domingo, 18 de agosto de 2013

Homília do XX Domingo do Tempo comum

A leitura que escutámos do Evangelho de São Lucas deixa-nos uma imagem inusitada de um Jesus incendiário e revolucionário, uma imagem que nos custa a associar à mensagem de paz e justiça que Jesus anuncia, ao mandamento do amor a que somos convidados.
Para a compreensão das palavras de Jesus que escutamos neste trecho do Evangelho e desta imagem inusitada temos que inevitavelmente olhar para o contexto em que as mesmas são proferidas, ou seja para o início do capítulo doze deste Evangelho de São Lucas.
No início deste capítulo, e depois da polémica com os fariseus sobre a pureza ritual, Jesus tinha sido convidado para um banquete e não tinha cumprido o ritual das abluções, e da polémica com os doutores da lei sobre os fardos que colocam aos ombros dos outros com os preceitos morais, Jesus chama a atenção dos seus discípulos para o mal da hipocrisia, para o mal da falsidade de vida e da aparência do bem, para o fermento dos fariseus que os discípulos devem evitar.
Neste sentido, e neste contexto, quando Jesus anuncia que vem trazer um fogo à terra e que apenas deseja que ele se ateie e se espalhe por toda a terra, não podemos deixar de assumir que este fogo é o fogo da verdade, da verdade em todas as dimensões do homem e das suas relações.
Jesus deseja profundamente que o homem se encontre com a sua verdade, com a verdade da sua condição humana propensa ao mal mas também cativada pelo bem e pelo belo. Jesus deseja que o homem se encontre com a verdade da relação com Deus, com a verdade da fé e da religião, que não são elementos de obstrução à felicidade do homem mas meios para a sua realização plena. Jesus deseja que o homem se encontre com a verdade dos outros homens e pela partilha construam um outro mundo.
Contudo, Jesus tem também presente, e pela perspectiva que se abre de tragédia na sua vida, que este encontro com a verdade não é fácil, que é potencialmente gerador de conflito e divisão, não só porque a verdade obriga a abdicação de postos e posições mas sobretudo porque a verdade obriga a um caminhar conjunto, a um caminhar solidário no sentido do encontro da verdade que transcende cada um dos caminhantes.
Assim sendo, o projecto da verdade de Jesus exige um combate constante, ou utilizando as palavras da Epístola aos Hebreus, uma resistência até ao sangue, porque de facto não é fácil assumir a verdade com todas as suas consequências, não é fácil prosseguir numa busca que nos leva sempre mais longe e nos abre sempre novos desafios. Para Jesus tal compromisso com a verdade conduziu-o à morte ignominiosa na cruz.
Face ao combate que se apresenta diante dos nossos olhos, o autor da Epístola aos Hebreus deixou-nos como proposta e solução para as dificuldades do mesmo combate a fixação nos olhos de Jesus, a confiança naquele que assumiu levar a verdade até às últimas consequências.
Perante o desânimo, e para que não nos deixemos abater, somos convidados a procurar conforto e apoio pensando no próprio Jesus, no testemunho daquele que suportou todas as ignominias e todo o desprezo, que passou pela morte da cruz, mas está agora sentado à direita de Deus.
Diante destas realidades, percebemos que o capítulo doze do Evangelho de São Lucas, entre o primeiro aviso de Jesus relativamente ao fermento dos fariseus, e estas afirmações incendiárias de Jesus, se componha de parábolas e avisos sobre a necessidade de vigilância. Afinal a busca da verdade exige um vigiar contínuo, uma atenção constante às realidades que nos rodeiam e desafiam, uma resistência activa para que não nos deixemos enganar pelas meias-verdades e pelas aparências.
É esta vigilância e resistência que encontramos na vida de Jeremias, uma fidelidade à verdade que conduz à sua prisão, mas que desperta também num estrangeiro a solidariedade compassiva e a mesma fidelidade à verdade. A fidelidade à verdade arrasta consigo outros que desejam e buscam a mesma verdade, o que nos deve animar ainda mais nesta fidelidade.
Face à Palavra de Deus escutada neste domingo somos confrontados com a necessidade de lutarmos e vivermos pela verdade, enfrentando as suas dificuldades inerentes, mas confiantes, contudo, que aquele em quem colocámos a nossa esperança não nos abandonará pois prometeu estar connosco até ao fim dos tempos.

 
Ilustração: Pormenor de “Jesus diante de Pilatos”, de Mihály Munkácsy, Galeria Nacional da Hungria.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Bem-haja por ajudar-nos na compreensão das palavras de Jesus que escutámos neste excerto do Evangelho de São Lucas que numa primeira abordagem surpreendem-nos e fazem-nos interrogar sobre a finalidade das mesmas.
    Como nos salienta, … “quando Jesus anuncia que vem trazer um fogo à terra e que apenas deseja que ele se ateie e se espalhe por toda a terra, não podemos deixar de assumir que este fogo é o fogo da verdade, da verdade em todas as dimensões do homem e das suas relações” e (…) ” Jesus tem também presente, e pela perspectiva que se abre de tragédia na sua vida, que este encontro com a verdade não é fácil, que é potencialmente gerador de conflito e divisão, não só porque a verdade obriga a abdicação de postos e posições mas sobretudo porque a verdade obriga a um caminhar conjunto, a um caminhar solidário no sentido do encontro da verdade que transcende cada um dos caminhantes.”…
    Como nos afirma …” Jesus deseja que o homem se encontre com a verdade dos outros homens e pela partilha construam um outro mundo”, o que pressupõe o desejo e uma luta indidual e colectiva, difícil, geradora de avanços e recuos, desistências, conflitos a todos os níveis. A construção do projecto de Jesus, “combate” que se trava ao longo da vida, implica acreditar, confiar, e como nos diz …” Perante o desânimo, e para que não nos deixemos abater, somos convidados a procurar conforto e apoio pensando no próprio Jesus, no testemunho daquele que suportou todas as ignominias e todo o desprezo, que passou pela morte da cruz, mas está agora sentado à direita de Deus”. …
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homília do XX Domingo do Tempo Comum que teceu, muito profundo, maravilhosamente ilustrada, que nos transmite confiança e coragem para continuar o projecto de Jesus, que nos ajuda a acreditar que o fogo ateado por Jesus é um fogo de verdade e de amor que não se extingue, por exortar-nos …a” lutarmos e vivermos pela verdade, enfrentando as suas dificuldades inerentes, mas confiantes, contudo, que aquele em quem colocámos a nossa esperança não nos abandonará pois prometeu estar connosco até ao fim dos tempos”.
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
    Desejo que tenha tido um bom domingo e votos de uma boa semana.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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