domingo, 10 de fevereiro de 2013

Homilia do V Domingo do Tempo Comum

As leituras que escutámos conduzem-nos ao chamamento que o Senhor faz a cada um de nós, à nossa vocação comum e particular.
Neste sentido não posso deixar de recordar que foi um comentário, uma meditação escrita à volta das palavras de Jesus a Pedro, e que escutámos no Evangelho, “faz-te ao largo”, que despertou em mim o apelo de Jesus, a minha vocação sacerdotal.
Para um jovem que na altura tinha vinte anos, esta ordem de Jesus soou como um convite a uma forma de vida diferente, a um compromisso que ia para além do comum e do que fazia parte dos sonhos da maioria dos jovens.
De um momento para o outro ficar junto à praia, sentindo a segurança da areia, deixou de fazer sentir, o coração sentia a necessidade de mais, de uma aventura que os esquemas familiares, patriarcais, e profissionais comuns não garantiam.
Contudo, se esta história pessoal se assemelha a muitas outras histórias de vocação específica, não podemos deixar de assumir que o apelo de Jesus se dirige a cada um de nós e a todos de uma forma concreta nas diversas circunstâncias em que nos encontramos.
O apelo de Jesus a fazer-se ao largo é um apelo vocacional, mas antes de mais e fundamentalmente é um apelo de radicalidade e confiança, um apelo à insatisfação face ao comum, um apelo a arriscar apesar dos resultados frustrantes.
Como nos diz o Evangelho, Pedro e os companheiros tinham passado a noite na pesca mas sem terem conseguido apanhar peixe algum. Voltavam portanto à margem desanimados e desolados face aos resultados dos seus esforços nocturnos.
É diante desse desalento, desse fracasso, que Jesus ordena que se façam ao largo e lancem as redes, que não desistam mas arrisquem uma vez mais confiando na sua palavra e na oportunidade que lhes é proporcionada.
Diante desta ordem descobrimos em Pedro, como no texto do profeta Isaías da primeira leitura e na carta de São Paulo, como nos centramos em nós, como descobrimos a nossa incapacidade e a nossa impureza, e como na recusa da oferta de Deus inviabilizamos a realização da missão a que o Senhor nos chama.
De facto, como Isaías somos homens de lábios impuros, como Paulo somos indignos, e como Pedro podemos estar desalentados face ao fracasso do nosso esforço pessoal, mas se acolhermos o apelo de Deus, o seu poder e a sua graça podem alterar essa situação, podem colocar-nos num outro nível que viabiliza a acção demandada.
Fazer-se ao largo é assim um apelo de Jesus a cada um de nós, mesmo àqueles que um dia sentiram esse apelo como um convite a uma vocação sacerdotal ou consagrada. Também para eles o apelo continua a fazer-se ouvir no dia-a-dia e na radicalidade da confiança que comporta.
É no nosso mundo do trabalho, quando o desânimo já aperta, que o Senhor nos convida a fazer ao largo, a renovar o empenho e a expectativa face aos objectivos; é na nossa vida familiar, quando o individualismo nos aprisiona, que o Senhor nos convida a fazer ao largo, a não desistir do outro apesar das suas falhas.
É no nosso mundo interior, na nossa relação com Deus, que o Senhor nos convida a fazer ao largo, a não desistir de o procurar na escuridão da noite da fé; é na nossa vida eclesial em que tantas vezes nos vemos indiferentes que o Senhor nos convida a fazer ao largo, a perceber e a viver a Igreja para além do nosso grupo ou da nossa paróquia.
O convite de Jesus é afinal um convite a reconhecer como Paulo que somos o que somos, muitas vezes indignos e infiéis, mas também que a graça de Deus não é inútil e por isso fizemos algumas coisas boas e podemos fazer muitas outras, assim nos disponhamos a aceitá-la e a arriscar em ir um pouco mais além do nosso comum.
Com a graça de Deus, purificados pela sua acção, poderemos responder a Deus como Isaías, “eis-me aqui, podes enviar-me Senhor”.

 
Ilustração: “A pesca milagrosa”, de Konrad Witz, Museu de Arte e História de Genebra.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia do V Domingo do Tempo Comum que teceu é profundo e importante para cada um de nós, maravilhosamente ilustrado.
    Como nos recorda, ... “É no nosso mundo interior, na nossa relação com Deus, que o Senhor nos convida a fazer ao largo, a não desistir de o procurar na escuridão da noite da fé (…)
    (…) O convite de Jesus é afinal um convite a reconhecer como Paulo que somos o que somos, muitas vezes indignos e infiéis, mas também que a graça de Deus não é inútil e por isso fizemos algumas coisas boas e podemos fazer muitas outras, assim nos disponhamos a aceitá-la e a arriscar em ir um pouco mais além do nosso comum.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha pessoal e pelas palavras que vêm ao encontro da vivência de alguns de nós, pela confiança que nos trans-mitem para continuar a caminhada.
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
    Bom descanso. Boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    da coragem

    Deus ensina à nossa vida que não há coragem inútil/que os lugares do impossível se deslocam/
    quando a confiança toca o chão das coisas/e não é crença ornamental, alegoria//

    liberta a nossa vida do discurso da resignação/que é o fatalismo,/
    do derrotismo, que é a filosofia espontânea dos proletários//
    ......

    dá ao nosso corpo a graça das viagens sem bagagens,/sem outro futuro que a coragem,/
    sem outro combate que a justiça e o direito à diferença//

    arma os nossos olhos da paciência ardente/e os nossos braços da ternura real,/
    para acolhermos a aurora do Teu dia/no cruzamento do que em nós se repete e se interrompe,/
    se desloca e se excede,/e descubramos o esplendor da tua face/de mãos dadas com quantos,/
    de todos os horizontes te procuram/e te proclamam

    santo, justo e imortal

    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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  2. Frei José Carlos,

    Ao ler com muito interesse a Homilia do V Domingo do Tempo Comum,maravilhosamente bela e profunda,tão rica de sentido e, as suas palavras cheias de confiança em Jesus,que nos ajudam a Meditar e a prosseguir o caminho,a dar sentido à nossa vida no dia-dia.Como nos diz o Frei José Carlos,saibamos aceitar o convite de Jesus,que é afinal um convite a reconhecer como Paulo que somos o que somos,muitas vezes indignos e infiéis.Mas com a graça de Deus,purificados pela sua acção,poderemos responder a Deus como Isaías "eis-me aqui,podes enviar-me Senhor."Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza e excelente ilustração e pela profundidade das suas palavras que partilhou connosco.Gostei muito,mesmo muito.Bem-haja,Frei José Carlos.Continuação de um bom Domingo.Votos de uma boa semana.Que o Senhor o ilumine o proteja e o guarde.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  3. Fazer-nos ao largo...é um apelo dirigido a todo o cristão para que tenha a coragem de deixar a praia, o barco, a segurança... Falta é a capacidade de se reconhecer pobre e de aceitar que os outros o julguem como tal, de acreditar que a Graça tudo purifica e tudo fortalece. Inter Pars

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