A leitura que escutámos
do Evangelho de São Lucas deixa-nos uma imagem inusitada de um Jesus
incendiário e revolucionário, uma imagem que nos custa a associar à mensagem de
paz e justiça que Jesus anuncia, ao mandamento do amor a que somos convidados.
Para a compreensão das
palavras de Jesus que escutamos neste trecho do Evangelho e desta imagem
inusitada temos que inevitavelmente olhar para o contexto em que as mesmas são
proferidas, ou seja para o início do capítulo doze deste Evangelho de São
Lucas.
No início deste
capítulo, e depois da polémica com os fariseus sobre a pureza ritual, Jesus
tinha sido convidado para um banquete e não tinha cumprido o ritual das
abluções, e da polémica com os doutores da lei sobre os fardos que colocam aos
ombros dos outros com os preceitos morais, Jesus chama a atenção dos seus discípulos
para o mal da hipocrisia, para o mal da falsidade de vida e da aparência do
bem, para o fermento dos fariseus que os discípulos devem evitar.
Neste sentido, e neste
contexto, quando Jesus anuncia que vem trazer um fogo à terra e que apenas
deseja que ele se ateie e se espalhe por toda a terra, não podemos deixar de
assumir que este fogo é o fogo da verdade, da verdade em todas as dimensões do
homem e das suas relações.
Jesus deseja
profundamente que o homem se encontre com a sua verdade, com a verdade da sua
condição humana propensa ao mal mas também cativada pelo bem e pelo belo. Jesus
deseja que o homem se encontre com a verdade da relação com Deus, com a verdade
da fé e da religião, que não são elementos de obstrução à felicidade do homem
mas meios para a sua realização plena. Jesus deseja que o homem se encontre com
a verdade dos outros homens e pela partilha construam um outro mundo.
Contudo, Jesus tem
também presente, e pela perspectiva que se abre de tragédia na sua vida, que
este encontro com a verdade não é fácil, que é potencialmente gerador de
conflito e divisão, não só porque a verdade obriga a abdicação de postos e
posições mas sobretudo porque a verdade obriga a um caminhar conjunto, a um
caminhar solidário no sentido do encontro da verdade que transcende cada um dos
caminhantes.
Assim sendo, o
projecto da verdade de Jesus exige um combate constante, ou utilizando as
palavras da Epístola aos Hebreus, uma resistência até ao sangue, porque de
facto não é fácil assumir a verdade com todas as suas consequências, não é
fácil prosseguir numa busca que nos leva sempre mais longe e nos abre sempre
novos desafios. Para Jesus tal compromisso com a verdade conduziu-o à morte
ignominiosa na cruz.
Face ao combate que se
apresenta diante dos nossos olhos, o autor da Epístola aos Hebreus deixou-nos
como proposta e solução para as dificuldades do mesmo combate a fixação nos
olhos de Jesus, a confiança naquele que assumiu levar a verdade até às últimas consequências.
Perante o desânimo, e
para que não nos deixemos abater, somos convidados a procurar conforto e apoio
pensando no próprio Jesus, no testemunho daquele que suportou todas as
ignominias e todo o desprezo, que passou pela morte da cruz, mas está agora
sentado à direita de Deus.
Diante destas
realidades, percebemos que o capítulo doze do Evangelho de São Lucas, entre o
primeiro aviso de Jesus relativamente ao fermento dos fariseus, e estas
afirmações incendiárias de Jesus, se componha de parábolas e avisos sobre a
necessidade de vigilância. Afinal a busca da verdade exige um vigiar contínuo,
uma atenção constante às realidades que nos rodeiam e desafiam, uma resistência
activa para que não nos deixemos enganar pelas meias-verdades e pelas
aparências.
É esta vigilância e
resistência que encontramos na vida de Jeremias, uma fidelidade à verdade que
conduz à sua prisão, mas que desperta também num estrangeiro a solidariedade compassiva
e a mesma fidelidade à verdade. A fidelidade à verdade arrasta consigo outros
que desejam e buscam a mesma verdade, o que nos deve animar ainda mais nesta
fidelidade.
Face à Palavra de Deus
escutada neste domingo somos confrontados com a necessidade de lutarmos e
vivermos pela verdade, enfrentando as suas dificuldades inerentes, mas confiantes,
contudo, que aquele em quem colocámos a nossa esperança não nos abandonará pois
prometeu estar connosco até ao fim dos tempos.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarBem-haja por ajudar-nos na compreensão das palavras de Jesus que escutámos neste excerto do Evangelho de São Lucas que numa primeira abordagem surpreendem-nos e fazem-nos interrogar sobre a finalidade das mesmas.
Como nos salienta, … “quando Jesus anuncia que vem trazer um fogo à terra e que apenas deseja que ele se ateie e se espalhe por toda a terra, não podemos deixar de assumir que este fogo é o fogo da verdade, da verdade em todas as dimensões do homem e das suas relações” e (…) ” Jesus tem também presente, e pela perspectiva que se abre de tragédia na sua vida, que este encontro com a verdade não é fácil, que é potencialmente gerador de conflito e divisão, não só porque a verdade obriga a abdicação de postos e posições mas sobretudo porque a verdade obriga a um caminhar conjunto, a um caminhar solidário no sentido do encontro da verdade que transcende cada um dos caminhantes.”…
Como nos afirma …” Jesus deseja que o homem se encontre com a verdade dos outros homens e pela partilha construam um outro mundo”, o que pressupõe o desejo e uma luta indidual e colectiva, difícil, geradora de avanços e recuos, desistências, conflitos a todos os níveis. A construção do projecto de Jesus, “combate” que se trava ao longo da vida, implica acreditar, confiar, e como nos diz …” Perante o desânimo, e para que não nos deixemos abater, somos convidados a procurar conforto e apoio pensando no próprio Jesus, no testemunho daquele que suportou todas as ignominias e todo o desprezo, que passou pela morte da cruz, mas está agora sentado à direita de Deus”. …
Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homília do XX Domingo do Tempo Comum que teceu, muito profundo, maravilhosamente ilustrada, que nos transmite confiança e coragem para continuar o projecto de Jesus, que nos ajuda a acreditar que o fogo ateado por Jesus é um fogo de verdade e de amor que não se extingue, por exortar-nos …a” lutarmos e vivermos pela verdade, enfrentando as suas dificuldades inerentes, mas confiantes, contudo, que aquele em quem colocámos a nossa esperança não nos abandonará pois prometeu estar connosco até ao fim dos tempos”.
Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
Desejo que tenha tido um bom domingo e votos de uma boa semana.
Bom descanso.
Um abraço fraterno e amigo,
Maria José Silva