O Evangelho de São Mateus deste Domingo apresenta-nos a parábola dos trabalhadores da vinha que são remunerados de forma igual apesar da diferença de tempo de trabalho. Uma parábola que nos pode suscitar um certo sentimento de injustiça, à semelhança do que acontece com um dos trabalhadores, que reclama uma diferenciação retributiva em função do trabalho realizado.
Contudo, e como nos diz o profeta Isaías os pensamentos do Senhor não são os nossos, as medidas por que Deus se rege não são as nossas, e no caso desta parábola isso é bem evidente, para além de também ser evidente, e uma vez mais nos ser ensinado, que o dom de Deus não se conforma às nossas matemáticas e mesquinhezes, que é muito maior do que supomos ou desejamos.
A parábola dos trabalhadores da vinha tem assim esse mérito de nos mostrar e colocar diante da evidência da largueza de Deus, da sua magnanimidade face aos dons e ao que nos oferece. Por outro lado confronta-nos com a possibilidade da inveja, com esse sentimento em que reconhecemos os dons e pertenças do outro, os valorizamos, mas não somos capazes de reconhecer nem valorizar os dons que são nossos e o que nos pertence. À semelhança da trave e do argueiro que nos pode afectar o olhar, é sempre mais fácil ver o que é do outro do que ver o que é nosso.
Este sentimento opõe-se igualmente ao sentido do trabalho no plano de Deus e na revelação bíblica. Todo o trabalho do homem, seja o da primeira hora ou seja o da última hora, é sempre uma colaboração na obra de Deus, um convite à participação na construção do Reino, e nunca um castigo por um pecado cometido. Razão pela qual qualquer trabalhador e qualquer trabalho devem ser sempre valorizados, inserem-se sempre numa obra que parte da iniciativa de Deus mas que não prescinde da nossa colaboração.
No nosso dia a dia e nas nossas mais diversas dimensões profissionais e domésticas esta afirmação tem as suas implicações e não pode deixar de continuamente nos questionar, porque muitas vezes perturbamos as nossas relações profissionais e familiares devido à falta desta visão divina do trabalho realizado.
Quantas vezes nos perguntamos sobre o fim do que fazemos, dos objectivos a alcançar, ou então porque estamos mais sobrecarregados que outros. Denotamos e denunciamos uma injustiça, ou manifestamos uma certa inveja, sem perceber, ou não querendo perceber em virtude da nossa vaidade e orgulho, que naquele momento é o que Deus nos pede, é a forma de colaborarmos na sua obra.
E quando assumimos esta colaboração, quando nos sentimos construtores da obra de Deus, verificamos também quanto ainda falta assumir dessa perfeição a que o Senhor nos convida, neste caso no que é o nosso trabalho. É verdade que a pressão dos resultados nos condiciona cada vez mais e portanto não nos podemos permitir alguns luxos de maturação, de aperfeiçoamento, de aferição dos resultados dos modelos, mas é igualmente verdade que perdemos, não se sabe muito bem onde, aquilo que em outros tempos se chamava “brio”, uma certa vaidade do trabalho bem feito. E Deus não só merece um trabalho bem feito, como nós também o merecemos na medida em que nos dignifica como homens e mulheres.
Mas voltando à parábola e de modo particular ao trabalhador que reclama o salário injustamente recebido, não podemos deixar de ter presente que o proprietário da vinha o trata por “amigo”, forma que no Evangelho de São Mateus denota, sempre que colocada na boca de Jesus, uma situação de predilecção, de grande intimidade e relação com o outro que é Deus.
Assim, a reclamação de um outro salário, para além do contratado, é duplamente injusta e infectada de um distanciamento ou desconhecimento relativamente àquele que contrata e chama a trabalhar na vinha. Aquele que reclama um outro salário esquece-se da justiça do contratado, bem como da relação estabelecida, esquece-se que o trabalho lhe possibilitou a intimidade com o proprietário e que a verdadeira retribuição e compensação do trabalho realizado é a mesma amizade do proprietário. Foi contratado como servo e trabalhador mas teve a oportunidade de ser amigo, pois dessa forma é considerado pelo senhor da vinha enquanto trabalhava.
Reclamar outro salário é desconhecer assim o proprietário da vinha, a sua magnanimidade e generosidade, o seu desejo de que todos os homens trabalhem na mesma vinha e recebam o mesmo salário, a sua pessoa que generosamente se dispõe e oferece a todos.
Por isso é que Jesus termina a parábola dizendo que os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros, pois os últimos aceitam a generosidade do Senhor da vinha, participam da sua amizade sem que nada lhes tenha sido prometido, enquanto que os primeiros pela sua inveja se excluem ao não aceitar a liberalidade do amigo em se dar também a outros na amizade que lhes tinha garantido.
Peçamos portanto ao Senhor que nos anime e ilumine nos nossos trabalhos e tarefas, para que percebamos que o mínimo trabalho é sempre colaboração na sua obra divina, que na nossa humildade e com as nossas limitações e fraquezas procuremos fazer sempre o melhor que soubermos e pudermos e que nunca esperemos mais nenhum salário nem recompensa que Ele próprio e a sua presença amiga.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarObrigada por partilhar connosco o texto que preparou para a Homília do XXV Domingo do Tempo Comum. É um texto profundo, belo, que nos ajuda a interpretar uma das passagens do Evangelho de São Mateus (a parábola dos trabalhadores), as Leituras e a reflectir sobre o projecto de Deus, como o vivemos, como somos chamados a participar nele. E ao longo da nossa Caminhada quantas vezes nos acontece deixar o seguimento de Jesus, abandoná-LO, porque não compreendemos alguns mistérios, porque não aceitamos o que nos aconteceu, esquecendo como nos diz, citando o profeta Isaías ... “os pensamentos do Senhor não são os nossos, as medidas por que Deus se rege não são as nossas, (…)e uma vez mais nos ser ensinado, que o dom de Deus não se conforma às nossas matemáticas e mesquinhezes, que é muito maior do que supomos ou desejamos.”…
Porém, Jesus não nos abandona, e no Seu amor, imensa generosidade e compaixão está disponível a receber-nos sempre, a perdoar-nos. Afinal, Jesus esteve ao nosso lado, segurando-nos quando O ignorávamos. Não importa em que momento do Caminho, retomamos o seguimento do Senhor, quantas vezes saímos, porque Jesus esteve sempre à nossa espera para participarmos na construção do Reino de Deus ainda que, de outra forma, continuámos a participar.
Não tenhamos receio de não ter seguido um percurso perfeito, em linha recta, porque Jesus veio para nos salvar e não para nos condenar. A Sua infinita generosidade é igual para todos. Mas o ser cristão exige de nós um compromisso, vivido no quotidiano e aperfeiçoado como nos diz Frei José Carlos no texto ...” E quando assumimos esta colaboração, quando nos sentimos construtores da obra de Deus, verificamos também quanto ainda falta assumir dessa perfeição a que o Senhor nos convida, neste caso no que é o nosso trabalho. É verdade que a pressão dos resultados nos condiciona cada vez mais e portanto não nos podemos permitir alguns luxos de maturação, de aperfeiçoamento, de aferição dos resultados dos modelos, mas é igualmente verdade que perdemos, não se sabe muito bem onde, aquilo que em outros tempos se chamava “brio”, uma certa vaidade do trabalho bem feito. E Deus não só merece um trabalho bem feito, como nós também o merecemos na medida em que nos dignifica como homens e mulheres.”…
Permita que oremos juntamente com o Frei José Carlos …” Peçamos portanto ao Senhor que nos anime e ilumine nos nossos trabalhos e tarefas, para que percebamos que o mínimo trabalho é sempre colaboração na sua obra divina, que na nossa humildade e com as nossas limitações e fraquezas procuremos fazer sempre o melhor que soubermos e pudermos e que nunca esperemos mais nenhum salário nem recompensa que Ele próprio e a sua presença amiga.”
Obrigada, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas que nos ajudam na busca da perfeição e que nos confortam. Bem-haja.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
Engraçado... uma boa visão desta parte do Evangelho, com coisas que eu ainda não tinha pensado. Obrigada!
ResponderEliminar