O quarto domingo do
Advento situa-nos no portal frente ao Natal, estamos quase a chegar depois de
uma caminhada que este ano de dois mil e doze se fez mais curta, uma vez que celebramos
o nascimento de Deus Menino já amanhã à noite.
Neste portal
adventício, e enquanto aguardamos vigilantes, gostava de partilhar convosco uma
experiência pessoal, alguns acontecimentos do meu dia de ontem e que vão ao
encontro do que escutávamos na leitura da Epístola aos Hebreus, “eis-me aqui,
eu venho para fazer a tua vontade”, palavras que apesar de tudo nos custam a
fazer vida, a dar-lhe corpo.
Sei que uma amiga
muito querida não aprovaria esta partilha, esta quase que confissão, e que
preferiria que não me expusesse, que não revelasse o que me vai na alma. Contudo,
acredito que todas as nossas experiências, até as mais tristes, quando lidas à
luz da Palavra de Deus e partilhadas no amor de Deus, podem ajudar-nos
mutuamente no caminho da nossa fidelidade ao que Deus nos pede.
Antes da partilha do
sucedido alertar-vos para algo que todos sabeis, mas que por vezes nos
esquecemos. Os sacerdotes e os consagrados são como vós homens e mulheres em
processo, em busca de uma fidelidade que muitas vezes esbarra nas limitações e
fragilidades da nossa humanidade e da nossa condição de pecadores. Não somos
santos, nem anjos, buscamos como vós, muitas vezes às apalpadelas, a nossa
resposta à vontade de Deus.
Mas eis o que passou. Ontem
à tarde, e enquanto no sossego do meu quarto tentava preparar a homília para
esta celebração, fui interrompido nesse trabalho, pois como administrador do
convento era necessária a minha presença para a resolução de um problema
logístico.
Como era uma questão
que me levou algum tempo, à medida que a ia realizando ia deixando crescer no
meu coração algum azedume, uma certa revolta, pois tinha a homília para preparar
e não havia maneira de me despachar. O que considerava importante estava a
ficar para trás face a uma questão de hortaliças.
Contudo, a par da
minha revolta e azedume não saía da minha cabeça a letra de um velho cântico religioso,
um velho cântico dos encontros vocacionais nos anos oitenta, “são muitos os
convidados, quase ninguém tem tempo, se ouvires a voz do vento, querendo-te
enganar, a decisão é tua”.
Ao final do dia, diante
da imagem do Menino Jesus, à luz de uma vela e fazendo o meu exame de
consciência para agradecer a Deus o vivido e pedir perdão do que não tinha
vivido segundo a sua vontade, deparei-me novamente com este cântico e os meus
sentimentos de azedume e revolta.
Naquele momento de
oração, o Espirito Santo revelava-me o que afinal me tinha tentado dizer quando,
no meio da tarefa que me aborrecia, o cântico surgiu na minha memória. De facto,
são muitos os convidados mas poucos têm tempo e poucos assumem a decisão do
serviço. O vento das coisas que consideramos importantes distrai-nos do que o
Senhor nos convida a viver segundo a sua vontade aqui e agora.
Temos vindo a caminhar
neste Advento para celebrar a Incarnação do Filho de Deus, o assumir de um
corpo para nos resgatar da nossa condição mortal, o nascimento do Menino Jesus,
e contudo nunca mais nos habitamos a assumir a incarnação no nosso dia-a-dia,
nas nossas tarefas mais humildes, descobrindo como aí se cumpre a vontade de
Deus, de como aí assumimos o nosso sim a Deus, tal como Maria o assumiu face ao
anjo e ao anúncio de um filho fruto da graça de Deus.
O episódio da
visitação de Maria a sua prima Isabel, depois de saber que ela esperava também
um filho, como nos conta o Evangelista São Lucas que acabámos de ler, devia ser
para nós um incentivo mais desta necessidade de incarnação humilde, de um
serviço aos outros sem qualquer expectativa de recompensa ou elogio.
A nossa fé, o saber-se
amados por Deus, chamados a servi-lo na incarnação actual do seu amor e do seu
projecto salvador, devia levar-nos apressadamente para fora de nós, como levou
Maria para fora de sua casa e do seu conforto, devia fazer-nos subir as
montanhas das dificuldades e das diferenças do que se nos apresenta como tarefa
ou trabalho a realizar.
Ao encontrar Isabel,
Maria é elogiada pela sua prima como feliz por ter acreditado no cumprimento de
tudo o que lhe tinha sido dito da parte do Senhor. Também nós nos devíamos colocar
nesta sintonia, abraçar esta confiança e esta fé de que, o que o Senhor nos
pede, é a sua vontade e portanto na medida do acreditado e vivido nos conduz à
bem-aventurança, à felicidade porque aspiramos.
Que o Senhor nos ilumine
e vá colocando no nosso coração e na nossa consciência essas pequenas palavras,
essas músicas, ou imagens, que nos despertam para o cumprimento da sua vontade,
para a aceitação da sua vontade nas nossas consideradas insignificâncias.
O Natal é tempo de
paz, tempo do Príncipe da Paz, que ela habite os nossos corações e nos faça
apreciar com verdadeira alegria e amor todas as realidades.
Ilustração:
1 – “Eremita rezando
nas ruinas de um templo romano”, de Hubert Robert, Museu J. Paul Getty, Los
Angeles.
2 – “Visitação”, de
Mariotto Albertinelli, Galeria dos Uffizi, Florença.
Deus conhece o que somos, o que queremos e o que temos.Não importa, para Ele, o que fazemos mas o amor que Lhe oferecemos, e a facilidade com que voltamos atrás, acho eu... Inter Pars
ResponderEliminarFrei José Carlos,
ResponderEliminarDepois de um dia longo (não andei à pressa ainda entre prateleiras ...) mas desde o início da tarde entre alguns gestos de fraternidade e tarefas necessárias à manutenção do “home, sweet home”, interrompidas por alguns telefonemas relativos à quadra que vivemos, vou dizendo para comigo que a paz procurada no dia especial que é o Domingo nem sempre alguns de nós consegue. Só há pouco, consegui ler e meditar no texto da Homilia do IV Domingo do Advento que elaborou. Se, aparentemente, o texto tem duas partes, na realidade tem um fio condutor. ...”O episódio da visitação de Maria a sua prima Isabel, depois de saber que ela esperava também um filho” tem uma dimensão histórica, teológica e humana. E é nestas duas últimas dimensões que encontro esse fio condutor.
Como nos recorda …” Temos vindo a caminhar neste Advento para celebrar a Incarnação do Filho de Deus, o assumir de um corpo para nos resgatar da nossa condição mortal, o nascimento do Menino Jesus, e contudo nunca mais nos habituamos a assumir a incarnação no nosso dia-a-dia, nas nossas tarefas mais humildes, descobrindo como aí se cumpre a vontade de Deus, de como aí assumimos o nosso sim a Deus, tal como Maria o assumiu face ao anjo e ao anúncio de um filho fruto da graça de Deus. (…)
(...) A nossa fé, o saber-se amados por Deus, chamados a servi-lo na incarnação actual do seu amor e do seu projecto salvador, devia levar-nos apressadamente para fora de nós, como levou Maria para fora de sua casa e do seu conforto, devia fazer-nos subir as montanhas das dificuldades e das diferenças do que se nos apresenta como tarefa ou trabalho a realizar.”
Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos, e peçamos “ao Senhor que nos ilumine e vá colocando no nosso coração e na nossa consciência essas pequenas palavras, essas músicas, ou imagens, que nos despertam para o cumprimento da sua vontade, para a aceitação da sua vontade nas nossas consideradas insignificâncias”. …
Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, maravilhosamente ilustradas, que nos desinstalam, que nos levam a um processo de introspecção, de humildade e dedicação, de serviço e amor aos outros, mas também de esperança para não desistir nem desanimar.
Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Como o Frei José Carlos afirma … “acredito que todas as nossas experiências, até as mais tristes, quando lidas à luz da Palavra de Deus e partilhadas no amor de Deus, podem ajudar-nos mutuamente no caminho da nossa fidelidade ao que Deus nos pede.” Permita-me que volte a partilhar um poema/oração.
TODOS OS DIAS
A VIDA
RECOMEÇA
É bom saber, Senhor, que todos os dias a vida recomeça. A força criadora da vida não se empalidece no
labirinto dos afazeres, nem a destroem a turbulência de certas geografias ou a penumbra de algumas horas.
A vida, a nossa vida, mesmo frágil e trémula é soberana. Pode sempre refazer-se, transfigurar-se, vestir-se de
música súbita.
A vida parece-se à dança, humilde e fantástica, que os pássaros desenham – coisas para sabermos antes
de toda as aprendizagens.
(In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)