sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Diário do Seminário de Mogofores – Maio de 1936

Mais algumas páginas do Diário do Padre Tomás Videira enquanto membro da comunidade do Seminário Dominicano de Mogofores.
Para além dos problemas da vida comum a alegria dos passeios e o atraso de um burro que não chega com a comida por falta de ferraduras. Outro tempo, outros meios, mas algumas inquietações comuns ao tempo presente.

29-IV-036 – Dia da Solenidade de S. José. Belo passeio à mata da Sra. D. Júlia. Cantámos no fim da Bênção: Meigo Santo. O P. Vigário achou que prolongava a cerimónia, quando apenas se acabou às 8.30 ou 8.31. Não gosta de ofícios compridos e tem o culto da hora, mas se não é capaz de começar um ofício depois da hora, começa-o muitas vezes antes.
O Lima não foi hoje a passeio. Começa já a queixar-se dos intestinos.

4-V-36 – Hoje à noite cumprimentámos Padre, alunos e irmãos leigos o R. P. Vigário. Na sua resposta disse que São Pio V tinha sido aluno duma escola dominicana e que por isso era padroeiro das escolas apostólicas.
Algumas pessoas de fora pediram que se fizesse o mês de Maio segundo o costume português. O que se faz consiste em honra de algum mistério da Santíssima Virgem cantar a Ave-Maria e recitar uma antífona versículo e oração correspondentes. Nem um cântico em português. Falei com o R. P. Vigário para o fazer na Igreja, perguntou a que hora; disse que à noite. Então disse ele é escusado falar. Que pena não termos um superior que compreenda os nossos costumes! Talvez seja providencial. Fiat voluntas tua!
Ontem fiz algumas observações importantes e graves aos alunos sobre a falta de piedade, de aplicação ao estudo, de respeito, de generosidade. Já há muito que se fazia notar uma grande indisciplina. São sobretudo os médios, que são mais insuportáveis.
Soubemos pelo P. Martins que morreu o Capelão das Irmãs de Azurara, era espanhol.

5-V-36 – Festa do P. Jougla. Ao jantar a instâncias sobretudo do P. Bartolomeu o P. Abadie fez um pequeno brinde.
Conversa com o P. G. – Foi com o P. B. a passeio à Moita aonde o dito P. B. vai muitas vezes. Logo que chegou a casa do Pároco pediu tabaco e vinho. Se vinha lá era sobretudo para fumar… e no outro dia no recreio condenava o tabaco como absurdo, vicio… etc. Anda a organizar um orfeão constituindo grupos em vários lugares como Aguim, Moita e não sei mais aonde. Já se zangou com os de Aguim e por carta escrita a um da Moita já os insultou. O Pároco fez-lhe ver os inconvenientes que tudo isso lhe trazia e os desgostos que lhe poderiam acarretar e que podiam muito bem mandá-lo para um convento distante. O P. G. falou com o R. P. J. e este concordou que o P. B. estava a comprometer a ele e a nós todos, mas que não julgava oportuno negar-lhe essas licenças, senão ninguém o podia suportar. Que escrevêssemos uma [carta] e a assinássemos todos para quando ele falar com o Mestre geral ter um apoio. Pois todos o julgam inadaptável e quase inútil por esse motivo. Só pensa em música. Que Deus tenha compaixão de nós que não valemos mais!

7-V-36 – Veio cá hoje o médico para examinar o Lima que continua a queixar-se dos intestinos.

16-V-36 – Chegou hoje o P. Oliveira após mês e meio de ausência passado junto do irmão doente.
No dia 11 foi-se embora o Lima cujo estado piorava. Teve muita pena.
No dia 8 foi a Braga donde voltou no dia 13 o R. P. Vigário. Foi assistir a algumas tomadas de hábito e profissões e também como confessor extraordinário. Disse à M. Superiora Geral que era preciso dar um carácter mais intelectual às irmãs e procurar arranjar e formar professoras.
No mesmo dia foi pregar um retiro ao colégio de nossas irmãs de Leiria o P. Gil voltando ontem.
No outro dia falava com o R. P. Vigário acerca da casa do Porto. Não aceitou porque era para já e não estávamos em condições de a comprar e porque preferia Coimbra. Que visse se, se podia arranjar o antigo convento de Santa Teresa. O P. Gil falou com o Dr. [...] para ele falar com o Dr. Bissaia a ver se conseguiam do Salazar a tal casa. Mas o Dr. Bissaia disse que era quase impossível porque Salazar estava muito teimoso e que já tinham feito muitas obras no dito convento e a opinião pública não receberia bem a doação.

18-V-36 – O P. Gil foi ontem a Ovar para organizar a Ordem Terceira. Nomeou uma Directora. São já vinte e sete terceiros.

27-V – Passeio ao Bussaco. Quase toda a comunidade. Fui a pé com os alunos. Partimos às 7.30. Levou-se um burro com a comida mas por não estar ferrado fez-nos esperar várias horas. Visitámos o museu militar (5$00) a capela do antigo convento e as nascentes da água do Luso. Bebemos um copo servido no Hotel Lusitano. Todos gostaram. Não seria mau partir mais cedo para ter tempo para visitar a mata, contanto que se leve uma merenda para o caminho. Saímos de lá (do Luso) às 5.30 chegando aqui às 8 menos um quarto, tendo parado no meio do caminho uns 20 minutos. Para cá não se utilizou o burro.
Comida. Presunto, 10 litros de vinho, carne, ovos, bolos de bacalhau, batatas (pouco se comeram).

31-V-36 – Os alunos fizeram o “Mês de Maria” seguindo o livro de Manuel Bernardes edição do P. Marinho.





1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Continuo a ler com interesse mais um excerto do Diário de Mogofores, do Padre Tomás Maria Vieira. Como o Frei José Carlos afirma …” Outro tempo, outros meios, mas algumas inquietações comuns ao tempo presente.“ ...
    Obrigada pela partilha. Bem-haja.
    Votos de um bom fim-de-semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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