quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Homília da Solenidade da Assunção da Virgem Maria

Celebramos hoje a Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria, conhecida na Igreja Oriental como a Dormição da Virgem Maria. É uma festa já bastante antiga, pois encontramos já no século quinto referências à sua celebração festiva em Jerusalém. Contudo, é a sua proclamação solene por Pio XII em 1950 que dá a esta festa e convicção profunda da Igreja a expressão dogmática e universal que a caracteriza e identifica.
Assumindo uma expressão teológica de São João Damasceno, o dogma da Assunção de Nossa Senhora ao Céu exprime essa fé e convicção de que aquela que tinha concebido no seu seio o Filho de Deus, que tinha conservado a sua virgindade durante o parto, fosse preservada também da corrupção da carne natural a todos os corpos mortais.
A Virgem Maria é assim elevada ao Céu em corpo e alma, conservando integra e incorrupta a sua natureza humana, em virtude da missão e da união profunda com o filho gerado que é o Filho de Deus. Tal como escutávamos na Carta de São Paulo aos Coríntios, por Cristo Maria é restituída à vida, é a primeira a usufruir das consequências da pertença a Cristo.
Esta convicção e fé na Assunção da Virgem Maria ao Céu em corpo e alma é extremamente importante para cada um de nós, pois revela-nos num mistério o que nos está destinado, uma realidade futura que nos é garantida e que desde já começamos a viver e a delinear na medida da nossa união com Cristo.
Poderíamos assumir que a nossa alma está destinada à glória, à eternidade, e que pela morte física, pela destruição do nosso corpo biológico, seria elevada ao Céu, à fonte e plenitude da sua origem. Pelo contrário, o nosso corpo, constituído da matéria biológica, estaria condenado ao desaparecimento no pó do qual tinha sido retirado.
O mistério da Assunção da Virgem Maria mostra-nos que esta concepção dualista não faz parte dos planos de Deus, do mistério da participação futura na plenitude divina. A Assunção da Virgem Maria mostra-nos, tal como no próprio mistério da Encarnação do Filho, que Deus não despreza o corpo mas que o assume igualmente na glorificação do homem.
Esta realidade acarreta inevitavelmente um conjunto de consequências para o nosso próprio viver, para a nossa relação com o corpo que nos constitui e identifica como pessoas. É pelo corpo que somos e podemos estabelecer relações com Deus e com os outros. É pelo corpo que construímos uma história que nos leva à plenitude ou à frustração.
Assim sendo, e como vemos na visita da Virgem Maria a sua prima Isabel que nos é narrada pelo Evangelho de São Lucas, o nosso corpo com as suas mais diversas dimensões pode e deve ser um instrumento de encontro e de iluminação, um instrumento de revelação da própria acção salvadora de Deus em nós e na história.
A aproximação corporal de Maria a sua prima Isabel revela-lhe o mistério que transporta em si e ilumina o mistério que Isabel também transporta em si. O encontro de ambas é assim a oportunidade para o encontro com a acção de Deus na vida e na história de cada uma delas e da humanidade.  
Neste sentido podemos e devemos interrogar-nos sobre a missão do nosso corpo, sobre a sua dignidade, o reconhecimento assumido que é templo do Espirito Santo, razão pela qual todas as acções e relações corporais têm uma dimensão e um alcance divinos.
E na medida em que vivemos em união com Cristo, como pertença de Cristo pelo mistério da redenção, afinal fomos resgatados por alto preço, vamos desde já possibilitando a integração do corpo na realidade divina da vida gloriosa.
Celebrar a Assunção da Virgem Maria em corpo e alma ao Céu é celebrar a Paixão e Ressurreição de Jesus e contemplar no primeiro fruto, na primeira agraciada, a vitória sobre a morte que a todos nos está prometida pela união íntima com aquele que é o Filho de Deus que se fez homem como nós.

 
Ilustração: “Assunção de Maria”, de Wouter Pietersz Crabeth, Museu de Gouda.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Relemos sempre com satisfação os textos maravilhosos relativos à Solenidade da Assunção da Virgem Maria (para não falar de orarmos diária ou frequentemente e ouvirmos como cântico/oração o”Magnificat”), mas li com muito interesse o texto da Homília que teceu. A festa da Solenidade da Assunção da Virgem Maria dirige-se a cada um de nós, como nos salienta …” Esta convicção e fé na Assunção da Virgem Maria ao Céu em corpo e alma é extremamente importante para cada um de nós, pois revela-nos num mistério o que nos está destinado, uma realidade futura que nos é garantida e que desde já começamos a viver e a delinear na medida da nossa união com Cristo.”…
    Acresce que Frei José Carlos vai mais além, recordando o papel vital do nosso corpo para cada um de nós, na relação com os outros (inclusive para os não-crentes) e com Deus, das responsabilidades pessoais para com o mesmo, para o não sentido da dualidade corpo e alma.
    Como nos afirma …” A Assunção da Virgem Maria mostra-nos, tal como no próprio mistério da Encarnação do Filho, que Deus não despreza o corpo mas que o assume igualmente na glorificação do homem.
    Esta realidade acarreta inevitavelmente um conjunto de consequências para o nosso próprio viver, para a nossa relação com o corpo que nos constitui e identifica como pessoas. É pelo corpo que somos e podemos estabelecer relações com Deus e com os outros. É pelo corpo que construímos uma história que nos leva à plenitude ou à frustração.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, e igualmente pela importância e frontalidade com que abordou o papel do nosso corpo, tão longamente escamoteado nos meios religiosos e reduzido a “nada”, levando-nos a …” interrogar-nos sobre a missão do nosso corpo, sobre a sua dignidade, o reconhecimento assumido que é templo do Espirito Santo, razão pela qual todas as acções e relações corporais têm uma dimensão e um alcance divinos.”
    Bem-haja por recordar-nos que …” Celebrar a Assunção da Virgem Maria em corpo e alma ao Céu é celebrar a Paixão e Ressurreição de Jesus (…).
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno e amigo,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me que partilhe um link, para o cântico/oração “Ave Maria Stella ! Prière à la vierge Marie... musique Erik Berglund "

    http://www.youtube.com/watch?v=A4NNNu9e3MQ

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