domingo, 11 de agosto de 2013

Homilia do XIX Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho de São Lucas que escutámos exorta-nos à vigilância, a estar preparados para a vinda do Senhor, pois não sabemos nem a hora nem o dia. Neste sentido, podemos assumir que o ser cristão, o ser discípulo de Jesus, é um modo de vigilância. A vida cristã está assente nessa necessidade de estar vigilantes e preparados face ao Senhor que vem.
Podemos também assumir que não é uma tarefa fácil, e certamente por essa razão muitos homens e mulheres abdicam de vigiar e esperar o Senhor, consideram até que tal exigência ou necessidade é uma espécie de escravatura.
Como posso afinal viver em constante estado de alerta, em constante vigilância, sacrificando a minha liberdade e até a minha autonomia numa espera que tantas vezes parece infrutífera, inalcançável, pois parece que o Senhor não vem?
A exortação evangélica à vigilância, e nomeadamente no texto de São Lucas que escutámos, está entrelaçada com a bem-aventurança, pois Jesus diz que são felizes aqueles que esperam a vinda do seu Senhor, são felizes aqueles que o Senhor encontrar vigilantes e administrando com justiça os bens que lhe foram consagrados.
A bem-aventurança, a felicidade, não está assim dependente da chegada do Senhor, não é uma recompensa dada à chegada do Senhor, mas é uma realidade e uma condição natural à mesma espera e vigilância. Aquele que vigia é já feliz.
Esta felicidade deriva da atitude de fé, dessa garantia dos bens que se esperam e da certeza das realidades que não se vêem, de que nos falava a Epístola aos Hebreus. Tal como Abraão, Isaac e Jacob acreditaram no que lhes tinha sido prometido, e nessa fé foram felizes, também a nossa caminhada e a vigilância face à expectativa dos bens futuros, ao cumprimento da promessa do senhor que vem , nos garante já a felicidade.
Esta vigilância feliz é possível na medida da fé, mas igualmente na medida em que aquele que vigia e espera reveste o seu coração do sentimento de amor que dá sem medida, sem esperar nada em troca, sem esperar nenhuma recompensa. A felicidade da vigilância está assim associada ao amor que não toma nada para si, ao amor desprendido, ao amor independente, ao amor do Senhor que vem.
O amor do Senhor, que vem sem que o saibamos quando, é assim a primeira e última razão da nossa espera e da nossa vigilância, o único suficiente para salvaguardar a nossa atitude e o nosso amor sem medida e sem condições. É este amor que alimenta a fé e nos faz viver a felicidade da bem-aventurança.
Felicidade que não resulta de uma atitude passiva, de um “dolce fare niente” enquanto se espera, mas bem pelo contrário, é o resultado de uma tarefa árdua de manifestação e desenvolvimento do próprio amor original através do amor aos irmãos.
A vigilância cristã é assim um serviço, um chamamento ao serviço dos irmãos, à semelhança do serviço que o próprio Senhor realizou pelo mistério da sua Encarnação. E por conseguinte é também uma boa administração dos bens que nos foram consagrados, um conjunto de bens e de dons de que não somos proprietários mas apenas administradores.
Na medida em que esses bens e dons são administrados na expectativa da vinda do Senhor, no desejo de lhe prestar o melhor serviço, a felicidade acontece pela própria realização da administração justa e misericordiosa, pela semelhança com a administração amorosa do Senhor.
A vigilância activa e bem-aventurada a que Jesus nos exorta e convida conduz-nos à experiência de uma outra realidade, muito mais geradora de felicidade, a essa experiência do encontro com o Senhor que já não nos trata por servos mas por amigos.
A vigilância cristã é assim um aprofundar da relação, um caminhar na amizade do amigo que vem, e como tal tudo se conjuga e realiza para a felicidade mútua, felicidade que se desfruta desde já na expectativa e na alegria do encontro a acontecer.

 
Ilustração: “Hoje chegou a salvação a esta casa”, desenho a carvão de Alexandre Bida, Walters Art Museum, Baltimore.  

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homília do XIX Domingo do Tempo Comum que teceu é profundo e dá-nos pistas para a compreensão do excerto do Evangelho de S.Lucas, do qual passo a respigar …” A vigilância cristã é assim um serviço, um chamamento ao serviço dos irmãos, à semelhança do serviço que o próprio Senhor realizou pelo mistério da sua Encarnação. E por conseguinte é também uma boa administração dos bens que nos foram consagrados, um conjunto de bens e de dons de que não somos proprietários mas apenas administradores”…

    Peçamos ao Senhor que sejamos verdadeiros testemunhos de Jesus que nos deu tudo, fazendo o caminho com Ele, escutando e praticando a Sua palavra que nos ilumina, administrando e partilhando todos os dons que nos foram dados com os outros para que o mundo seja melhor, mais justo, fraterno e solidário.

    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, por recordar-nos que …” A vigilância cristã é assim um aprofundar da relação, um caminhar na amizade do amigo que vem, e como tal tudo se conjuga e realiza para a felicidade mútua, felicidade que se desfruta desde já na expectativa e na alegria do encontro a acontecer.“
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Votos de uma boa semana.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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