sábado, 11 de abril de 2009

Meditação do Silêncio de Sábado Santo


O DIA DO SILÊNCIO

Depois dos gritos dos chefes pedindo a morte, da multidão exaltada e violenta, do choro das mulheres que compreendem a perda de uma vida inocente, dos ferros das armas e dos cascos dos cavalos romanos, do som do martelo sobre o ferro dos cravos, do grito alucinante da expiração, o silêncio, o grande silêncio. Tudo está consumado, tudo foi feito, cumpriu-se tudo o que tinha sido prometido e anunciado.
Aos poucos cada um vai-se retirando, voltando à rotina do comum, à preparação da grande festa que se seguia. Vivemos todos entre a tragédia do sofrimento e da morte e a alegria da festa e do prazer. Uns quantos, encarregues das últimas tarefas, retiram os corpos dos troncos do suplício, os corpos não podiam ficar ali expostos no dia da grande festa.
A família e alguns amigos, uns amigos até então pouco conhecidos, amigos secretos por medo, vieram e recolheram o corpo de Jesus e deram-lhe a sepultura, colocaram-no no lugar do grande silêncio, para o grande silêncio. Depois disso cada um deles voltou ao seu silêncio. Nada havia ainda a dizer, apenas a sua consciência podia falar alguma coisa, podia falar do amor e da traição, da fidelidade e da infidelidade.
Nicodemos recolheu-se a sua casa e durante a noite interrogou-se sobre o nascimento, esse novo nascimento de que Jesus lhe tinha falado uma noite, quando o tinha visitado secretamente. Seria possível nascer de novo? Como se poderá nascer de novo? No fundo o grande desejo de nascer novamente, de nascer para a verdade da vida e da fé naquele homem que agora jaz no silêncio do sepulcro. Em cada momento, e perante a verdade, podemos sempre nascer de novo, aceitando-a e assumindo-a, não vacilando nem fugindo.
João, o jovem João, que tinha assistido a tudo, que se tinha mantido fiel recolheu-se também a casa. O que se tinha passado? Quem era ele agora? Um filho, o substituto do filho. Estava incumbido de uma missão, ser o filho, mas o que significava isso? E como podia ele viver agora, naquele grupo de homens mais velhos, com essa missão e sem a protecção e o amor daquele que os tinha chamado e escolhido para partilharem da sua missão e do seu amor. A memória do amor será a salvação, será a âncora da fidelidade.
Pedro, que chora, que chora dolorosa e desesperadamente, está com ele, partilha o mesmo tecto. Como tinha sido infiel, como tinha traído o Senhor, ele que tanto tinha feito galanteria de o seguir para onde quer que fosse. Quando tudo está bem é tão fácil seguir o Mestre, querer dar a vida por ele, mas quando o perigo aperta como se faz tudo tão mais difícil e a nossa vida muito mais significativa e imprescindível.
E agora, como poderei viver? Porque afinal há em mim um amor por aquele homem, pelo seu projecto que não me deixa tranquilo. Não é o poder pelo qual todos nós sonhámos, no qual acreditámos que viria a ser nosso, não, é essa certeza de ter confessado a sua natureza divina, não por minha capacidade, mas pela força do Espírito. Tu és o Messias! E logo a seguir deixei de ser quem era para passar a ser Pedro, e sobre mim caiu a responsabilidade de animar a confissão dos outros. Como é possível agora, depois de tanta traição, depois de o ter negado não na divindade mas na inocência da sua humanidade?
Maria, ajudada pelas outras mulheres que a tinham acompanhado recolheu também a chorar a dor da perda do filho. Tinha sido demasiado, demasiado ódio, demasiada violência, demasiada humilhação, e o seu filho não merecia isso. Que mal tinha feito ele? Querer o bem dos homens? Que partilhassem a sua liberdade de Filho de Deus? Que mal há nisso para se ser condenado à morte? A dor trespassa o seu coração como uma espada.
Maria Madalena está ali. Depois de terem fechado a pedra do sepulcro continuou ali. Está atónita, sem saber o que fazer, o que pensar, para onde ir. Aquele que a tinha liberto dos seus demónios, que a tinha salvo da sua vida de perdição está também ali, encerado num túmulo escavado na pedra. As palavras que a dignificaram estão agora apenas na memória e no silêncio do desespero da perda. Maria Madalena perdeu o seu Mestre e amigo e nada pode fazer, mas também não pode ausentar-se dali, seria perder o corpo daquele que a amou, que afinal é o pouco que lhe resta.
Maria Madalena permanece no silêncio junto ao túmulo, não à espera da ressurreição pois não sabe ainda o que isso é, virá a saber dentro de pouco, mas permanece para viver a perda, o seu luto. Não pode deixar de o viver.
Do outro lado do silêncio a grande revolução, a batalha final do combate em que a vida vence a morte. È necessário descer até ao mais profundo, ao mais recôndito e escondido, para que a morte seja total, para que nada fique fora da nova vida e criação que se gera.

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