Encontramo-nos aqui
reunidos para celebrar a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria, um
mistério da incarnação do Filho de Deus cuja formulação dogmática não deixou de
causar conflitos, pelo que nos deparamos no século dezassete com uma ordem real
para que os professores da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra
confessassem o dogma da Imaculada se quisessem continuar a ensinar na
universidade.
Contudo, não é por
causa dessa formulação dogmática que hoje nos encontramos aqui, mas pelo facto
de que o mistério que ela explicita nos alcança a todos, nos permite uma
condição e uma vida que só por ele nos é possível, a vida divina em virtude dos
méritos de Cristo.
Neste sentido não
podemos deixar de ter presente a distância e o contraste que nos é proposto
pelas leituras que escutámos, nomeadamente do Livro do Génesis e do Evangelho
de São Lucas.
Por um e outro texto
percebemos que o projecto de Deus não abdica do homem nem da sua participação e
colaboração. Se no momento da criação Deus tinha entregado ao homem o jardim da
terra para que ele o cuidasse e o fizesse florescer, no momento da redenção o
mesmo Deus solicita a colaboração de uma jovem donzela.
Deus não abdica assim
da participação do homem na sua obra criadora e redentora, o que nos devia dar
uma outra esperança, um outro sentido de responsabilidade face aos nossos
actos, que de facto podem ser destruidores ou construtores de um mundo novo.
Por outro lado não
podemos deixar também de ter presente a liberdade que Deus deixa ao homem para
esta colaboração, ainda que ela seja regulada por algumas normas e possa ser
questionada. No caso da anunciação do Arcanjo Gabriel a Maria vemos como é possível
o diálogo com Deus, o seus questionamento, enquanto que no momento da criação o
primeiro homem e a primeira mulher não foram capazes desse diálogo.
Por esta incapacidade
percebemos também como a liberdade mal vivida leva à condenação do outro, pois
quando Deus pergunta a Adão o que fez, este desculpa-se com a mulher e esta com
a serpente. Há assim uma desresponsabilização pessoal e uma culpabilização do
outro, manifestando dessa forma a falta de amor para com o outro.
No caso da anunciação
a Maria deparamos com um assumir pessoal das responsabilidades e das consequências,
de alguma forma mais agravadas, na medida em que estava desposada com José e
era-lhe proposto uma missão no qual ele não teria o papel humanamente esperado.
Percebemos assim, que
a solicitação de Deus à participação na sua obra é uma solicitação radical,
exigente, que obriga a decisões que podem colocar em causa a própria vida. Neste
sentido, e no caso muito concreto de Maria, é como se Deus necessitasse de uma
prova fiel e total dessa mesma aceitação e colaboração, desafiando Maria face
ao compromisso que tinha com aquele que era o seu marido e se esperava que
fosse o pai dos seus filhos.
Mas se Maria foi capaz
de na sua liberdade fazer essa opção, arriscar a sua vida comprometendo-se com
o projecto de Deus, não foi apenas pelos méritos futuros de Cristo, ou pela
preparação desde a sua concepção para esta missão, ainda que uma e outra
realidade sejam favorecedoras da resposta.
De facto, a resposta
de Maria, a sua colaboração humilde na realidade divina em que estava inserida,
deve-se também à sua esperança, à sua confiança num Deus que não tinha
abandonado nunca aqueles que se tinham consagrado e entregado livremente. Maria
assume na sua resposta livre e arriscada as vidas de todos os profetas, de
todas as santas mulheres, de todos os patriarcas, de todos os justos que desde
o primeiro momento esperavam alguém capaz de dar essa resposta.
Também nós, como
Maria, somos chamados à mesma resposta e à mesma humilde confiança e esperança.
De facto, há muitos irmãos nossos, muitos homens e mulheres que esperam de nós
uma resposta que faça acontecer a vinda de Deus. Hoje como há dois mil anos o
mundo espera e necessita corações purificados pela graça divina para que nas
mais diversas situações sejam ventre para a encarnação do amor de Deus.
Saibamos com a ajuda
do Espirito Santo aceitar e acolher a proposta que Deus nos continua a fazer a
todos, e de modo particular nestes nossos dias em que se nos apresenta a necessidade
de uma esperança e de uma fé mais fortalecida.
Ilustração: Imaculada
Conceição, de Francisco Rizi, Museu do Prado de Madrid.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria que teceu é profundo, belo, enquadrado na nossa vivência. As três leituras da liturgia complementam-se. Permita-me que respigue algumas das passagens que me tocam.
Como nos salienta ...” o projecto de Deus não abdica do homem nem da sua participação e colaboração.” (…)
(…) Por outro lado não podemos deixar também de ter presente a liberdade que Deus deixa ao homem para esta colaboração, ainda que ela seja regulada por algumas normas e possa ser questionada.” (…)
(…) a resposta de Maria, a sua colaboração humilde na realidade divina em que estava inserida, deve-se também à sua esperança, à sua confiança num Deus que não tinha abandonado nunca aqueles que se tinham consagrado e entregado livremente. (…)
(...) Também nós, como Maria, somos chamados à mesma resposta e à mesma humilde confiança e esperança. De facto, há muitos irmãos nossos, muitos homens e mulheres que esperam de nós uma resposta que faça acontecer a vinda de Deus. Hoje como há dois mil anos o mundo espera e necessita corações purificados pela graça divina para que nas mais diversas situações sejam ventre para a encarnação do amor de Deus.”
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia que ilustrou com tanta beleza, pela confiança e esperança que nos transmite, por nos exortar a que, …” Saibamos com a ajuda do Espírito Santo a aceitar e acolher a proposta que Deus nos continua a fazer a todos, e de modo particular nestes nossos dias em que se nos apresenta a necessidade de uma esperança e de uma fé mais fortalecida.”
Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
Desejo ao irmão, uma semana, com paz, alegria, confiança e esperança.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva