A leitura do Evangelho
de São Lucas que escutamos neste domingo continua a relatar-nos a visita de
Jesus à terra da sua infância e juventude, Nazaré, uma visita que começa bem
mas termina de uma forma abrupta e marcada pela violência.
Quando lemos o relato
no seu conjunto, pois a liturgia dividiu-o entre o domingo anterior e hoje,
percebemos como esta visita de Jesus coloca os seus conterrâneos, e cada um de
nós, face ao desafio da sua pessoa e da sua missão. Jesus exige uma resposta,
uma opção, ou sim ou não.
Este desafio e esta
exigência passam antes de mais pela afirmação de Jesus ao terminar a leitura do
profeta Isaías, “hoje cumpriu-se esta passagem da Escritura”. Estamos assim
diante da afirmação de uma verdade, de um dado inalienável que exige uma aceitação
ou uma recusa.
Para os habitantes de
Nazaré seus contemporâneos, expectantes face a Jesus regressado ao seu ambiente
familiar, esta exigência e uma resposta positiva esbarraram no conhecimento
histórico e físico que tinham de Jesus, e por isso os vemos questionar-se sobre
a família de Jesus e a sua pertença ao grupo que conhecem e dominam.
Jesus não era um
estranho, bem pelo contrário, mas tinha-se manifestado e tinha agido de tal forma
que o conhecimento que possuíam se mostrava confuso, contraditório. A exigência
de fazer ali os mesmos milagres que Jesus tinha realizado em Cafarnaum vai
nesse sentido de um esclarecimento, de uma oferta de matéria para a aceitação.
Contudo, Jesus recusa
essa possibilidade, corta com a pretensão de conhecimento, e coloca os seus
conterrâneos e familiares face ao inusitado da acção de Deus, apelando a dois
exemplos históricos da acção exorbitante de Deus como foram Elias e Eliseu.
Ao fazer tal apelo, ao
apresentar tais exemplos e milagres realizados pelos dois profetas, Jesus
convida os seus ouvintes, familiares e conterrâneos, a deixarem a terra que
conhecem, o que sabem, e a transitarem para um papel de estrangeiros que nada
têm, que nada são, e por isso podem ser beneficiários da acção e da misericórdia
de Deus.
Este desafio continua
a colocar-se a cada um de nós, porque tal como os actores deste acontecimento
em Nazaré necessitamos sair de nós próprios, dos nossos conhecimentos e das
nossas seguranças para nos encontrarmos com a verdade de Jesus e a misericórdia
de Deus, para dizermos sim ou não à verdade de Jesus.
Neste sentido, podemos
perguntar-nos em que medida temos Jesus aprisionado aos nossos esquemas? Em que
medida temos a acção de Deus condicionada aos nossos esquemas mentais, à nossa
formação catequética, a um conjunto de tradições que não são incarnação da
nossa experiência pessoal?
Quantas vezes exigimos
de Deus milagres como se fossem puras acções comerciais ou mecânicas, como se
não fosse necessário um grande amor e uma grande participação da nossa parte
para que esses milagres se realizem!
Jesus continua hoje a
desafiar-nos numa resposta de confiança, ou acreditamos ou não acreditamos, ou
acreditamos que ele é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nosso redentor, ou
não acreditamos, e portanto não passa de mais uma figura histórica pela qual
sentimos simpatia.
Muitos dos nossos
irmãos na fé preferem esta simpatia, uma vez que desta forma lhes é mais fácil
viver com a realidade de que São Paulo fala na Primeira Carta aos Coríntios
depois do grande hino da caridade, “por agora conhecemos de modo imperfeito mas
um dia o imperfeito desaparecerá e conheceremos de modo perfeito”.
De facto, o nosso
conhecimento de Jesus e de Deus é imperfeito, é um tanto confuso, uma vez que a
nossa inteligência e os nossos sentidos finitos e mortais não podem abarcar nem
compreender o infinito e o eterno. Conhecemos na medida das nossas próprias
limitações e portanto muito pouco.
Contudo, e como diz
São Paulo devemos aspirar sempre a valores mais elevados, a um conhecimento
mais perfeito, devemos desejar o conhecimento pleno, que vamos alcançando na
medida do nosso amor, do amor que colocamos nas coisas que fazemos.
Se o nosso desejo não
estiver marcado pelo amor, se o nosso estudo não estiver marcado pelo amor, se
a nossa própria oração não estiver marcada pelo amor, se todas as nossas
diversas realidades não estiverem marcadas pelo amor, muito dificilmente
encontraremos a plenitude a que aspiramos, o conhecimento perfeito que
desejamos, pois Deus é amor como nos diz São João.
Necessitamos assim
cunhar todas as nossas realizações com o amor para que elas não sejam vãs, para
que não estejam vazias, necessitamos plenificar a nossa fé com o amor para que
nos permita alcançar o que somos, como somos e o que estamos destinados a ser.
São Paulo diz-nos que
este é um caminho de perfeição que ultrapassa tudo, que ultrapassa todas as
outras possibilidades. Procuremos pois vivê-lo cada dia sabendo que tudo desaparecerá
e que só permanecerá a fé, a esperança e o amor, e este mesmo para além do fim
das outras duas pois é a natureza de Deus em que tudo se realiza.
Ilustração: “Cristo
Salvador como jardineiro”, de Ticiano, Museu do Prado, Madrid.
O nosso Sim à Verdade de Jesus é demasiado sim ples e muitíssimo difícil.Baseia-se na confiança e no Amor mas esbarra nas experiências contraditórias do ontem e nas angústias do hoje. Inter pars
ResponderEliminarFrei José Carlos,
ResponderEliminarLi e tentei discernir cada uma das palavras do texto da Homília do IV Domingo do Tempo Comum que teceu e partilha. É um texto profundo que nos desinstala. Repensar os nossos comportamentos com os outros e com Deus, estar disponível para fazer alterações, ainda que sejam pequenas, insignificantes, ou grandes mudanças, seguir o caminho da perfeição, ser verdadeiro testemunho de Jesus, hoje, “aqui e agora” não é fácil, é preciso ter coragem.
Jesus não foi, não é nenhum mágico de milagres para muitos de nós, e como nos afirma no texto ...” necessitamos sair de nós próprios, dos nossos conhecimentos e das nossas seguranças para nos encontrarmos com a verdade de Jesus e a misericórdia de Deus, para dizermos sim ou não à verdade de Jesus.”…
Se as questões que Frei José Carlos nos coloca são pertinentes e levam a interrogar-nos, sermos humildes, crentes e termos esperança, não consegue impedir-nos, por vezes, que vacilemos, tenhamos dúvidas. Felizes os que não têm dúvidas, os que acreditam sem verem. Somos imperfeitos, é importante saber reconhecê-lo e aceitá-lo, e o nosso peregrinar exige uma participação activa no caminho e no testemunho de Jesus, ao longo de toda a vida.
E, se me permite, continuo a citá-lo ...” como diz São Paulo devemos aspirar sempre a valores mais elevados, a um conhecimento mais perfeito, devemos desejar o conhecimento pleno, que vamos alcançando na medida do nosso amor, do amor que colocamos nas coisas que fazemos.
Se o nosso desejo não estiver marcado pelo amor, se o nosso estudo não estiver marcado pelo amor, se a nossa própria oração não estiver marcada pelo amor, se todas as nossas diversas realidades não estiverem marcadas pelo amor, muito dificilmente encontraremos a plenitude a que aspiramos, o conhecimento perfeito que desejamos, pois Deus é amor como nos diz São João.
Necessitamos assim cunhar todas as nossas realizações com o amor para que elas não sejam vãs, para que não estejam vazias, necessitamos plenificar a nossa fé com o amor para que nos permita alcançar o que somos, como somos e o que estamos destinados a ser.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, pela reflexão a que nos conduz.
Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
Bom descanso.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo o texto de uma oração.
SEGUNDA-FEIRA
AO SOL
Sei que ainda é Inverno. E que talvez, em alguma parte, hoje choverá. Mesmo assim apetece-me rezar o título
de um filme que vi, “segunda-feira ao sol”. Apetece-me, Senhor, começar esta semana não apenas com o peso
das coisas que retomamos, com a nossa labuta de formigas no carreiro, com o esforço até hostil que o quo-
tidiano reclama. Hoje, queria rezar, ainda que em pleno Inverno, para que não nos abandone nunca a paixão pela luz.
Que dentro de nós existam todo o ano esplanadas silenciosas onde a amizade se reencontra, falas tecidas sem pressa,
caminhos que nos conduzem às verdades simples da vida, disponibilidade para o gratuito, desejo de contemplação.
(In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)