As leituras que
escutámos conduzem-nos ao chamamento que o Senhor faz a cada um de nós, à nossa
vocação comum e particular.
Neste sentido não
posso deixar de recordar que foi um comentário, uma meditação escrita à volta
das palavras de Jesus a Pedro, e que escutámos no Evangelho, “faz-te ao largo”,
que despertou em mim o apelo de Jesus, a minha vocação sacerdotal.
Para um jovem que na
altura tinha vinte anos, esta ordem de Jesus soou como um convite a uma forma
de vida diferente, a um compromisso que ia para além do comum e do que fazia
parte dos sonhos da maioria dos jovens.
De um momento para o
outro ficar junto à praia, sentindo a segurança da areia, deixou de fazer
sentir, o coração sentia a necessidade de mais, de uma aventura que os esquemas
familiares, patriarcais, e profissionais comuns não garantiam.
Contudo, se esta
história pessoal se assemelha a muitas outras histórias de vocação específica,
não podemos deixar de assumir que o apelo de Jesus se dirige a cada um de nós e
a todos de uma forma concreta nas diversas circunstâncias em que nos
encontramos.
O apelo de Jesus a
fazer-se ao largo é um apelo vocacional, mas antes de mais e fundamentalmente é
um apelo de radicalidade e confiança, um apelo à insatisfação face ao comum, um
apelo a arriscar apesar dos resultados frustrantes.
Como nos diz o
Evangelho, Pedro e os companheiros tinham passado a noite na pesca mas sem
terem conseguido apanhar peixe algum. Voltavam portanto à margem desanimados e
desolados face aos resultados dos seus esforços nocturnos.
É diante desse
desalento, desse fracasso, que Jesus ordena que se façam ao largo e lancem as
redes, que não desistam mas arrisquem uma vez mais confiando na sua palavra e
na oportunidade que lhes é proporcionada.
Diante desta ordem
descobrimos em Pedro, como no texto do profeta Isaías da primeira leitura e na
carta de São Paulo, como nos centramos em nós, como descobrimos a nossa
incapacidade e a nossa impureza, e como na recusa da oferta de Deus
inviabilizamos a realização da missão a que o Senhor nos chama.
De facto, como Isaías
somos homens de lábios impuros, como Paulo somos indignos, e como Pedro podemos
estar desalentados face ao fracasso do nosso esforço pessoal, mas se acolhermos
o apelo de Deus, o seu poder e a sua graça podem alterar essa situação, podem
colocar-nos num outro nível que viabiliza a acção demandada.
Fazer-se ao largo é
assim um apelo de Jesus a cada um de nós, mesmo àqueles que um dia sentiram
esse apelo como um convite a uma vocação sacerdotal ou consagrada. Também para
eles o apelo continua a fazer-se ouvir no dia-a-dia e na radicalidade da
confiança que comporta.
É no nosso mundo do
trabalho, quando o desânimo já aperta, que o Senhor nos convida a fazer ao
largo, a renovar o empenho e a expectativa face aos objectivos; é na nossa vida
familiar, quando o individualismo nos aprisiona, que o Senhor nos convida a
fazer ao largo, a não desistir do outro apesar das suas falhas.
É no nosso mundo
interior, na nossa relação com Deus, que o Senhor nos convida a fazer ao largo,
a não desistir de o procurar na escuridão da noite da fé; é na nossa vida
eclesial em que tantas vezes nos vemos indiferentes que o Senhor nos convida a
fazer ao largo, a perceber e a viver a Igreja para além do nosso grupo ou da
nossa paróquia.
O convite de Jesus é
afinal um convite a reconhecer como Paulo que somos o que somos, muitas vezes
indignos e infiéis, mas também que a graça de Deus não é inútil e por isso
fizemos algumas coisas boas e podemos fazer muitas outras, assim nos
disponhamos a aceitá-la e a arriscar em ir um pouco mais além do nosso comum.
Com a graça de Deus,
purificados pela sua acção, poderemos responder a Deus como Isaías, “eis-me
aqui, podes enviar-me Senhor”.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do V Domingo do Tempo Comum que teceu é profundo e importante para cada um de nós, maravilhosamente ilustrado.
Como nos recorda, ... “É no nosso mundo interior, na nossa relação com Deus, que o Senhor nos convida a fazer ao largo, a não desistir de o procurar na escuridão da noite da fé (…)
(…) O convite de Jesus é afinal um convite a reconhecer como Paulo que somos o que somos, muitas vezes indignos e infiéis, mas também que a graça de Deus não é inútil e por isso fizemos algumas coisas boas e podemos fazer muitas outras, assim nos disponhamos a aceitá-la e a arriscar em ir um pouco mais além do nosso comum.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha pessoal e pelas palavras que vêm ao encontro da vivência de alguns de nós, pela confiança que nos trans-mitem para continuar a caminhada.
Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
Bom descanso. Boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
da coragem
Deus ensina à nossa vida que não há coragem inútil/que os lugares do impossível se deslocam/
quando a confiança toca o chão das coisas/e não é crença ornamental, alegoria//
liberta a nossa vida do discurso da resignação/que é o fatalismo,/
do derrotismo, que é a filosofia espontânea dos proletários//
......
dá ao nosso corpo a graça das viagens sem bagagens,/sem outro futuro que a coragem,/
sem outro combate que a justiça e o direito à diferença//
arma os nossos olhos da paciência ardente/e os nossos braços da ternura real,/
para acolhermos a aurora do Teu dia/no cruzamento do que em nós se repete e se interrompe,/
se desloca e se excede,/e descubramos o esplendor da tua face/de mãos dadas com quantos,/
de todos os horizontes te procuram/e te proclamam
santo, justo e imortal
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler com muito interesse a Homilia do V Domingo do Tempo Comum,maravilhosamente bela e profunda,tão rica de sentido e, as suas palavras cheias de confiança em Jesus,que nos ajudam a Meditar e a prosseguir o caminho,a dar sentido à nossa vida no dia-dia.Como nos diz o Frei José Carlos,saibamos aceitar o convite de Jesus,que é afinal um convite a reconhecer como Paulo que somos o que somos,muitas vezes indignos e infiéis.Mas com a graça de Deus,purificados pela sua acção,poderemos responder a Deus como Isaías "eis-me aqui,podes enviar-me Senhor."Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza e excelente ilustração e pela profundidade das suas palavras que partilhou connosco.Gostei muito,mesmo muito.Bem-haja,Frei José Carlos.Continuação de um bom Domingo.Votos de uma boa semana.Que o Senhor o ilumine o proteja e o guarde.
Um abraço fraterno.
AD
Fazer-nos ao largo...é um apelo dirigido a todo o cristão para que tenha a coragem de deixar a praia, o barco, a segurança... Falta é a capacidade de se reconhecer pobre e de aceitar que os outros o julguem como tal, de acreditar que a Graça tudo purifica e tudo fortalece. Inter Pars
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