domingo, 16 de junho de 2013

Homília do XI Domingo do Tempo Comum

 
O trecho do Evangelho de São Lucas que escutámos é um daqueles episódios bíblicos que deu origem a imensas representações iconográficas. Uma das mais célebres e extraordinárias é a que se encontra no Salão de Hércules no Palácio de Versalhes, pintada por Paolo Veronese e oferecida ao rei Luís XIV de França como presente diplomático pela Republica de Veneza em 1664.
É uma obra extraordinária, não só pelo tamanho, tem quatro metros e meio de altura e praticamente dez de largura, mas sobretudo pela construção arquitectónica e espacial da representação. No centro do banquete e de toda a sua agitação encontramos Jesus com a mulher pecadora, e de costas, para os apreciadores do quadro, Simão, alguém sem rosto que nos encarna a todos nós.
E o primeiro momento dessa incarnação encontra-se no juízo que, como o texto evangélico nos refere, Simão faz não só sobre a mulher pecadora mas também sobre Jesus. Fundamentado no sistema religioso do puro e do impuro Simão julga a mulher que se aproxima de Jesus e julga igualmente Jesus, deixando de o considerar como profeta na medida em que ele não reage à contaminação que a mulher lhe provoca.
Sendo uma pecadora, a mulher encontra-se em estado de impureza e tudo o que toca ou se aproxima dela é contaminado pela mesma impureza. A falta de reacção de Jesus aos gestos da mulher pecadora desacredita-o aos olhos daquele que o tinha convidado, passando por isso do estatuto de profeta reconhecido para o de charlatão.
Esta atitude de Simão é muitas vezes também a nossa, pois deixamo-nos vencer pela primeira impressão, pela primeira imagem, por juízos tantas vezes errados relativamente às pessoas que vivem connosco. Também fundamentados em valores de pureza acabamos por julgar os outros nas suas atitudes e palavras de uma forma implacável e sem qualquer condescendência.
Percebendo o juízo de Simão e a sua hipocrisia, Jesus vai ao seu encontro apresentando-lhe uma parábola que mais parece uma adivinha de fácil resposta. Afinal era muito fácil responder que aquele a quem mais tinha sido perdoado mais ficasse reconhecido e amigo.
Contudo, a resposta não é assim tão fácil como parece e por isso Jesus insiste, mostrando como a resposta de Simão tinha sido de certa forma leviana, inconsistente e descuidada.
A parábola que Jesus tinha apresentado partia de um dado extremamente importante e implicativo na resposta, pois tinha sido o que era credor que se tinha compadecido dos devedores sem que estes lhe tivessem apresentado qualquer pedido. Aquele a quem era devido o pagamento tinha-se compadecido daqueles que lhe deviam mas não tinham com que pagar.
Ao apontar a Simão as faltas de civilidade e de etiqueta social, evidenciadas de forma flagrante pelos gestos da mulher pecadora, que desde que entrara em casa não tinha deixado de mostrar gestos de atenção e carinho para com o convidado, Jesus mostra a Simão a sua hipocrisia, mas mostra sobretudo a sua incapacidade de se reconhecer devedor e devedor ao qual foi também perdoada uma divida.
Pelo contraste de atitudes, Jesus mostra a Simão que a mulher pecadora tinha sabido reconhecer o perdão que buscava e lhe tinha sido concedido pela liberdade de cuidados prestados a Jesus, enquanto ele não tinha sabido reconhecer nem acolher o dom do perdão e do amor daquele que convidara para a sua mesa e ao qual faltara com os gestos mais básicos de cordialidade e civilidade.
Neste sentido, também Simão encarna bastante de nós, pois não só não nos reconhecemos como devedores, mas sobretudo não nos reconhecemos como devedores aos quais foi perdoada a dívida, razão para vivermos em espirito de gratidão contínua.
Tal como São Paulo afirma na Carta aos Gálatas, sabemos que não é pelas nossas obras que alcançamos a salvação, que ela já nos foi alcançada por Jesus Cristo, mas continuamos muitas vezes a viver como se tal não tivesse acontecido e portanto distraídos da necessidade de vivermos em Cristo e por Cristo, obcecados com as obras que nunca nos satisfazem nem alcançam a paz.
Se no quadro do “Banquete em casa de Simão” de Veronese, que se encontra no Palácio de Versalhes, Jesus aponta a Simão a mulher pecadora prostrada a seus pés é porque deve ser essa a nossa atitude, é porque assumindo o nosso pecado e prostrando-nos aos pés de Jesus podemos acolher o seu perdão e a sua graça.
Que o Espirito santo infunda em nós a humildade de assumirmos os nossos erros e pecados, e abra o nosso coração à misericórdia que Deus nos oferece.
 
Ilustração: “Banquete em casa de Simão”, de Paolo Veronese, Museu de Versailles.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    A cena descrita no excerto do Evangelho de São Lucas (7, 36-8,3) que escutámos no XI Domingo do Tempo Comum, é de grande beleza e carregada de significado e …”deu origem a imensas representações iconográficas” como nos afirma na Homília que teceu.
    A reflexão sobre a forma como a mesma se desenrola, o diálogo entre Jesus, Simão e a mulher leva-nos a repensar as nossas atitudes relativamente ao outro, seja relativamente àqueles que nos são próximos, ou que nos abordam ou sobre quem lançamos um primeiro olhar, julgamento, ou até de quem não conhecemos pessoalmente e cuja vida caiu na praça pública, e à nossa relação com Jesus.
    Condenamos, julgamos com facilidade, encaramos o perdão como fraqueza para ambas as partes, para quem pede e para quem perdoa, e não como uma força, um dom de Deus. E … sobre o reconhecimento das nossas fragilidades, ofensas, da nossa hipocrisia, em todos os contextos, a humildade para pedir a Jesus e ao próximo, o perdão sincero, reconhecer-se pecador e pedir diariamente ao Pai que não nos deixe cair em tentação, não é um caminho fácil, o caminho do arrependimento, da assunção dos nossos e do perdão em sentido lato.
    Na atitude de Jesus há perdão, misericórdia, mas há um amor que liberta, que salva.
    Como nos salienta …” deixamo-nos vencer pela primeira impressão, pela primeira imagem, por juízos tantas vezes errados relativamente às pessoas que vivem connosco. Também fundamentados em valores de pureza acabamos por julgar os outros nas suas atitudes e palavras de uma forma implacável e sem qualquer condescendência. (…)
    (…) Jesus mostra a Simão que a mulher pecadora tinha sabido reconhecer o perdão que buscava e lhe tinha sido concedido pela liberdade de cuidados prestados a Jesus … (…)
    (…)Simão encarna bastante de nós, pois não só não nos reconhecemos como devedores, mas sobretudo não nos reconhecemos como devedores aos quais foi perdoada a dívida, razão para vivermos em espirito de gratidão contínua.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, maravilhosamente ilustrada, por exortar-nos a …” assumir o nosso pecado e a prostrar-nos aos pés de Jesus para podermos acolher o seu perdão e a sua graça.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Continuação de bom domingo e de uma boa semana com paz, alegria e confiança.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Grata, pela maravilhosa Homília do Evangelho de São Lucas,tão profunda e rica de sentido,magnificamente ilustrada.Como nos diz o Frei José Carlos,que o Espírito Santo infunda em nós a humildade de assumirmos os nossos erros e pecados,e abra o nosso coração à misericórdia que Deus nos oferece.Obrigada ,Frei José Carlos,pelas maravilhosas e belas palavras partilhadas tão profundas que nos ajudam a uma reflexão mais profunda e,nos dá força e coragem para prosseguirmos o caminho,numa intimidade com Deus,acolher o seu perdão e a sua graça.Gostei muito.Bem-haja.Que o Senhor o ilumine o ajude e o proteja.Votos de uma boa semana,uma boa tarde com paz e alegria.
    Uma abraço fraterno.
    AD

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