Conta-se por aí que um dia um pároco mandou pintar na sua igreja uns anjos. Quando a obra estava quase pronta foi ver o que o pintor tinha pintado e para grande surpresa sua descobriu uns anjos com tamancos. Não eram propriamente o que estava à espera e destoavam da forma como sempre tinham sido representados.
Questionando os critérios do pintor perguntou-lhe pela raridade do detalhe, ao que o pintor retorquiu perguntando se já tinha visto algum anjo alguma vez. Face à resposta negativa do padre, o pintor extravagante concluiu que então não havia razão nenhuma para não serem pintados de tamancos. Era apenas um detalhe que ninguém podia confirmar ou negar.
E de facto nenhum de nós pode confirmar as possibilidades de representação ou figuração daqueles que são puros espíritos, puros seres espirituais; bem pelo contrário, poderemos afirmar a distância e des-semelhança, na medida em que esses seres espirituais se nos apresentam como mensageiros, como uma realidade em acção, uma “performance” do próprio Deus.
Os próprios nomes dos Arcanjos nos colocam nessa transitoriedade da acção e assim Rafael é aquele que se nos apresenta como “medicina de Deus”, Gabriel como “fortaleza de Deus” e Miguel como “quem como Deus”.
Neste sentido, os Santos Arcanjos que celebramos neste dia colocam-nos também a nós e inevitavelmente perante a mesma realidade da transitoriedade, da acção que conduz ao cumprimento de uma mensagem. Também nós somos chamados a ser anjos de Deus, a levar a cabo e desenvolver uma missão de mensageiros.
Tal como Rafael e à sua semelhança, Deus convida-nos a procurar ser remédio na vida dos outros, daqueles que sofrem, que estão sozinhos ou abandonados, daqueles que também estão cegos pelo seu egoísmo e desespero. É uma missão divina que nos cabe.
Com Gabriel somos convidados a mostrar a fortaleza de Deus, a alegria que deriva da confiança de que Ele está do nosso lado, somos convidados a mostrar que com Deus é possível vencer os desafios que se nos apresentam e por vezes nos parecem intransponíveis ou invencíveis.
Com o Arcanjo Miguel descobrimos que não há outra resposta para as nossas questões senão Deus, que nele encontramos a verdade do nosso ser, do ser dos outros que partilham a nossa vida e a verdade da vida que nos conduz como leito de um rio até desaguar nesse mar que é o mesmo Deus.
Por intercessão dos Santos Arcanjos, que contemplam Deus face a face a apresentam o louvor que lhe é devido, peçamos ao Senhor que nos conforme à missão a que nos chama em cada momento, de modo a sermos homens e mulheres, de fé, de caridade e de esperança, outros Miguel, Rafael e Gabriel.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLeio e fico a reflectir no texto da Meditação que partilha connosco. É profundo, importante, muito belo. Leio e medito em cada uma das palavras que escreve sobre a acção/convite que Deus nos faz, essa espécie de “ponte” entre Deus e o ser humano, à semelhança dos Santos Arcanjos salientando-nos que ...” Também nós somos chamados a ser anjos de Deus, a levar a cabo e desenvolver uma missão de mensageiros.”…
Façamos nossas as palavras do Frei José Carlos e “peçamos ao Senhor que nos conforme à missão a que nos chama em cada momento, de modo a sermos homens e mulheres, de fé, de caridade e de esperança, outros Miguel, Rafael e Gabriel.”
Obrigada, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas que nos exortam a assumir no nosso quotidiano os Ensinamentos de Jesus e que também nos reconfortam. Bem haja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me que partilhe um poema do Frei José Augusto Mourão, OP
angelus novus
fique o teu anjo/como o rasto de perfume/que inundou a casa
fique o teu anjo/onde a janela bate/e o vento deambula
fique o teu anjo/onde o corpo desertou/e a palavra é do silêncio/a dobra suscitada
fique o teu anjo/que nos lembre o nardo,/a ceia, a dança do desejo
fique o teu anjo/ a convidar-nos à memória,/à sapiciência, à graça
que para sempre fique/a anunciar o Verbo/a semente do corpo que há-de vir/os passos do jardim, a barca
(In, O Nome e a Forma,Pedra Angular, 2009)