domingo, 9 de junho de 2013

Homília do X Domingo do Tempo Comum

As leituras do Evangelho de São Lucas e do Primeiro Livro dos Reis que escutámos apresentavam-nos duas histórias, duas situações de morte, de sofrimento e de dor, pois duas mães, viúvas, perdem os seus filhos únicos.
São histórias da nossa condição humana, da realidade mais presente na nossa vida, a par da mesma vida, pois tudo o que nasce também morre. Nascer é estar destinado à morte. Contudo, a morte de um filho é algo profundamente estranho, desadequado à vida e à sua evolução natural.
Por esta razão não encontramos em nenhuma língua uma palavra para descrever a mãe ou pai que perde um filho. Se um filho que perde os pais é um órfão, se um esposo que perde o seu cônjuge é um viúvo ou viúva, não há palavra para expressar esta realidade da perda de um filho, uma vez que não faz parte da nossa concepção da vida e da maternidade e paternidade.
As tragédias maternais que as leituras que escutámos nos relatam vão contudo para além da tragédia, são a oportunidade para Deus se nos revelar, para nos revelar a sua compaixão e o seu amor por aqueles que sofrem e de modo particular por aquelas situações que humanamente não encontram uma palavra, uma explicação, um conforto.
Se no caso da viúva de Sarepta vemos a intercessão do profeta Elias junto de Deus para que o filho morto possa voltar à vida, no caso da viúva de Naim é Jesus que se encontra com a morte do filho e pela sua vontade e misericórdia o faz voltar à vida.
Estas duas histórias e as acções realizadas por Elias e Jesus mostram-nos no entanto algo muito significativo na relação de Deus com o homem, com cada um de nós, no exercício da sua misericórdia e compaixão, algo que não podemos deixar de ter presente nem na nossa relação com Deus nem na nossa relação com a morte.
Certamente porque são realidades radicais, desafios que nos provocam igualmente no mais profundo da nossa realidade e humanidade, é que estão tão próximas e se comunicam entre si na sua essência e no seu desafio.
A acção de Jesus e do profeta Elias face à morte dos filhos das viúvas mostra-nos que a relação de Deus com o homem é uma relação de oferta, é uma relação que assenta no mecanismo do dom. Tanto o profeta Elias como Jesus, depois de reaverem os filhos para a vida, os entregam às suas mães.
Mecanismo que podemos constatar também em outros momentos da vida de Jesus, nomeadamente no momento de maior sofrimento e dor, quando do alto da cruz entrega a sua mãe ao discípulo amado e este mesmo a sua mãe. Ou também quando entrega nas mãos do Pai o seu espirito. 
Percebemos assim que a acção e a relação que Deus estabelece com o homem e com cada um de nós é uma relação de oferta, de dom, de entrega. Deus nãos nos aprisiona, não nos limita na nossa liberdade, mas bem pelo contrário abre-nos a novas realidades, novas oportunidades, uma nova vida. Deus oferece-se e oferece-nos novas possibilidades.
São Paulo na Carta aos Gálatas, e no início do trecho que escutámos, coloca-se na mesma linha de pensamento, ao afirmar que o Evangelho que anuncia não é de inspiração humana mas uma oferta feita por Deus. A verdade de Jesus que Paulo anuncia aos Gálatas é assim um dom, e um dom que não se pode guardar somente para si mas que obriga a partilhar com o próximo.
Também na morte e com a morte somos convidados a esta mesma leitura oblativa, somos convidados a perceber a morte como a possibilidade de um dom. Numa linha ecologista poderíamos assumir que a morte é a oferta de um lugar para outro, é um permitir que outro venha ocupar o nosso lugar neste planeta e nesta história. Poderíamos assumir que é um acto radical de amor para com um próximo que desconhecemos, mas cuja vida depende de nós.
Concepção que indubitavelmente nos coloca numa atitude muito mais responsável face aos recursos naturais e à salvaguarda da vida no planeta. Aceitar a nossa morte como uma possibilidade para a vida de outro é aceitar preservar recursos para que o outro viva tal como eu gostaria de continuar a viver.  
Contudo, não podemos limitar-nos a esta leitura materialista, porque se aquele que morre se desprende livremente dessa humanidade que considera sua propriedade, numa atitude de doação, acaba por encontrar-se com a oferta de Deus, com o próprio Deus que vem ao nosso encontro com uma proposta de futuro absoluto.
Se o amor e a memória fazem permanecer vivos aqueles que já partiram, entregar-se à memória de Deus, acolher a sua oferta de amor, é permanecer vivo não só enquanto memória mas também enquanto pessoa, pois no Deus que se me oferece como vida eu posso continuar a existir eternamente.

 
Ilustração:
“Ressurreição do filho da viúva de Naim”, de Wilhelm Kotarbinski, Museu Nacional de Varsóvia.
“Ressurreição do filho da viúva de Naim”, Mosaico da Catedral de Monreale, Sicília.   

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    As leituras do excerto do Evangelho de São Lucas e do Primeiro Livro dos Reis e a Homília do X Domingo do Tempo Comum que teceu levaram-me a uma longa reflexão, a algumas interrogações. Como nos diz … “São histórias da nossa condição humana, da realidade mais presente na nossa vida (…). Contudo, a morte de um filho é algo profundamente estranho, desadequado à vida e à sua evolução natural.”…
    A maior parte de nós, ao longo do nosso peregrinar, temos vivido situações semelhantes abarcando todas as idades e situações, familiares e amigos próximos ou não mas que nunca nos deixam indiferentes, em que o sofrimento é de tal forma intenso que não encontramos palavras de consolo, estejamos perante vivências cristãs ou não.
    Em tais circunstâncias, a fé e a coragem estremecem e não são suficientes para sairmos de nós próprios e compreender como nos afirma que …” a relação de Deus com o homem é uma relação de oferta, é uma relação que assenta no mecanismo do dom” (…).
    Como nos salienta … “Estas duas histórias e as acções realizadas por Elias e Jesus mostram-nos no entanto algo muito significativo na relação de Deus com o homem, com cada um de nós, no exercício da sua misericórdia e compaixão, algo que não podemos deixar de ter presente nem na nossa relação com Deus nem na nossa relação com a morte.”… e …” também na morte e com a morte somos convidados (…) a perceber a morte como a possibilidade de um dom.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha profunda, bela, maravilhosamente ilustrada, que nos ajuda no nosso caminhar a iluminar a nossa relação com Deus e a perceber a morte como um dom.
    Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja. Continuação de um bom dia.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me que partilhe um link com Taizé - Esprit Consolateur http://www.youtube.com/watch?v=uotT60CzL50

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