terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Diário do Seminário de Mogofores – Quaresma de 1936

Nesta segunda apresentação do Diário de Mogofores, do Padre Tomás Maria Vieira, podemos constar as preocupações que o atingiam e que de alguma forma eram partilhadas pela maioria da comunidade relativamente ao isolamento e ao deficit de ministério face ao fim primeiro da Ordem, a salvação das almas.

J.M.J
22-III-936 – Dia chuvoso – não houve passeio, a maioria dos alunos não quis e o tempo estava duvidoso. Instrução sobre a Comunicação dos Santos iniciada no Baptismo – aperfeiçoada na Comunhão – caridade fraterna fruto da comunhão.

24-III-936 – Chegou hoje o P. Lopes de pregar um tríduo em … É o terceiro que ele prega este ano. Ficaram contentes.
25 – Bênção às 6.55 – Cantámos o Santíssima e no fim “Cantemos alegres” – chuva.
26 – Passeio à Cúria – O P. Gil que chegou às 11.30 de Ovar partiu esta tarde para Évora onde foi pregar o Septenário. Teve um pequeno incidente com o P. Martins.

30-III-936 – Ontem domingo da Paixão fomos assistir a Procissão dos Passos de S. Lourenço que sai da capela das Lezírias e vai para a Igreja de S. Lourenço – Pregou o P. Martins 3 sermões. A maior parte gostou. Um pouco seco e levando mais para o lado moral do que para o patético; falta de termos, repetindo-se. Por falta de tempo não pudemos assistir ao 3º sermão.
O P. Oliveira foi ver o irmão Padre que tem a gripe. Não é grave mas o P. preocupa-se muito com a saúde do irmão.
Os dois Padres Espanhóis Peña e Amado chegaram ontem do Norte onde visitaram várias casas e alguns antigos conventos, uns pequenos outros caros como o de Guimarães (5 contos por mês). Partiram hoje para Lousã com o P. Lopes.

1-IV-1936 – Ontem falei com o P. Jougla acerca dum rapaz chamado Luís da Silva que já por várias vezes pediu para vir para cá. Desejava vir como criado para poder ajudar os pais durante algum tempo. Não se importa de entrar como postulante, tendo só receio de não poder ficar. O P. Jougla nem hoje nem doutras vezes tem querido aceitar criados. Meu Deus, se não há irmãos o que se há-de fazer? Tanto mais que os poucos irmãos que existem, queixam-se continuamente do excesso de trabalho e da falta de orientação. Também não quer aceitá-lo e dar alguma coisa aos pais.
Fiat voluntas tua!

O P. Lopes chegou hoje de Coimbra para onde partiu anteontem com os Padres espanhóis. Foram também a Viseu e São Pedro do Sul.
O P. Lopes com o P. Martins assistiram às exéquias de D. Manuel Bispo de Coimbra em nome da comunidade.
Há tempos para a subscrição entre o clero da diocese para uma campa do sepulcro de D. Manuel o P. Jougla deu 100$00.

4-IV – O P. Abadie está um pouco cansado e abatido. Diz que com o tempo, que é muito chuvoso, a causa é o isolamento em que se encontra em Mogofores. O lugar por si presta-se pouco para relações e o P. Jougla quer voluntária quer involuntariamente impede-o de ir fazer visitas. Não haveria perigo que ele abusasse? É tão simples e tão pouco habituado às coisas do mundo! O P. Abadie desde o primeiro dia nunca gostou de Mogofores.

5-IV-936 – Domingo de Ramos – Fui assistir à procissão dos Ramos à Igreja. O P. Lopes estava com muita pressa e ralhando aqui e acolá. Quis cantar mas ele não quis. Podia-se fazer algum bem ao povo num dia destes em que vem mais gente! Tudo à pressa e de mau humor, que tristeza. Vamos sair da freguesia sem ter deixado alguma influência durável e profunda. Dantes, quando para cá viemos, do tempo do P. Cazes, fazia-se muito em favor da freguesia. Ia-se lá mais vezes. Ao domingo rezava-se o Terço à tarde; às 1ª sextas-feiras havia Missa na Igreja, etc… Veio o P. Jougla e ainda deixou as coisas como estavam, mas depois foi cortando, cortando, e agora só se vai para a missa do domingo ou quando alguém pede para se confessar. O P. Jougla deu como pretexto ou razão que os padres se cansam. De facto num ano o P. Abadie e eu fomos obrigados a descansar. Mas é bem triste estarem aqui tantos Padres e fazerem tão pouco para a salvação das almas que é o fim principal da nossa Ordem.

- No passeio longa conversa com o P. Gil sobre o nosso apostolado. Em Mogofores estamos fechados, isolados, vivendo fora da realidade. É necessário dar-nos mais às almas. Mas apesar de andar lá por fora a trabalhar por todos não encontra quando regressa um ambiente fraterno e cheio de vida que o reanime e lhe dê mais coragem.
O egoísmo é um grande mal de muitos religiosos assim como de muitos Padres. No apostolado é necessário uma dedicação desinteressada. Ir às almas não por amor de nós, mas para bem delas. Notamos como sempre nos Superiores falta de direcção falta de impulso. É esta uma das queixas quase quotidianas de cada um de nós. Mas isto atrairá as bênçãos de Deus? Parece que nos falta o apoio da sua Providência e o carinho de sua Santa Mãe que fundou a Ordem. Vae Nobis!

7-IV-936 – Ontem o P. Lopes foi ao Caramulo encontrando o frei Lourenço melhor. Hoje foi a Coimbra fazer as compras de Páscoa. O P. Gil partiu ontem para o Porto onde confessa estes dias na freguesia do S. Sacramento e depois vai pregar noutra parte. Tinha chegado Domingo às 5 horas da manhã tendo viajado durante a noite. Em Évora alguns trataram-no de comunista porque falou num sermão contra os ricos indiferentes ou avaros.



1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    A partilha da segunda apresentação do Diário de Mogofores, do Padre Tomás Maria Vieira é interessante e em alguns aspectos, creio que actual. Diversos eram os problemas que a comunidade vivia e que o preocupavam. Como o Frei José Carlos comprenderá não farei qualquer comentário por razões óbvias.
    Obrigada pela partilha. Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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