Algumas palavras de Jesus encostam-nos à parede, fazem-nos cair na conta de que ser discípulo e ser cristão não é um devaneio, não é uma brincadeira, não é uma questão de sensibilidade ou mera disposição do coração. Palavras como as de hoje, “não vim revogar a lei mas completá-la”, mostram-nos que não basta o amor, não basta apenas a nossa disposição, é necessário um compromisso, um exercício concreto e comum do mandamento do amor, que se aproxima bastante do legalismo na forma exigente como nos é apresentado por Jesus.
Porque de facto podemos manter-nos numa posição bastante vaga, etérea, ideológica, no que diz respeito ao cumprimento do mandamento do amor, podemos até fazer como que uma selecção do que nos é mais próximo e agradável na amplitude do mandamento e portanto limitamo-nos a viver apenas essas dimensões.
Jesus chama-nos a atenção para a radicalidade do mandamento do amor e de como ele se traduz em realidades muito concretas, em outros mandamentos e preceitos que fundamentam a sua razão e a sua praxis nesse mesmo mandamento do amor. Por isso nos diz que nenhum sinal da lei será retirado, que nenhuma letra deixará de estar em vigor, uma vez que cada uma e cada um concretizam a realidade primordial.
A arbitrariedade na vivência dos mandamentos, a escolha selectiva do que nos propomos viver, manifesta o orgulho do homem e essa tendência de ajuizar sobre tudo e sobre todos, a tendência independentista e egocêntrica que encontramos já estampada no nosso primeiro pai e na sua escolha face ao mandamento divino de não comer do fruto da árvore do conhecimento e da ciência.
Esta arbitrariedade apresenta-se como nos antípodas do que verdadeiramente é desejado com a concepção dos mandamentos, que não são cargas escravizantes, formas de subjugação ou alienação da liberdade e autonomia, mas um mapa de tesouro, um guia de caminhada que nos leva à felicidade, uma habilitação de herdeiros.
E isto torna-se mais claro quando lemos os mandamentos, quando os interpretamos e vivemos, à luz das palavras de Jesus, que nos diz que sabemos das coisas, neste caso dos mandamentos, não como servos mas como amigos e filhos. Ou seja, sabemos, ou devíamos saber, das razões íntimas e intrínsecas de tais leis, preceitos, mandamentos.
Por isso a observância dos mandamentos, a busca da sua vivência quotidiana não é um acto servil, opressor, mas verdadeiramente um acto de libertação e filiação, um conformar-se de forma enquadrada com a vontade do Pai, no sentido da condição de herdeiros que somos e da herança que nos está prometida e também próxima na medida da nossa conformidade cada vez maior.
Neste sentido não podemos deixar de pedir a Deus que nos ilumine cada vez mais o coração e nos fortaleça a vontade na fidelidade aos seus mandamentos, não porque buscamos um salário merecido pelo nosso cumprimento obediente, mas porque aspiramos a fruir a herança que é Ele próprio.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarObrigada por nos ajudar na interpretação do Evangelho do dia (Mt 5,17-19) e por nos salientar o que é ser discípulo e ser cristão. Permita-me que cite algumas passagens da Meditação que connosco partilha que me tocam particularmente.
... ” Palavras como as de hoje, “não vim revogar a lei mas completá-la”, mostram-nos que não basta o amor, não basta apenas a nossa disposição, é necessário um compromisso, um exercício concreto e comum do mandamento do amor, que se aproxima bastante do legalismo na forma exigente como nos é apresentado por Jesus.”… (…)
… “Jesus chama-nos a atenção para a radicalidade do mandamento do amor e de como ele se traduz em realidades muito concretas, em outros mandamentos e preceitos que fundamentam a sua razão e a sua praxis nesse mesmo mandamento do amor. Por isso nos diz que nenhum sinal da lei será retirado, que nenhuma letra deixará de estar em vigor, uma vez que cada uma e cada um concretizam a realidade primordial.”…
… “a observância dos mandamentos, a busca da sua vivência quotidiana não é um acto servil, opressor, mas verdadeiramente um acto de libertação e filiação, um conformar-se de forma enquadrada com a vontade do Pai, no sentido da condição de herdeiros que somos e da herança que nos está prometida e também próxima na medida da nossa conformidade cada vez maior.”…
Peçamos com o Frei José Carlos a Deus “que nos ilumine cada vez mais o coração e nos fortaleça a vontade na fidelidade aos seus mandamentos (…) porque aspiramos a fruir a herança que é Ele próprio”.
Estamos gratos (as) pela partilha importante e corajosa que nos exorta a um compromisso, à vivência livre e responsável dos mandamentos. Bem haja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva