As leituras deste domingo conduzem-nos a um tema extremamente importante, bem quanto exigente da vida cristã, a correcção fraterna. Uma realidade, um exercício, que não se restringe exclusivamente à vida religiosa, onde de facto assume uma importância significativa, mas que se desenvolve e deve desenvolver em todos os âmbitos da vida, desde a família, à amizade, às relações sociais e profissionais.
Todos nós e em todos os parâmetros da vida necessitamos correcção, acertos no sentido da verdade que almejamos, e por isso é um dever que se nos impõe, ou um direito inalienável do qual nunca devíamos prescindir como correctores e corrigidos, uma vez que só corrige quem ama. E quem não ama ou não deseja ser amado?
Contudo, não é uma tarefa fácil, uma vez que se joga com as limitações do outro, a sua auto estima, a imagem que cada um tem de si, a própria propensão para a superioridade em relação àquele que se corrige. Neste sentido, e como nos diz São Paulo na Carta aos Romanos, antes de mais deve prevalecer a caridade, qualquer correcção deve ser feita com amor, pelo amor e para o crescimento no amor.
É por esta razão que Jesus ao falar da correcção fraterna elabora um processo que cresce em sentido de responsabilidade e envolvimento e que pressupõe uma outra realidade que é a da intervenção da graça divina solicitada pela oração comum. Assim, e antes de mais, Jesus recomenda que a correcção seja feita a sós, podíamos dizer em privado, pois só dessa forma se pode salvaguardar a integridade do outro, a sua fraqueza ou prevaricação sem exposição escandalosa. O outro tem direito à sua dignidade apesar do erro, e qualquer correcção só será verdadeira na medida em que salvaguardar essa dignidade.
Este direito à privacidade, à correcção feita na intimidade, pode também ser entendida, se assim o quisermos, como uma partilha do deserto, como um encontro humano e fraterno nessa solidão da tentação e da angústia da culpa do erro cometido. A correcção a sós pode levar a esse deserto onde se encontra Deus que vem também ao nosso encontro com o seu perdão e a sua misericórdia.
Não funcionando este primeiro momento, esta primeira possibilidade de correcção, Jesus apela ao exercício da busca da verdade com o auxílio de duas ou três testemunhas. Era um procedimento comum na legalidade judaica, pois duas ou três testemunhas garantiam a veracidade do acontecido ou a verdade proferida e procurada. Jesus assume desta forma a necessidade de um nível mais jurídico, de uma procedimento mais formal, que ainda assim procura salvaguardar o corrigido e a sua dignidade pessoal face ao grupo.
Por fim, e não funcionando também esta tentativa de correcção, Jesus apela ao juízo da comunidade, para que esta possa encontrar os meios conducentes à correcção. Neste momento a comunidade funciona como um todo, como um corpo que deve vigiar e corrigir os seus membros para que a unidade e verdade do próprio corpo e grupo se mantenha e prossiga.
Este apelo ao juízo da comunidade e à sua acção correctora não podem ser desligados das primitivas comunidades cristãs, nas quais a unidade e necessidade de testemunho mais fiel eram vividas de forma mais intensa. Hoje, a correcção fraterna comunitária, pela diversidade de ideias e valores, pela fragmentação das comunidades, pela incoerência de muitos de nós, é quase impraticável se não mesmo impossível. Estamos todos muito senhores dos critérios, da verdade de vida, que não se encontra plenamente se não for buscada em comum, como nos ensina São Tomás de Aquino.
Por esta razão e porque facilmente nos enredamos nas nossas mesquinhices é que Jesus nos recomenda a unirmo-nos nessa petição comum ao Pai. Necessitamos pedir ao Pai do Céu que nos alcance o que necessitamos, e neste particular, que nos alcance a graça da verdadeira correcção, a que possamos praticar e a que possamos sofrer. De contrário poderemos cair na tentação de corrigir o outro em função dos nossos critérios e valores, das nossas aspirações e desejos, podemos também não ver a verdade a que nos quer conduzir aquele que nos corrige.
Tal como as sentinelas de que fala o profeta Ezequiel necessitamos avisar os outros dos perigos que correm, dos erros que cometem, para que se possam salvar; é uma missão urgente e de mandato divino, mas que só pode alcançar os seus objectivos se, tal como também nos diz o profeta, estivermos atentos à Palavra que sai da boca do Senhor.
A oração comum e partilhada na busca e escuta da Palavra de Deus fornecerá a sabedoria e a misericórdia para uma verdadeira e fraterna correcção, que antes de mais começará por nós próprios e por aquilo que à luz desta Palavra encontramos longe da verdade e do amor de Deus. Antes de corrigir o outro necessitamos corrigir-nos a nós próprios, pois de contrário não estivemos verdadeiramente atentos à Palavra. A Palavra deve antes de mais agir em mim para que depois possa agir no outro através de mim.
Peçamos por isso ao Senhor que nos ilumine com a sua Palavra para vermos a trave que tantas vezes nos tolda o olhar e depois de a tentarmos remover com a sua graça e misericórdia possamos auxiliar os outros a retirar o argueiro que lhes encontramos nos olhos.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do XXIII Domingo do Tempo Comum é profundo, abordando particularmente uma problemática difícil que é a da “correcção fraterna” em sentido amplo, que nos compromete como “correctores e corrigidos” e como diz “só corrige quem ama”.
E como nos salienta … “porque facilmente nos enredamos nas nossas mesquinhices é que Jesus nos recomenda a unirmo-nos nessa petição comum ao Pai. Necessitamos pedir ao Pai do Céu que nos alcance o que necessitamos, e neste particular, que nos alcance a graça da verdadeira correcção, a que possamos praticar e a que possamos sofrer. De contrário poderemos cair na tentação de corrigir o outro em função dos nossos critérios e valores, das nossas aspirações e desejos, podemos também não ver a verdade a que nos quer conduzir aquele que nos corrige. (…)
(...) A oração comum e partilhada na busca e escuta da Palavra de Deus fornecerá a sabedoria e a misericórdia para uma verdadeira e fraterna correcção, que antes de mais começará por nós próprios e por aquilo que à luz desta Palavra encontramos longe da verdade e do amor de Deus. Antes de corrigir o outro necessitamos corrigir-nos a nós próprios, pois de contrário não estivemos verdadeiramente atentos à Palavra. A Palavra deve antes de mais agir em mim para que depois possa agir no outro através de mim.”…
Que o Senhor nos ilumine para que o reconhecimento com humildade e a correcção do erro pessoal ou do nosso irmão constituam uma verdadeira oportunidade para a participação de cada um de nós num mundo mais justo e mais fraterno.
Obrigada, Frei José Carlos, por esta importante Homilia que nos desinstala, faz-nos reflectir, auto-analisar e contribui para a nossa riqueza espiritual. Bem-haja.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva