Para muitos de nós
este domingo é o início oficial da Quaresma, pois não tivemos oportunidade de
participar na celebração da quarta-feira de cinzas, dia em que começa a
contagem dos quarenta dias até à Páscoa da Ressurreição do Senhor.
E no início deste
tempo de preparação para esse momento, todos temos experiência de como os
grandes e importantes momentos se preparam com antecedência, a leitura do
Evangelho apresenta-nos a narração das tentações de Jesus.
É um episódio de todos
nós conhecido, pois todos os anos nos confrontamos com ele, mas ainda assim é
um episódio que sempre nos convêm revisitar, pois em cada uma das tentações de
Jesus nos encontramos com as nossas tentações pessoais.
Neste sentido gostava
de partilhar convosco um pormenor que trespassa as três tentações de Jesus mas
que na última adquire uma outra tonalidade, uma outra dimensão, pois Jesus
conduz a justificação do seu comportamento, da sua resistência e vitória sobre
as tentações, ao seu sentido último.
Assim, tanto na
primeira como na segunda tentação, quando o demónio solicita a transformação da
pedra em pão e no alto do momento oferece o poder sobre o mundo, Jesus responde
com as palavras da Escritura, Jesus cita os textos bíblicos, justificando a sua
não adesão à proposta do demónio com a necessidade de o homem viver com algo
mais que o pão e de a adoração só se dever prestar a Deus.
Perante estas respostas,
o diabo tenta Jesus pela terceira vez, mas fá-lo usando a inteligência, a sua
astúcia, pois propõe a Jesus uma atitude que se insere e corresponde à mesma
palavra bíblica que Jesus tinha utilizado. Ao tentar Jesus pela terceira vez o
demónio utiliza expressões da Sagrada Escritura, serve-se da mesma justificação
que Jesus tinha utilizado, só que desta feita o objectivo é o equívoco, é o
engano. Afinal está escrito que podes fazer isto!
E é aqui, e perante
este desafio, que Jesus assume a verdade das suas respostas anteriores até ao seu
fim último, até às últimas consequências. Jesus tem uma atitude diferente,
Jesus resiste às tentações, não porque está escrito que deve ser assim, não
porque faz parte de um texto codificado, mas porque esse texto e essas palavras
são palavras de Deus, e são palavras vivas e vivificantes.
Não é porque está
escrito que se pode tentar a Deus, não é porque está escrito que se tomam
determinados compromissos, que se fazem determinadas opções de vida, ainda que difíceis
e algumas carregadas de sofrimento, mas porque as palavras de Deus nos
implicam, interagem connosco e portanto nos colocam numa outra situação, num
outro estádio.
Jesus inverte assim a
proposta do demónio, ultrapassa a lógica da exterioridade de que enfermam as
tentações e mostra-nos que o importante, o verdadeiramente importante é a vida
que as palavras comportam e a plenitude à qual nos conduzem.
A palavra é
performativa, a palavra é agente e é acção, e portanto devemos estar
conscientes dela e do seu poder, da transformação que opera nas realidades e na
nossa própria vida.
Neste sentido, podemos
dizer que as tentações de Jesus, bem como as nossas tentações pessoais, são
tentações contra a palavra e o seu poder, contra a vida que elas comportam. Pelo
que um dos nossos exercícios desta Quaresma deveria ser um discernimento muito
claro da atenção que damos às palavras, à forma como as colocamos na
exterioridade ou pelo contrário como as percebemos como mecanismos de vida.
São Paulo na Carta aos
Romanos e no trecho que escutámos neste domingo vem ao nosso encontro nesta
perspectiva, pois alerta-nos para o facto de a palavra estar perto de nós, na
boca e no coração, ou seja, ela vive dessa dupla situação de exterioridade e
interioridade, e nós necessitamos conjugá-las para que sejamos salvos, como nos
diz São Paulo, para que aconteça a vida de que as palavras estão prenhes.
Procuremos pois
através da oração e da leitura da Sagrada Escritura, que nos são oferecidas
neste tempo preparatório da Quaresma de modo especial, encontrar-nos com a vida
que decorre da Palavra, com a vida que nos é oferecida, e que podemos igualmente
oferecer aos outros através da nossa palavra alentadora e reconfortante.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do I Domingo de Quaresma que teceu aborda particularmente o excerto do Evangelho de São Lucas sob as tentações de Jesus que antecedem a Sua Paixão conjugado com o trecho de São Paulo na Carta aos Romanos sob um prisma profundo e interessante e que nos leva ao tema da verdade da conversão interior e da sua expressão no exterior.
E passo a citar Frei José Carlos ...” Jesus tem uma atitude diferente, Jesus resiste às tentações, não porque está escrito que deve ser assim, não porque faz parte de um texto codificado, mas porque esse texto e essas palavras são palavras de Deus, e são palavras vivas e vivificantes. (…)
(...) Jesus inverte assim a proposta do demónio, ultrapassa a lógica da exterioridade de que enfermam as tentações e mostra-nos que o importante, o verdadeiramente importante é a vida que as palavras comportam e a plenitude à qual nos conduzem. (…) podemos dizer que as tentações de Jesus, bem como as nossas tentações pessoais, são tentações contra a palavra e o seu poder, contra a vida que elas comportam. Pelo que um dos nossos exercícios desta Quaresma deveria ser um discernimento muito claro da atenção que damos às palavras, à forma como as colocamos na exterioridade ou pelo contrário como as percebemos como mecanismos de vida.”...
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos desinstala e ajuda-nos a repensar os nossos comportamentos, por incentivar-nos, recordando-nos, que podemos …” através da oração e da leitura da Sagrada Escritura, que nos são oferecidas neste tempo preparatório da Quaresma de modo especial, encontrar-nos com a vida que decorre da Palavra, com a vida que nos é oferecida, e que podemos igualmente oferecer aos outros através da nossa palavra alentadora e reconfortante.”
Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
Bom descanso. Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que volte a partilhar o texto de uma oração.
FAZER
JEJUM
DAS
PALAVRAS
Senhor, ajuda-nos a fazer jejum das palavras. Das palavras desnecessárias, ruidosas, poluídas.
Das palavras dúplices e opulentas, das palavras que atropelam, das palavras injustas, das palavras
que divergem e atraiçoam, das palavras que separam. Ajuda-nos a jejuar das palavras que Te escondem,
das palavras onde o amor não emerge, das palavras confusas, ressentidas, atiradas como pedras, das palavras
que muralham a comunicação, das palavras que nada mais permitem senão palavras. E que nesse jejum abramos
mais o coração àquele silêncio onde os encontros verdadeiros se insinuam.
(In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)