quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O Diário do Seminário de Mogofores – Abril de 1936

Prosseguindo a apresentação do Diário do Seminário Dominicano de Mogofores verificamos as dificuldades que a comunidade atravessa, nomeadamente no relacionamento humano e fraterno e os primeiros passos no sentido da expansão para a cidade do Porto.

12-IV-936 – Páscoa – De manhã levámos o Santíssimo da nossa capela para a do Convento. Não cantámos nada. Com os alunos fomos à missa da Igreja onde cantámos o ordinário da missa dos Anjos Ó Santíssima – o Cor amabile e no fim “Cesse o prato”. A missa foi rezada. Não houve procissão porque chovia. O cântico em português não foi perfeito. Há falta de vozes e as que há são fracas. À tarde fomos ao Compasso em casa do Sr. Sampaio onde nos ofereceram bolos e doces. Ao P. Jougla e a mim chá e bolos. Depois o P. J. acompanhou-nos no passeio. À noite pela primeira vez leu o Evangelho o Agostinho Fonseca. Tem defeito na língua para pronunciar os rr…
O P. Abadie foi ao Troviscal assistir à festa de família das despedidas da Palmira que vai para o Convento. Precisava de dois dias de distracção.
O P. Gil tinha ido ontem para ver se convertia um primo gravemente dente e que não se queria confessar.
Durante estes três dias celebrámos algumas cerimónias. Quinta: missa às 7 e depois adoração até às 7 da tarde. Sexta: adoração da cruz. Missa de Presantificados. Sábado às 3 Via-Sacra, Stabat e à noite canto a três vozes do Miserere. Sábado Lições Missa e canto das Vésperas. Durante a missa e vésperas tocou harmónio o P. Martins, dando assim uma nota alegre às cerimónias. De tarde o P. Martins partiu para a Moita onde ajudará o Pároco no ministério Pascal.
Recebi alguns documentos do Luís da Silva que queria vir como criado para poder ajudar os pais, mas que se resigna a vir também como postulante. A vocação será verdadeira? Não será um meio de viver? Ele diz e repete que quer servir numa casa católica, mas e há tempos recusou um lugar numa padaria onde receberia 20$00 diários mas não podendo ir à missa aos Domingos. O irmão José Maria esteve com o Luís durante alguns anos também esperava que ele se fizesse irmão leigo. Veio o serviço militar e efe ficou em casa. Por outra parte ele pediu há tempos uma recomendação do Sr. D. Domingos para entrar nos Caminhos de Ferro.

19-IV-936 – Conversa com o P. Gil. Veio hoje de Coimbra onde pregou um retiro às Terceiras. Umas nove fizeram-no fechado. Houve outras pessoas de fora que assistiram. O P. Lourenço que devia pregar, não veio, talvez por haver pouca gente.
A situação é sempre crítica quando se encara o futuro. Que faremos? O pessoal não chega e o que há nem todo serve. Que faz o P. Martins? Frequenta o Pároco da Moita a quem presta alguns serviços. Foi no outro dia pregar a Coimbra às Filhas de Maria (1ª vez), não gostaram. Cansa-se facilmente e não aceita ministério forte. Entusiasma-se facilmente por uma coisa e depois é capaz de cair no extremo. Liga pouco com os outros Padres sobretudo portugueses. Música, mais música, mais música. Quando no outro dia foi pregar a Coimbra pediu que lhe tocassem muitas músicas porque gostava muito disso. Todos querem eliminá-lo – mas como?
O P. Oliveira que está com o irmão Padre que se encontra um pouco doente não vem ainda porque em consciência julga-se necessário. Que consciência é essa?
Que restauração se poderá fazer com um tal pessoal? Quase todo impotente e com pouco espírito religioso. O futuro sobre esse prisma não é reconfortante. Falta de superiores, falta de bons súbditos, falta de pessoal. Quare obdormis, Domine, quare obdormis? Exurge et ne repellas in firem.

21-IV-936 – Ontem o P. Gil foi ao Porto para a reunião dos Terceiros. O P. Lopes falou-me do Ir. António que se zangou por ele lhe ter feito uma observação insignificante. Não se pode fazer uma observação ao Irmão. Tem muito génio e faz o que quer. Ninguém se atreve a dizer-lhe alguma coisa, nem o Superior. Todos desejam que ele seja mudado.

23-IV – O P. Gil que chegou ontem diz nem todos os Terceiros do Porto vêm às reuniões. Em Portugal é preciso estar sempre a puxar senão ninguém se mexe. Viu o terreno do novo bairro onde vão construir uma capela e que o Sr. Bispo nos oferece mas o terreno é muito baixo e não há largueza e com uma fábrica em frente. No mesmo bairro há um outro terreno 13.000 m² mas custa uns 800 contos. O mais difícil de arranjar não é o dinheiro, é o pessoal.
Hoje o P. Martins deu uma aula de solfejo e de futuro dará às quintas-feiras uma aula e eu darei o catecismo ao Domingo. No princípio do ano escolar quis por força pelo menos meia hora cada dia, depois do Natal deu algumas aulas e por fim deixou tudo porque se tinha cansado. Eu pedi-lhe que ensinasse solfejo e que desse duas aulas por semana – em Novembro. Ele quis ensaiar a peça de teatro para o Natal. Cansou-se e desanimou.
Hoje chegou o José Lima que havia cinco meses estava em casa doente. O irmão acompanhou-o e entregou 100$00.

28-IV-936 – Ontem o R. P. Vigário foi a Coimbra para a reunião do Conselho da Fraternidade das Terceiras.
E o P. Gil foi com um irmão a um enterro dum primo que se tinha confessado a ele no sábado Santo pois não se queria confessar e ontem por pouco o enterro era civil por causa da assistência da música que está proibida de tocar. Não tocou mas assistiu em uniforme e o P. Gil tomou a responsabilidade indo hoje falar com o Sr. Bispo não o encontrando.
O P. Gil recebeu uma carta do Dr. Valente professor no Seminário do Porto propondo-lhe uma casa na linha eléctrica de Porto Ermesinde e tendo muitas vantagens: vistas – água – local – Vamos a ver se o P. Jougla consente que se examine.
Durante estes últimos dias arranjou-se o campo de jogos, aplanando, deitando areia, etc. O Dionísio fez o tapume mostrando ter habilidade, não só por não estar habituado, mas também por a ferramenta não ser boa nem completa.



1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Li com interesse a continuação da apresentação do Diário de Mogofores. Obrigada pela prossecução da publicação deste documento. Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar