domingo, 23 de junho de 2013

Homília do XII Domingo do Tempo Comum

Na leitura do Evangelho que escutámos Jesus coloca aos discípulos duas questões sobre a sua pessoa. Pergunta antes de mais quem dizem as multidões que ele é, e depois o que eles próprios dizem, quem é ele para eles. Logicamente Jesus parte do geral para chegar ao individual, da opinião das massas anónimas à opinião daqueles que vivem com ele e fazem a experiência da sua intimidade.
Inevitavelmente a mesma pergunta se coloca a cada um de nós, membros da grande família dos crentes em Jesus Messias Filho do Deus vivo. Também nós somos chamados a dar uma resposta, a dizer quem Jesus é para cada um de nós.
Contudo, podemos e devemos alargar os nossos horizontes de resposta e perceber que, dizer quem Jesus é, pressupõe saber dizer quem nós somos. Eu só posso dizer o outro na medida em que sou, em que sei quem sou, em que me reconheço numa identidade própria e única.
O convite de Jesus a que cada um tome a sua cruz todos os dias e o siga na caminhada para a doação da vida em Jerusalém vai ao encontro dessa nossa identidade única, dessa necessidade de assumir a nossa condição com tudo o que ela comporta e nos constitui.
Neste sentido, não podemos deixar de ter presente que a nossa vida se molda pela imperfeição e pela finitude. Como criaturas de Deus aspiramos à vida e à perfeição daquele que nos criou, avidamente a desejamos, mas vivemos condicionados pela nossa própria criação. Não somos o nosso criador, não somos nós que nos fazemos, e como tal vivemos a limitação da nossa criação.
O convite de Jesus a tomar a cruz e a segui-lo é assim o convite a assumir e a tomar esta nossa condição, a nossa condição humana com o que tem de bem e de mal, de perfeito e de imperfeito, de eterno e de mortal.
E este assumir da nossa condição humana e finita, da nossa cruz, está presente, ou deve estar presente, em todos os momentos da nossa vida. A conquista da liberdade e independência de um adolescente é um momento de cruz, a constituição de uma família, de uma relação afectiva duradoura é outro momento da cruz, a doença ou a infidelidade são uma cruz, as limitações de uma velhice são uma cruz. Mas são igualmente realidades da cruz a alegria do nascimento de um filho, a satisfação do primeiro beijo, o momento de ternura entre um homem e uma mulher que se amam, a amizade que partilhamos com os amigos.
As diversas e inumeráveis realidades que constituem a nossa vida, que são intrinsecamente limitadas mas conduzem à nossa realização e à nossa felicidade, são afinal a nossa cruz, o que Jesus nos convida a assumir, porque o encerramento em nós próprios, o isolamento, o egoísmo apenas conduzem à morte. O querer salvar a vida por si mesmo conduz inevitavelmente à sua perda, enquanto a doação e a entrega conduzem à salvação pela plenitude a que estamos destinados.
Contudo, ao assumir a nossa cruz, a nossa condição humana, não podemos deixar de acolher e iluminar todas as diversas realidades dessa cruz e mesma condição humana, com a luz da filiação divina que Jesus nos alcançou e que São Paulo nos enunciava no trecho da Carta aos Gálatas que lemos.
Todos nós fomos revestidos de Cristo, somos filhos de Deus pela fé em Jesus, pela relação que estabelecemos com ele, relação que nos permite dizer quem ele é e quem nós somos verdadeiramente.
Podemos dizer que estamos num jogo de opostos que se tocam e portanto na medida em que me compreendo e aceito como criatura de Deus, finita e limitada, mais me aproximo do Criador, e nesta proximidade mais posso dizer quem verdadeiramente sou e quem verdadeiramente é o Messias de Deus vivo.
Jesus ilumina a minha realidade humana e a minha realidade divina, e quanto mais aprofundo numa realidade mais sou iluminado na outra. Procuremos pois a profundidade do conhecimento para uma resposta mais fiel à pergunta de Jesus e à proposta do seguimento.
 
Ilustração: “Vocação de Pedro e André”, de Michel Corneille, o Jovem, Museu de Belas Artes de Rennes.

 

     

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    No contexto do excerto do Evangelho de São Lucas que escutámos, como nos salienta no texto da Homília do XII Domingo do Tempo Comum que teceu …” Também nós somos chamados a dar uma resposta, a dizer quem Jesus é para cada um de nós (…) podendo e devendo …” alargar os nossos horizontes de resposta e perceber que, dizer quem Jesus é, pressupõe saber dizer quem nós somos.”…
    Tomar a cruz todos os dias e seguir Jesus é aceitarmo-nos como somos, com verdade e profundidade, com as nossas fragilidades e quedas, sabendo-nos filhos amados, acreditando na misericórdia e no perdão de Deus.
    Como nos afirma … “ao assumir a nossa cruz, a nossa condição humana, não podemos deixar de acolher e iluminar todas as diversas realidades dessa cruz e mesma condição humana, com a luz da filiação divina que Jesus nos alcançou”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília profunda que nos ajuda a reflectir sobre a nossa condição humana, sobre a relação de cada um de nós com Jesus, por recordar-nos que …” O querer salvar a vida por si mesmo conduz inevitavelmente à sua perda, enquanto a doação e a entrega conduzem à salvação pela plenitude a que estamos destinados.”
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e o proteja.
    Bom descanso. Votos de uma semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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