Na leitura do
Evangelho que escutámos Jesus coloca aos discípulos duas questões sobre a sua
pessoa. Pergunta antes de mais quem dizem as multidões que ele é, e depois o
que eles próprios dizem, quem é ele para eles. Logicamente Jesus parte do geral
para chegar ao individual, da opinião das massas anónimas à opinião daqueles
que vivem com ele e fazem a experiência da sua intimidade.
Inevitavelmente a
mesma pergunta se coloca a cada um de nós, membros da grande família dos
crentes em Jesus Messias Filho do Deus vivo. Também nós somos chamados a dar
uma resposta, a dizer quem Jesus é para cada um de nós.
Contudo, podemos e
devemos alargar os nossos horizontes de resposta e perceber que, dizer quem
Jesus é, pressupõe saber dizer quem nós somos. Eu só posso dizer o outro na
medida em que sou, em que sei quem sou, em que me reconheço numa identidade
própria e única.
O convite de Jesus a
que cada um tome a sua cruz todos os dias e o siga na caminhada para a doação
da vida em Jerusalém vai ao encontro dessa nossa identidade única, dessa
necessidade de assumir a nossa condição com tudo o que ela comporta e nos
constitui.
Neste sentido, não
podemos deixar de ter presente que a nossa vida se molda pela imperfeição e
pela finitude. Como criaturas de Deus aspiramos à vida e à perfeição daquele
que nos criou, avidamente a desejamos, mas vivemos condicionados pela nossa
própria criação. Não somos o nosso criador, não somos nós que nos fazemos, e
como tal vivemos a limitação da nossa criação.
O convite de Jesus a
tomar a cruz e a segui-lo é assim o convite a assumir e a tomar esta nossa
condição, a nossa condição humana com o que tem de bem e de mal, de perfeito e
de imperfeito, de eterno e de mortal.
E este assumir da
nossa condição humana e finita, da nossa cruz, está presente, ou deve estar presente,
em todos os momentos da nossa vida. A conquista da liberdade e independência de
um adolescente é um momento de cruz, a constituição de uma família, de uma
relação afectiva duradoura é outro momento da cruz, a doença ou a infidelidade
são uma cruz, as limitações de uma velhice são uma cruz. Mas são igualmente
realidades da cruz a alegria do nascimento de um filho, a satisfação do
primeiro beijo, o momento de ternura entre um homem e uma mulher que se amam, a
amizade que partilhamos com os amigos.
As diversas e inumeráveis
realidades que constituem a nossa vida, que são intrinsecamente limitadas mas conduzem
à nossa realização e à nossa felicidade, são afinal a nossa cruz, o que Jesus
nos convida a assumir, porque o encerramento em nós próprios, o isolamento, o egoísmo
apenas conduzem à morte. O querer salvar a vida por si mesmo conduz
inevitavelmente à sua perda, enquanto a doação e a entrega conduzem à salvação
pela plenitude a que estamos destinados.
Contudo, ao assumir a
nossa cruz, a nossa condição humana, não podemos deixar de acolher e iluminar
todas as diversas realidades dessa cruz e mesma condição humana, com a luz da
filiação divina que Jesus nos alcançou e que São Paulo nos enunciava no trecho
da Carta aos Gálatas que lemos.
Todos nós fomos
revestidos de Cristo, somos filhos de Deus pela fé em Jesus, pela relação que
estabelecemos com ele, relação que nos permite dizer quem ele é e quem nós
somos verdadeiramente.
Podemos dizer que
estamos num jogo de opostos que se tocam e portanto na medida em que me compreendo
e aceito como criatura de Deus, finita e limitada, mais me aproximo do Criador,
e nesta proximidade mais posso dizer quem verdadeiramente sou e quem verdadeiramente
é o Messias de Deus vivo.
Jesus ilumina a minha
realidade humana e a minha realidade divina, e quanto mais aprofundo numa realidade
mais sou iluminado na outra. Procuremos pois a profundidade do conhecimento
para uma resposta mais fiel à pergunta de Jesus e à proposta do seguimento.
Ilustração: “Vocação
de Pedro e André”, de Michel Corneille, o Jovem, Museu de Belas Artes de
Rennes.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarNo contexto do excerto do Evangelho de São Lucas que escutámos, como nos salienta no texto da Homília do XII Domingo do Tempo Comum que teceu …” Também nós somos chamados a dar uma resposta, a dizer quem Jesus é para cada um de nós (…) podendo e devendo …” alargar os nossos horizontes de resposta e perceber que, dizer quem Jesus é, pressupõe saber dizer quem nós somos.”…
Tomar a cruz todos os dias e seguir Jesus é aceitarmo-nos como somos, com verdade e profundidade, com as nossas fragilidades e quedas, sabendo-nos filhos amados, acreditando na misericórdia e no perdão de Deus.
Como nos afirma … “ao assumir a nossa cruz, a nossa condição humana, não podemos deixar de acolher e iluminar todas as diversas realidades dessa cruz e mesma condição humana, com a luz da filiação divina que Jesus nos alcançou”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília profunda que nos ajuda a reflectir sobre a nossa condição humana, sobre a relação de cada um de nós com Jesus, por recordar-nos que …” O querer salvar a vida por si mesmo conduz inevitavelmente à sua perda, enquanto a doação e a entrega conduzem à salvação pela plenitude a que estamos destinados.”
Que o Senhor o ilumine, o guarde e o proteja.
Bom descanso. Votos de uma semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva