sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A semente germina e cresce sem o semeador saber como. (Mc 4,27)

A parábola de Jesus, que compara o Reino de Deus a uma semente que germina e se desenvolve sem que o homem saiba como, pode levar-nos a uma atitude de despreocupação, de desinteresse face ao Reino, pois afinal o homem pouco ou nada pode fazer para o crescimento e desenvolvimento desse Reino.
Neste sentido, podemos e devemos perguntar-nos se as palavras de Jesus nos conduzem a um pacifismo, a um desinteresse, se implicam um cruzar dos braços e deixar acontecer pois tudo cresce naturalmente.
Qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento de jardinagem, já não é preciso de agricultura, dir-nos-á imediatamente que tal atitude é completamente errada, pois se não podemos alterar o desenvolvimento natural das plantas há cuidados a ter que são indispensáveis, como o arranque das ervas daninhas ou o adubamento.
Estamos assim envolvidos no crescimento do Reino de Deus, temos uma missão que passa por esse cuidado e por um outro, prévio, que é o da preparação do terreno para que a semente ao ser lançada não caia entre espinhos ou pedras mas em terreno preparado para frutificar a cem por cem.
As palavras de Jesus deixam-nos contudo uma outra realidade, um outro apelo, que se prende com a dinâmica interna do próprio Reino de Deus. Assim, temos que ter presente que o Reino não se confina aos nossos esquemas, à nossa métrica, aos nossos desejos de controlo e poder.
O Reino de Deus é uma realidade extremamente vasta, inabarcável e por isso mesmo também pouco identificável. Como dizia alguém, um dia numa conferência a que assisti, o Reino de Deus é um sintagma vazio, que permite por isso as mais diversas realidades inimagináveis.
Esta realidade coloca-nos grandes desafios face aos nossos projectos apostólicos, às nossas missões eclesiais, que tantas vezes tentamos controlar e assegurar, medir pelas nossas expectativas e padrões, esquecendo o quanto nos ultrapassa e é invisível aos nossos olhos a acção verdadeira e interior de Deus.
Somo assim convidados por Deus a colaborar, a fazer o nosso melhor, a usar a nossa inteligência e criatividade, a preparar o terreno e a cuidá-lo, mas o crescimento da semente e os seus frutos são da responsabilidade e acção de Deus. É Deus que faz o caminho andar, como cantava poeticamente o frei José Augusto Mourão, a nós resta-nos a confiança.
 
Ilustração: “Semeador ao Pôr-do-Sol”, de Vincent van Gogh, Sammlung E. G. Buhrle, Zurique.

 

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Ao recordar-nos “A parábola de Jesus, que compara o Reino de Deus a uma semente que germina e se desenvolve sem que o homem saiba como”, salienta-nos que é preciso preparar o terreno “para que a semente ao ser lançada não caia entre espinhos ou pedras mas em terreno preparado para frutificar a cem por cem” e que todos estamos comprometidos com o crescimento do Reino de Deus.
    Mas Frei José Carlos vai mais além ao falar-nos de uma outra dimensão das palavras de Jesus que nos ultrapassa ao referir-nos que …”O Reino de Deus é uma realidade extremamente vasta, inabarcável e por isso mesmo também pouco identificável” e que “temos que ter presente que o Reino não se confina aos nossos esquemas, à nossa métrica, aos nossos desejos de controlo e poder”. …
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, que nos ajudam nas nossas reflexões e interrogações, pelo desafio que nos faz ao lembrar-nos …” Somos assim convidados por Deus a colaborar, a fazer o nosso melhor, a usar a nossa inteligência e criatividade, a preparar o terreno e a cuidá-lo, mas o crescimento da semente e os seus frutos são da responsabilidade e acção de Deus.”
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
    Bom fim-de-semana.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva


    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    salmo

    Senhor, nós te cantamos porque és bom/e cantar-te reergue o nosso instante//

    tu reconstróis a vida que se perde/e dás força ao corpo que vacila//

    à tua portas e sentam os teus pobres/porque libertas do medo e do poder//

    és tu que levantas o oprimido/e afundas o opressor na sua trama//

    celebremos o nome do Senhor/cantemo-lo com todos os sentidos//

    é Deus a água fresca a que se vai/nós somos o lameiro do Senhor//

    és tu quem faz crescer o que se alcança/e as raras flores que vingam no deserto//

    és tu que dás o ferro ao nosso braço/e o fogo do combate à nossa mão//

    Deus que em nossa areia te figuras/e em nosso rio sugeres salmos de água//

    Fica em nossas tendas uma noite/a pausa breve do dom e da alegria


    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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