quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Gabriel entrou no lugar onde Maria estava (Lc 1,28)

O primeiro capítulo do Evangelho de São Lucas apresenta-nos as histórias e a acção de Deus nos momentos que precederam o nascimento de João Baptista e de Jesus.
Nele podemos acompanhar dois anúncios diferentes, duas visitas do Anjo Gabriel a personagens distintas, as quais pelas missões a que estão destinadas se envolvem de forma diferente nessas mesmas visitas.
Assim, não podemos deixar de observar que enquanto Zacarias entra no templo e ali se encontra com o anjo do Senhor, no caso de Maria é Gabriel que invade a casa daquela a quem é enviado. As circunstâncias do encontro e do anúncio são diferentes, como o espaço físico em que decorrem, e as consequências também são igualmente diferentes, pois Zacarias sai mudo do interior do templo enquanto Maria sai cantando para casa de sua prima Isabel.
Estas diferenças históricas e redaccionais evidenciam a distância que separa Zacarias de Maria, ou melhor, evidenciam a distância nos processos de aproximação a Deus, da possibilidade da revelação de Deus.
Assim, no caso de Zacarias, encontramos uma dimensão e um processo humano, uma entrada no templo para um ritual, que pela sua mesma prática e rotina possibilitaram a inviabilidade do acolhimento da oferta de Deus.
Quase poderíamos dizer que em Zacarias nos encontramos todos nós quando nos abeiramos de Deus com os nossos rituais, encerrados nas nossas capacidades, limitados pela nossa condição de religiosos, no sentido mais profundo da palavra quando se refere àqueles que se ligam a algo ou alguém.
Zacarias tinha sonhado um filho, tinha-o desejado, certamente tinha pedido a Deus um descendente, a libertação do opróbrio da infertilidade, mas no momento de uma resposta da parte de Deus, a sua experiência do divino não o deixou acolher a oferta de Deus, a surpresa para além de todo o conhecido.
Maria, inversamente é alguém que não esperou um filho, ainda nem sequer teve tempo para isso, e por outro lado desde há muito tempo que aspira a uma virgindade, que se consagrou ao Senhor na intimidade da sua vida concebida sem pecado.
A entrada do anjo Gabriel em sua casa, no seu espaço, apresenta-se assim como uma reviravolta dos seus planos e propósitos, como um verdadeiro encontro, pois é Deus que vem até ela, que se apresenta surpreendentemente com uma proposta.
Neste sentido, a entrada do Anjo Gabriel em casa de Maria é uma imagem do mistério de Incarnação do Filho de Deus, do mistério de salvação, pois é Deus que vem ao encontro do homem, é Deus que se oferece sem esquemas e sem condições de prova.
Também hoje Deus continua a vir e continua a oferecer-se sem exigências condicionais, e no seu amor espera que não nos deixemos bloquear ou cegar pelos nossos próprios esquemas e rituais de ligação e relação com o divino.
Deus continua a fazer-se presente pela surpresa, pelo inusitado como uma criança deitada numa manjedoura, que no frio da noite e face à recusa de hospedagem oferece os seus braços a todos os que o quiserem acolher. Desejemos e procuremos acolhê-lo nos nossos braços e levá-lo connosco.
 
Ilustração: “Anunciação do Anjo Gabriel e Maria”, de Vladimir Borovikovsky, Museu Estatal Russo, São Petersburgo.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Contemplo a cena maravilhosa da “Anunciação do Anjo Gabriel a Maria” que partilha connosco e reflicto no texto que teceu, no qual nos esclarece as diferenças entre a “acção de Deus nos momentos que precederam o nascimento de João Baptista e de Jesus” e a sua fundamentação.
    Como nos salienta …” Também hoje Deus continua a vir e continua a oferecer-se sem exigências condicionais, e no seu amor espera que não nos deixemos bloquear ou cegar pelos nossos próprios esquemas e rituais de ligação e relação com o divino.
    Deus continua a fazer-se presente pela surpresa, pelo inusitado como uma criança deitada numa manjedoura, que no frio da noite e face à recusa de hospedagem oferece os seus braços a todos os que o quiserem acolher. Desejemos e procuremos acolhê-lo nos nossos braços e levá-lo connosco.”
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda, bela e poética Meditação, pelo convite que nos faz.
    Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me que partilhe a “Oração à Senhora do Advento” transcrita da mensagem da Pastoral da Cultura de 8 de Dezembro de 2012.


    Oração à Senhora do Advento

    Avé Maria, Senhora do Advento
    A misericórdia de Deus esplende em ti
    Bendita és tu entre as mulheres
    Em teu seio amadurece a manhã

    Ó Mãe propícia
    leve, magnífica e atenta
    aos amplos pátios da nossa solidão
    És aquela que melhor apascenta
    a turbulenta forma da nossa sede:

    Roga por nós que atravessamos o mundo agora
    roga por nós que atravessamos esta hora

    José Tolentino Mendonça

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