObrigada pela partilha do texto que escreveu como Meditação. Pelo conteúdo profundo, lamentavelmente pela actualidade de que se reveste, e tantas vezes, quase diria, diariamente, somos testemunhas e algumas (muitas) vezes autores do espírito de dominação.
Permita-me que passe a citá-lo em algumas passagens que me tocam especialmente.
...” Contudo, na medida em que nos reconhecemos cada vez mais independentes, livres de autoridades, este espírito de dominação revela-se de uma forma cada vez mais subtil, menos perceptível e por isso mesmo mais perigosa e violenta. Tendo deixado de ter o outro como nossa propriedade, que cuidaríamos, mimaríamos por ser nosso, passámos a usar o outro como instrumento, como um produto, de que fazemos uso e depois jogamos fora, descartamos porque não é nosso e já não nos serve.”…
(...) “É a consideração do outro e de qualquer outra realidade como e enquanto estão ao serviço dos meus interesses.”
Permita-me que faça minhas as palavras com que termina. Na Quaresma e sempre, peçamos ao Senhor que nos ajude a “redescobrir o outro como rosto de Deus, como a imagem de Deus que nos merece todo o amor e toda a glória.”
Bem haja Frei José Carlos pela coragem, pela frontalidade, por nos ajudar a enfrentar e a revelar os nossos comportamentos menos bons, por forma a modificá-los.
Um abraço fraterno
Maria José Silva