sexta-feira, 3 de abril de 2009

FESTA DOS ESTIGMAS DE SANTA CATARINA


AINDA A FESTA DOS ESTIGMAS DE SANTA CATARINA DE SENA
1 DE ABRIL

A notícia que Frei José da Natividade dá no “Agiológio Dominico” sobre a origem da Festas das Chagas de Santa Catarina de Sena, narra também a estigmatização ocorrida em Pisa em 1375. É esse acontecimento e consequente narração que está na origem da principal representação iconográfica de Santa Catarina de Sena. Por isso o trazemos aqui.

“Faltavam cinco meses, e dezoito dias para completar-se um lustro, depois que a nossa Seráfica Virgem, e Doutora gozou aquele grande benefício, com que a favoreceu o seu Amabilíssimo Jesus; e entrando o verão do ano de 1375, achando-se a fidelíssima serva de Deus na cidade de Pisa com outras suas companheiras, e com o Beato Raimundo de Cápua (que era agora o seu Confessor) e todos viviam em uma casa próxima à igreja de Santa Cristina, foi este mesmo sagrado templo o digno teatro das glórias da nossa maior Heroína.
Entrava aquele Abril lisonjeando a terra com flores, e os ânimos com esperanças, e Catarina para quem o Abril das virtudes era igualmente perpétuo que florescente para dar a este mês o princípio, a que dirigia todas as suas acções, buscou no Sacramento da Flor da vara de Jessé, o imarcescível Lírio dos Vales, a cuja duração todas as quadras do ano são primaveras, por ser superior aos gelos do inverno, e aos calores do estio, que tão longe estão de fazer-lhe ofensa, que antes (como cantavam os meninos da fornalha) são tributários dos seus louvores.
Acabou a nossa grande Dominicana de comungar, e dali a pouco perdeu o uso dos sentidos, ficando em um puro delíquio espiritual. Estavam presentes algumas pessoas; e todas com o Beato Raimundo presenciaram que no princípio deste maravilhoso rapto se elevava no ar, assim de joelhos como estava, a serva de Deus, cujo rosto parecia uma brasa viva, e nesta elevação persistiu com os braços abertos ao modo de cruz por algum tempo, até que caiu em terra com sintomas de se lhe haver atravessado o coração.
Acordou, como de um sono, Catarina, e chamando ao Beato Raimundo, lhe disse em muito segredo: Não quero encobrir a Vossa Paternidade o mimo que agora acaba o meu amorosíssimo Esposo de fazer-me; é tão bom este Senhor, que pondo de parte os meus deméritos, se dignou estampar no meu corpo as suas preciosíssimas Chagas.
Diga-me (tornou o Beato Raimundo) de que modo lhe participou o Senhor uma graça tão sublime?
Vi (replicou obediente) que meu Senhor Crucificado me buscava cheio de tanta luz, e majestade, que faltando-me as forças para beber os raios da sua amabilíssima Presença, caí por terra, vendo clara e distintamente que das Mãos, do Lado, e dos Pés de meu Senhor saíam a ferir-me o coração, mãos e pés cinco fios do seu Divino Sangue. Como eu entendi que meu Celestial Esposo queria honrar-me com um distintivo que igualmente me excita à confusão, que ao agradecimento, clamei, e exclamei deste modo: Oh meu Amorosíssimo Senhor, já vejo até onde quereis realçar a minha indignidade; eis me aqui tendes rendida às vossas disposições; somente vos peço que pois vos inclinais a abrir em tão indecente barro os extremosos sinais da redenção humana, que fique oculto esse admirável testemunho das vossas finezas aos olhos do mundo; padeça eu os sensíveis efeitos das vossas Chagas, mas fiquem estas invisíveis no meu corpo; porque assaz favor me fazeis em dar-me que penar, para se quer em alguma coisa vos corresponder.
Acabei de fazer esta súplica, e imediatamente vi, que aquelas cinco linhas sanguíneas tomavam aparência de flávas [douradas], e chegando ao meu peito, mãos e pés ao modo de cinco puríssimos raios de luz, me abriram outras cinco profundíssimas chamas. A dor que me causam é muito aprazível; mas tão veemente que se não me vale a Providência de quem me feriu com sobrenaturais alentos, não bastarão os naturais para que eu possa viver: porque atormentando-me com suma intenção as mãos e pés, não é dizível o que padeço no coração, aonde me parece que se tem acastelado todas as ânsias e todas as penas.
Assim falou Catarina; e pouco tardou em verificar-se o que acabava de dizer, caindo em um desmaio tão rigoroso, que ainda o mesmo Beato Raimundo, que era tão experimentado nos raptos desta sua filha espiritual, ficou agora muito temeroso da sua morte; e aconselhou aos que estavam presentes que todos uniformemente pedissem a sua Divina Majestade, que não os privasse tão intempestivamente da piíssima comunicação de sua serva, e até determinou a esta mesma para que fosse mais bem ouvida a Oração, que rogasse a seu Amado Esposo, que lhe concedesse mais larga vida para ganhar mais almas para o céu.
E ainda que a Seráfica Santa estava tão prostrada, o amor que tinha à santa obediência lhe deu esforço para acompanhar a comum deprecação de seus devotos; e não era passado muito tempo, quando Catarina falou assim ao seu Confessor: Não sei, meu Padre, se me devo queixar, ou se hei-de agradecer, atento o preceito que Vossa Paternidade pouco há me impôs; porque quem me tira de morrer, também me retira de gozar; mas dilate-se me muito em hora esta felicidade até quando meu Deus for servido; porque somente o que Ele quer é que eu quero. Bendita seja a sua Grandeza e Majestade, que não desprezou a minha humilde e imperfeita oração, deferindo favoravelmente aos desejos de Vossa Paternidade. Queira Ele que eu gaste dignamente em seu serviço o tempo que me prorroga.
Cumpriu-se a promessa Divina; porque no domingo seguinte, que se contavam oito de Abril, buscou a Bem-Aventurada serva de Deus seu Sacramentado Esposo, a quem recebeu com pureza e amor de um Serafim; e deste dia em diante ficou muito aliviada, e restituída da sua primeira aptidão para prosseguir, como prosseguiu, as meritórias operações das suas virtudes.
Ficaram impressas as chagas, se bem que ainda que se negavam aos olhos, não se ficavam estes em total carência desta maravilha; porque muitas vezes conheceram os seus prodigiosos efeitos, especialmente nas sextas-feiras, que (segundo alguns autores) era quando se lhe avivava com mais excesso o seu tormento”[1].
[1] NATIVIDADE, Frei José da – Agiologio Dominico, Tomo Sexto. Lisboa, Na Officina de Manoel Soares, 1750, 2-4.

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