A ida de Jesus a casa de Jairo, um piedoso chefe de sinagoga, é a oportunidade para o Evangelista São Marcos nos relatar de uma forma imbricada dois milagres de Jesus, dois acontecimentos extraordinários mas ligados pela mesma fé, porque é a fé de Jairo que o leva a solicitar a ida de Jesus a sua casa e é a fé da mulher que a leva temerosa a aproximar-se de Jesus para o tocar e ficar curada.
Estes dois milagres revelam no entanto uma outra realidade para além da fé, a realidade da missão salvadora de Jesus tanto para o povo escolhido, o povo hebreu simbolizado naquela mulher que sofre de um fluxo há doze anos, e toda a humanidade simbolizada na filha de Jairo que possui também ela doze anos. O número doze faz assim de elemento de aglutinação dos dois milagres mas também de símbolo de duas realidades humanas e históricas.
Neste sentido é interessante a descrição da cura da mulher que sofre de um fluxo de sangue, algo que a tornava impura face às leis de Moisés. Ela vem com fé, atravessando a multidão, mas com medo, sem querer enfrentar Jesus e esperançada no toque na fímbria do manto.
A duração da sua doença, há doze anos, remete-nos para as doze tribos de Israel, mas também a sua busca sem capacidade de olhar de frente o Senhor nos remete para tantas passagens da antiga Aliança na qual Deus se revela mas ninguém o pode ver face a face. É sempre pelas costas que o povo se pode aproximar do Senhor.
E depois também não o pode tocar directamente, porque esse Deus em que acredita, esse Deus da Aliança do Sinai se esconde e protege numa arca, num templo, e por detrás de um véu que só este Jesus terá capacidade de rasgar de alto a baixo.
A mulher tem realmente fé em Jesus, acredita no poder curador e salvador de Jesus, mas vem até ele condicionada pelos preconceitos da própria fé em Deus, pelos dados da tradição e de toda uma história na qual Deus se tinha revelado próximo mas intocável.
No caso da filha de Jairo, a situação é já diversa, porque é o seu pai que vem solicitar a intervenção de Jesus, intervenção que se torna desnecessária na medida em que a menina deixa de viver. É alguém completamente excluído, uma morta, que simboliza a humanidade que se encontra morta ou adormecida no seu desconhecimento de Deus e da sua salvação.
Contudo, é ela que representa o maior desafio e a maior graça porque ainda que nessa situação Jesus chega junto dela e manda-a levantar, manda-a erguer-se, retomar a vida e a relação com Deus. E é com ternura que vemos Jesus dar-lhe a mão para que se levante e ordenar que lhe dêem de comer.
Esta ordem de ressurreição e dignificação e este gesto de ternura conduzem-nos à idade da menina, doze anos, a idade do noivado, do casamento, que metaforicamente Jesus celebra com toda a humanidade através dela. Jesus vem salvar também todos os homens e mulheres, erguê-los da sua condição de mortalidade e fá-lo com uma oferta de relação, com amor e desejo, com proximidade e sem medo de tocar ou olhar.
Assim, somos também nós convidados a erguer-nos das nossas debilidades, das nossas situações de morte, a tocar Jesus pela nossa fé, sem medo e de frente, porque é ele que nos estende a mão com amor e nos ordena que o façamos com amor.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarObrigada por nos recordar que ...” Jesus vem salvar também todos os homens e mulheres, erguê-los da sua condição de mortalidade e fá-lo com uma oferta de relação, com amor e desejo, com proximidade e sem medo de tocar ou olhar”, e por exortar-nos …” a erguer-nos das nossas debilidades, …, a tocar Jesus pela nossa fé, sem medo e de frente, porque é ele que nos estende a mão com amor e nos ordena que o façamos com amor”.
Obrigada por esta partilha profunda, ilustrada de forma tão bela e terna. Bem haja.
Um abraço fraterno
Maria José Silva