Neste segundo domingo
do Advento, e como acontece todos os anos, encontramo-nos com a figura de João
Baptista e confrontamo-nos com a sua pregação. Uma vez mais somos convidados a
preparar o caminho do Senhor, a endireitar as veredas e a aplanar os montes
para que toda a criatura veja a salvação de Deus.
Este convite e esta
tarefa ganham contudo um outro significado e uma outra dimensão se tivermos
presente o que São Paulo escreve aos cristãos da comunidade de Filipos,
palavras redigidas aquando da prisão do apóstolo em Éfeso.
Neste sentido, não podemos
deixar de ter presente a confiança a que São Paulo convida os filipenses, uma
confiança que radica no facto de Deus ter começado uma obra boa em cada um
deles e na comunidade.
De facto, muitas vezes
esquecemos este pormenor fundamental e caímos na tentação de que tudo está na
nossa mão, somos tentados a pensar que a perfeição e a santificação são obra
nossa, esquecendo-nos que quem verdadeiramente nos aperfeiçoa e santifica é
Deus pela sua graça em nós.
Deus já começou a sua
obra em nós, não só pelo baptismo que recebemos mas igualmente pelo facto de
nos ter criado, de nos ter dado a vida. Somos já obra das suas mãos e por isso
devemos viver confiantes de que Deus não a deixará abandonada nem por
completar.
Contudo, tal obra de
Deus, tal acção em nós, não nos desvincula da obrigação de colocarmos o que nos
compete, de realizar a tarefa que está na nossa mão, e que mais não é que
prepararmos o nosso coração para a acção mesma de Deus, é abrir-nos à acção de
Deus, é acolher Deus que vem ao nosso encontro.
Somos assim convidados
e à luz das palavras da pregação de João Baptista a endireitar as nossas
veredas, a aplanar os nossos montes, a procurar viver libertos daquelas
realidades intrínsecas ou extrínsecas a nós mesmos que impedem ou dificultam a
plena acção de Deus, o processo de santificação e perfeição.
São Paulo na carta aos
Filipenses aponta-lhes como instrumento para esta libertação que somos convidados
a realizar o crescimento da caridade em ciência e discernimento, para que se
possa distinguir o que é melhor e nos tornemos puros e irrepreensíveis.
Necessitamos por isso,
no nosso processo de conversão, de partir da confiança de Deus em nós e do amor
que nos é natural e intrínseco, centelha da vida divina em nós.
Como todos sabemos,
aquilo que é objecto de amor é mais cuidado, recebe maior atenção e protecção,
e na nossa vida de fé tais atitudes devem estar presentes não só na nossa
relação com Deus mas também com aqueles com quem vivemos.
Porque não aplanar o
nosso egoísmo, o nosso egocentrismo, a nossa avidez de consumo ou poder, amando
aquilo que de facto nos pode realizar e levar à plenitude da perfeição e da
vida que em nós já foi começada.
Porque não procuramos verdadeiramente
o amor de Deus e o amor dos irmãos, a prossecução da vontade de Deus quando
sabemos que isso é garante de uma felicidade?
Tarefas exigentes e para
as quais necessitamos, como São Paulo nos recorda, da ciência e do
discernimento, de um exercício diário de ajustamento ao bem, à verdade e à
justiça a partir do amor a que Deus nos convida a todos.
Deus vem ao nosso encontro,
vem completar a obra que iniciou em nós, obra para a qual deseja e espera a
nossa colaboração através do exercício da sabedoria de escolhermos o bem e
rejeitarmos o mal para que a sua acção seja mais profícua e completa em nós.
O tempo do Advento,
esta preparação para a comemoração do nascimento do nosso Salvador, é mais uma
oportunidade de nos reencontrarmos com esta necessidade de discernir, de
aferirmos da nossa abertura à acção de Deus que vem ao nosso encontro.
Procuremos pois
aproveitá-la, recordando com alegria a parte que Deus já tomou em nós, e apresentando-lhe
o que ainda não deixámos que fosse tomado pelo pouco amor que lhe votamos.
Ilustração: “A Criação
de Adão”, por Michelangelo Buonarroti, Capela Sistina, Vaticano.
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