domingo, 5 de abril de 2009

DOMINGO DE RAMOS HOMILIA


DOMINGO DE RAMOS –Ciclo B – Homilia

Quando Samuel estava a terminar os dias da sua vida, os anciãos de Israel foram ter com ele e pediram-lhe um rei. Os filhos que Samuel tinha instituído como juízes do povo tinham-se deixado corromper, tinham-se deixado levar pela avareza e portanto tinham-se tornado indignos da missão que seu pai lhes havia atribuído. Para além disso, o povo queria ser como os outros povos, queria ter um rei como os outros povos, alguém que administrasse a justiça e que caminhasse à frente do povo nos combates das guerras.
Esse pedido dos anciãos do povo, de um rei que os governasse, não agradou a Samuel, e para os tentar mudar de ideias apresentou-lhes os direitos que um futuro rei exigiria, os deveres a que o povo se submeteria. Contudo, tal não foi suficiente para demover os anciãos de quererem um rei e Samuel, por revelação de Deus, acedeu a conceder-lhes o rei solicitado. A história bíblica conta as desilusões que o povo sofreu com os reis demasiado humanos que sucederam a David, o rei que se apresenta como modelo da realeza, apesar de todas as suas infidelidades.
Os contemporâneos de Jesus procuravam também um rei, alguém que correspondesse à promessa do rei Messias e que levantasse o povo contra o jugo do império romano. O milagre da multiplicação dos pães, que São João narra no capítulo sexto do seu Evangelho, foi visto por muitos como a manifestação do rei Messias esperado e por isso após o milagre um grupo procura Jesus para o fazer rei. Perante este desejo e à equivocação daqueles que o procuravam Jesus refugia-se na montanha e escapa à entronização. A fuga de Jesus está relacionada com a divisão que existia entre os judeus sobre o papel exacto desse rei, profeta e Messias. Jesus foge porque ele não é profeta como era esperado pelo povo que fosse, ele foge porque não é rei como a multidão esperava que ele fosse.
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e que a liturgia comemora neste Domingo de Ramos, torna-se assim de alguma forma enigmática e paradoxal, uma vez que contradiz a atitude geral de Jesus de recusar esse tipo de manifestação, de assumir as expectativas erradas das pessoas.
Para a compreender temos que ter presente que ela acontece após a ressurreição de Lázaro em Betânia, a realização do último sinal revelador da messianidade e realeza de Jesus. Quase que podemos afirmar que o cortejo triunfal começou em Betânia e que é dali que trazem Jesus para Jerusalém para ser coroado rei.
A entrada em Jerusalém é triunfal e os cânticos e gritos da multidão proclamam a realeza de Jesus, realeza que se inscreve na tradição bíblica, pois este rei é já anunciado nos Salmos e é do Salmo 118 que a populaça retira os gritos de louvor. A multidão reserva a Jesus uma recepção que se pode qualificar de três modos, real, aderente e eufórica. É uma recepção real na medida em que pelas suas aclamações se reconhece Jesus como rei de Israel, em virtude de uma missão que Deus lhe conferiu. É uma recepção aderente na medida em que a multidão aceita essa missão real e se submete espontaneamente a ela. É uma recepção eufórica porque é na alegria que é celebrada a chegada do rei, e portanto toda a dor e sofrimento estão banidos e esquecidos.
Entre a multidão delirante e o hóspede, o rei que chega, parece assim estabelecer-se um acordo sobre o papel de cada elemento. Jesus assume-se no papel de rei enquanto que a multidão se assume como o povo de Israel. A realeza que preside ao momento da entrada real continua assim de forma ambígua, mas ao contrário do momento imediatamente a seguir à multiplicação dos pães, Jesus aqui não foge, bem pelo contrário, assume a sua condição real.
Esta mudança no comportamento de Jesus prende-se com o facto de que a entrada em Jerusalém nesta condição é inevitável, a entrada messiânica é um processo obrigatório para o Messias, e portanto Jesus submete-se a esse processo, reservando-se para mais tarde o direito e a possibilidade de esclarecer o tipo de realeza que estava disposto a encarnar e viver. A referência às Escrituras e à incompreensão por parte dos discípulos antes da ressurreição demonstram claramente a distância que existia entre a escolha de Jesus e as expectativas da multidão sobre a forma de ser rei.
A realeza manifestada neste acontecimento compreende-se quando temos presente a referência à profecia de Zacarias e a entrada de Jesus em Jerusalém montado num jumentinho, filho de uma jumenta. Ao entrar desta forma, e ainda que com símbolos de guerra como são as folhas de palmeira desde o tempo dos Macabeus, Jesus apresenta-se como um príncipe da paz. A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém é a entrada triunfal do príncipe da paz e neste sentido a entrada triunfal do Messias, do Filho de Deus, ainda que esta acepção e leitura só se possa fazer depois da ressurreição.
Acompanhemos Jesus nesta entrada, não de forma equivocada, com expectativas ou esperanças humanas de poder, mas com o espírito de construtores da paz com que Jesus entrou e se deixou aclamar.

Sem comentários:

Enviar um comentário