quinta-feira, 31 de março de 2011

O reino divido acaba em ruínas (Lc 11,17)

Os relatos dos diversos acontecimentos da vida de Jesus que encontramos nos Evangelhos mostram-nos que não teve uma missão fácil, que teve até bastantes dificuldades em fazer-se entender, tanto aos companheiros que tinha escolhido e que privavam da sua intimidade como àqueles que vinham ter com ele no sentido de obterem um sinal, algo que o confirmasse como o Messias que eles desejavam.
A cura do homem possuído por um demónio mudo, e a admiração da multidão, bem como a solicitação de mais um sinal por parte de alguns dos presentes, mostram-nos uma faceta dessa dificuldade, a incompreensão dos sinais apresentados face à expectativa de outros sinais, de algo ainda mais extraordinário para ser evidente. Há assim um desencontro entre os sinais que Jesus apresenta para manifestar a sua pessoa e a presença do Messias esperado, e os sinais que a multidão espera, deseja, de alguma forma opostos e portanto inviabilizadores da visão e total compreensão dos sinais apresentados por Jesus.
É neste desencontro e face aos pensamentos e conjecturas sobre a fonte do poder para realizar as curas e milagres que Jesus opera, que aparecem estas palavras de que qualquer reino dividido contra si mesmo acaba em ruínas. Não são palavras extraordinárias, bem pelo contrário, uma constatação de uma realidade que a história e as lutas humanas nos confirmam. Qualquer reino que se divide e luta internamente acaba mais tarde ou mais cedo em ruínas. As notícias diárias patenteiam-nos esta mesma realidade e destruição.
Contudo, as palavras de Jesus não podem ser lidas exclusivamente nesta acepção histórica ou politica, porque elas são uma profunda chamada de atenção a ter em conta enquanto aplicadas a cada um de nós, enquanto referidas à nossa própria realidade humana e possibilidade de divisão interna. Ou seja, enquanto duplicidade, incoerência na nossa vida, enquanto possibilidade de esquizofrenia mental e espiritual.
De facto o nosso reino, a nossa personalidade pode sofrer esta duplicidade, este confronto de interesses, chegando por vezes à necessidade de tratamento psiquiátrico ou terapêutico. Mas também a nossa vida espiritual, o outro nosso reino, onde a duplicidade de critérios, a incoerência e a infidelidade, as tentativas de equilíbrio e equidade face aos compromissos e valores assumidos e as solicitações do mundo nos levam a uma divisão e a uma luta constante e à consequente ruína.
Jesus é ainda mais claro relativamente a este perigo quando nos diz que não podemos servir a dois senhores, que há realmente um perigo na divisão, mas é também claro quando nos diz que esta vida não deixa nunca de ser um combate, afinal uma luta entre dois opostos.
Estamos assim num impasse, numa circunstância da qual pelas nossas próprias forças não somos capazes nem podemos libertar-nos. E por isso é que Jesus termina este episódio e discussão dizendo que quem não está com ele está contra ele e quem não junta com ele dispersa. A divisão intrínseca que sofremos, e pode ser aumentada ou diminuída, tem na união com Jesus a superação, o paliativo para a correcção saudável.
Unidos a Jesus podemos verdadeiramente encetar a luta contra a divisão, contra os contrários que nos atraem porque nessa união auferimos as forças necessárias para o combate. Unidos a Jesus temos a garantia da viabilidade de uma unidade, porque verdadeiro homem e verdadeiro Deus experimentou as nossas dificuldades e o mesmo combate, e vencendo-o ensinou-nos e ajuda-nos também a vencê-lo.
Não é fácil, porque nos habituámos a estar no fio da navalha ou sentados encima do muro, mas temos que fazer uma escolha, quer seja a favor ou contra, porque de contrário terminaremos verdadeiramente em ruínas. E também temos que pedir a Jesus que a nosso lado nos sustente no combate que inerentemente fizermos pela união com ele, para não desfalecermos nem desanimarmos face às dificuldades e aos opositores.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Tendo como referência o Evangelho do dia, o texto da Meditação que intitulou “O reino dividido acaba em ruínas (Lc 11,17)” faz uma interpretação histórica ou política das palavras de Jesus mas salienta-nos a necessidade de uma outra leitura …”porque elas são uma profunda chamada de atenção a ter em conta enquanto aplicadas a cada um de nós, enquanto referidas à nossa própria realidade humana e possibilidade de divisão interna.”
    E é particularmente nas considerações que elabora no que concerne à duplicidade de critérios na nossa vida espiritual e a forma de ultrapassá-las que centro a minha reflexão.
    Como nos afirma … “ também a nossa vida espiritual, o outro nosso reino, onde a duplicidade de critérios, a incoerência e a infidelidade, as tentativas de equilíbrio e equidade face aos compromissos e valores assumidos e as solicitações do mundo nos levam a uma divisão e a uma luta constante e à consequente ruína.”
    Faço uma retrospectiva da minha existência, da minha vida espiritual, marcada por períodos diferentes, com incoerências, dúvidas, algumas não resolvidas, com interrogações, por vezes, alguns sobressaltos, estremecimentos, mas marcada por determinados valores, aonde o equilíbrio no caminho a seguir, a atitude pessoal, foi importante, e donde relevo que a fé na mensagem, na Palavra de Jesus, foi decisiva nos momentos mais atribulados. Permita-me que continue a respigar algumas das passagens que me tocam.
    ...” A divisão intrínseca que sofremos, e pode ser aumentada ou diminuída, tem na união com Jesus a superação, o paliativo para a correcção saudável.
    Unidos a Jesus podemos verdadeiramente encetar a luta contra a divisão, contra os contrários que nos atraem porque nessa união auferimos as forças necessárias para o combate. Unidos a Jesus temos a garantia da viabilidade de uma unidade, porque verdadeiro homem e verdadeiro Deus experimentou as nossas dificuldades e o mesmo combate, e vencendo-o ensinou-nos e ajuda-nos também a vencê-lo.”
    Peçamos a Jesus que nos reforce a nossa fé e nos fortaleça no combate que tenhamos que travar para seguir em união com Ele,…” para não desfalecermos nem desanimarmos face às dificuldades e aos opositores.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pela força, orientação e determinação que as palavras partilhadas nos transmitem. Bem haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar
  2. Frei Carlos,
    vejo que interrompeu suas postagens.
    estou muito interessada em sua continuação...
    em nome de Jesus e se for da vontade de nosso Pai, por favor continue.
    a paz de Jesus em seu coração
    Shalom

    ResponderEliminar