domingo, 30 de junho de 2013

Homília do XIII Domingo do Tempo Comum

As leituras do Primeiro Livro dos Reis e do Evangelho de São Lucas colocam-nos de uma forma muito clara aquele que podemos dizer que é o tema deste domingo, Deus chama-nos a segui-lo e corresponde a cada um de nós dar uma resposta.
A história de Elias e Eliseu, que escutámos no Primeiro Livro dos Reis, mostra-nos que Deus vem chamar cada um de nós ao seu quotidiano, aos seus afazeres do dia-a-dia, sejam eles profissionais, sociais ou familiares. E vem chamar cada homem e cada mulher num momento em que paradoxalmente parece não haver lugar para um chamamento.
No caso de Eliseu este paradoxo apresenta-se no facto de ele já se encontrar a lavrar com a décima segunda junta de bois, ou seja, quando o trabalho estava já a terminar. É nesse momento que podemos dizer de realização, de plenitude, que Elias lhe aparece e o cobre com o seu manto, que lhe revela o chamamento de Deus.
Nos nossos contextos profissionais e sociais assistimos mais ou menos ao mesmo processo, ainda que a maior parte de nós não tenha consciência de tal. Assim é frequente encontrarmos homens e mulheres que na sua realização profissional, na plenitude das suas vidas e carreiras, se encontram perante o dilema de continuar sem mais, ou de começar uma nova vida, de lançar-se num novo desafio.
Nestas situações, nestes dilemas, discretamente Deus continua a chamar como chamou Eliseu, continua a abrir horizontes tal como Elias abriu a Eliseu quando lhe lançou a capa encima. Há algo mais a fazer e os homens e mulheres de boa vontade podem fazê-lo.
Contudo, tal como no chamamento de Eliseu, e apesar do apelo de Deus ser soberano, este não se impõe e a forma como se apresenta é de sobremaneira discreta. No caso de Eliseu é a capa do profeta que lhe revela o convite, o apelo, pois Elias não lhe dirige qualquer palavra, não lhe coloca qualquer questão. Eliseu é chamado a interpretar o apelo e a dar a resposta.
Portanto, o mesmo desafio se coloca para aqueles nossos irmãos que se encontram num momento de encruzilhada, num dilema de dar uma resposta, também eles necessitam interpretar os sinais, os gestos, as palavras de silêncio que revelam o que Deus lhes pede de novo.
E se em algum momento há a tentação de não perder a segurança do conhecido, da família de que Eliseu se quer despedir, há também a irrevogabilidade do apelo e do convite, e portanto a resposta de Elias de que tinha feito o que devia, tinha sido o instrumento do chamamento de Deus e portanto não lhe competia mais nada.
O chamamento de Deus pode processar-se das mais diversas formas, mas compete a cada um dar a resposta, uma resposta que não abdica jamais da liberdade, de ser uma resposta livre. No caso de Eliseu a libertação traduziu-se nesse queimar da madeira do arado, nesse desprendimento do instrumento que lhe tinha alcançado a plenitude e a realização.
Neste contexto de uma resposta que temos que dar, o Evangelho de São Lucas apresenta-nos três respostas possíveis, três situações em que a resposta se transforma em recusa, ou forma inviabilizadora da verdadeira resposta.
No primeiro caso, encontramos alguém que se oferece para seguir Jesus, à boa maneira das escolas rabínicas em que os alunos se ofereciam como servos aos mestres.
A resposta de Jesus a esta oferta de seguimento não só mostra que ele não era um rabino, que não tinha uma escola, mas que a resposta ao chamamento é um colocar-se em caminho, uma descoberta contínua, um partilhar de desafios em comunidade de irmãos. A proposta de Jesus é uma proposta arriscada, sem abrigo, sem protecção, livre, e portanto querer comprometer-se com ele implica essa liberdade e capacidade de adaptação a todas as situações.
No segundo caso temos um chamamento da parte de Jesus, um chamamento que denuncia uma predilecção, um convite a uma relação mais íntima com ele. A necessidade de sepultar o pai por parte daquele que é chamado e a resposta de Jesus a esta solicitação mostra que o chamamento de Deus abre novos horizontes de familiaridade, abre novas perspectivas de vida. Não se trata de falta de consideração da parte de Jesus face à família, mas da hierarquização dos valores e das realidades, pois o que está em causa é o Reino de Deus e este deve suplantar todas as relações, deve reordená-las à luz do valor primordial do Reino.
No terceiro caso voltamos a encontrar alguém que se oferece para seguir Jesus mas condiciona esse seguimento à possibilidade de despedir-se da família. Uma vez mais Jesus não aceita uma resposta condicionada, a resposta não pode estar condicionada a esta ou aquela necessidade.
A refutação de Jesus da resposta condicionada vai no entanto mais longe e evidencia uma exigência que muitas vezes nos condiciona e limita na resposta que damos. Aceitar lançar as mãos ao arado e não olhar para trás é fazer plena confiança na palavra de Deus, no seu projecto, e portanto àquele que leva o arado não compete ver o resultado da sementeira mas apenas lançar a semente. Como Jesus diz numa outa passagem são uns os que semeiam e são outros os que colhem.     
Neste sentido a resposta ao chamamento de Deus é sempre uma resposta de colaboração, um compromisso de serviço, somos meros instrumentos que aceitam a acção de Deus em nós e por nós.
Como diz São Paulo na Carta aos Gálatas é uma libertação, um chamamento à liberdade, porque aquele que se compromete confiante na acção de Deus em si e por si é sempre livre, nunca se engana naquele que é a Verdade.

 
Ilustração: Pormenor do Cristo de “A Vocação de São Mateus”, de Caravaggio, Igreja São Luís dos Franceses em Roma.

 

3 comentários:

  1. Fazer plena confiança na palavra de Deus e no Seu projecto, acreditando que apenas nos compete semear,é aquilo em que temos que acreditar todos os dias para podermos seguir em frente mesmo quando o projecto de Deus não é o nosso projecto. Inter Pars

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  2. Frei José Carlos,

    Grata,pela bela partilha do Evangelho de São Lucas,muito profunda,que propôs para nossa reflexão,gostei muito.Como nos diz também São Paulo na Carta aos Gálatas é uma libertação,um chamamento à liberdade,porque aquele que se compromete confiante na acção de Deus em si é sempre livre,nunca se engana naquele que é a Verdade.Obrigada,Frei José Carlos, pelas magníficas palavras partilhadas connosco.Que o Senhor o ilumine e o guarde e abençoe.Votos de uma boa semana.Desejo-lhe uma boa noite e um bom descanso.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  3. Frei José Carlos,

    Como nos salienta na Homília do XIII Domingo que teceu, o chamamento de Jesus é um convite que se dirige a todos nós. E passo a citá-lo …” E vem chamar cada homem e cada mulher num momento em que paradoxalmente parece não haver lugar para um chamamento.”(…)
    (…) Nos nossos contextos profissionais e sociais assistimos mais ou menos ao mesmo processo, ainda que a maior parte de nós não tenha consciência de tal. Assim é frequente encontrarmos homens e mulheres que na sua realização profissional, na plenitude das suas vidas e carreiras, se encontram perante o dilema de continuar sem mais, ou de começar uma nova vida, de lançar-se num novo desafio.
    Nestas situações, nestes dilemas, discretamente Deus continua a chamar como chamou Eliseu, continua a abrir horizontes tal como Elias abriu a Eliseu quando lhe lançou a capa encima. Há algo mais a fazer e os homens e mulheres de boa vontade podem fazê-lo. (…) Que bela imagem encerra a atitude de Elias, Frei José Carlos.
    Como nos afirma é um chamamento discreto, cuja decisão requer humildade e coragem, que representa a abertura de novos caminhos, mas não é um caminho solitário, …” a resposta ao chamamento é um colocar-se em caminho, uma descoberta contínua, um partilhar de desafios em comunidade de irmãos. A proposta de Jesus é uma proposta arriscada, sem abrigo, sem protecção, livre, e portanto querer comprometer-se com ele implica essa liberdade e capacidade de adaptação a todas as situações.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos ajuda a compreender a radicalidade do chamamento de Jesus, por recordar-nos que …” a resposta ao chamamento de Deus é sempre uma resposta de colaboração, um compromisso de serviço, somos meros instrumentos que aceitam a acção de Deus em nós e por nós.”
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
    Votos de uma boa semana.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    da coragem

    Deus ensina à nossa vida que não há coragem inútil/que os lugares do impossível se deslocam/
    quando a confiança toca o chão das coisas/e não é crença ornamental, alegoria//

    liberta a nossa vida do discurso da resignação/que é o fatalismo,/
    do derrotismo, que é a filosofia espontânea dos proletários//
    ......

    dá ao nosso corpo a graça das viagens sem bagagens,/sem outro futuro que a coragem,/
    sem outro combate que a justiça e o direito à diferença//

    arma os nossos olhos da paciência ardente/e os nossos braços da ternura real,/
    para acolhermos a aurora do Teu dia/no cruzamento do que em nós se repete e se interrompe,/
    se desloca e se excede,/e descubramos o esplendor da tua face/de mãos dadas com quantos,/
    de todos os horizontes te procuram/e te proclamam

    santo, justo e imortal

    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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