MADRE SÃO JOÃO DE BRITO
Há pessoas que nos marcam, por aquilo que nos dizem, por aquilo que nos fizeram, ou até por aquilo que deixaram de nos fazer. Há outras pessoas, homens e mulheres que nos marcam apenas pela sua existência, apenas pelo facto de se cruzarem connosco. A sua pessoa entra-nos pelos olhos e mesmo sem querer deixam-nos marcados.
Foi assim com esta mulher, com a Madre São João de Brito, quando a vi pela primeira vez. Entrava na sala com uma leveza, com o que hoje chamamos um “estilo”, que não pode deixar ninguém indiferente. Via-se imediatamente que era alguém diferente, uma mulher com peso, com uma vida cheia e certamente plena.
O hábito branco de Dominicana de Santa Catarina de Sena, o sapato preto e a meia branca. Interrogo-me se algum dia se terá apresentado publicamente sem ser desta forma. À volta do pescoço um cachecol branco, porque a grande casa do Ramalhão, o antigo palácio da rainha Carlota Joaquina, é um lugar frio ainda neste tempo de primavera; e as correntes de ar também abundam. Numa troca de palavras disse-me que o cachecol era o seu distintivo, aquilo que podemos chamar a sua imagem de marca.
Mas não, não podemos dizer que o cachecol é a sua imagem de marca; a sua verdadeira imagem de marca é essa linha de estátua clássica, esse olhar cálido no qual baila um brilho que busca uma resposta, um rosto, alguém com quem partilhar ainda algum sonho. A sua imagem de marca é esse ar de nobreza que lhe é tão natural, essa atenção para com o outro que se lhe apresenta diante, a solicitude mostrada na atenção e preocupação se já temos um café para tomar.
Foi Madre Geral da Congregação, durante doze anos, certamente doze anos difíceis. Hoje, nos seus oitenta e poucos anos não cuida já da Congregação, cuida e acalenta a irmã, irmã mais nova de sangue, com quem partilha os dias e lhe dá algum que fazer. Os problemas de saúde trazem-nos por vezes cruzes que apesar da nossa fortaleza nos custam a levar. A irmã, a Santa Rosa de Viterbo, é essa cruz, que é levada com carinho, com respeito de quem é mais velha e foi superior, mas há momentos em que as forças e a paciência já não dão mais. O peso dos anos e do cuidado vão vergando um pouco a coluna e retirando algum brilho que em outros tempos certamente lhe moldava o rosto.
Considera-se uma conservadora e por essa razão pede desculpa por chegar atrasada ao Oficio Coral. Não acredito que seja por vontade própria, é certamente a responsabilidade do cuidado dos outros. Contudo, este pedido de desculpas afirma uma centralidade, um núcleo essencial, um conjunto de valores que perdemos com a correria do tempo e a forma tão pouco briosa como fazemos as coisas, até as coisas de Deus. Quantas coisas perdemos no caminho, práticas rituais, símbolos, tradições e como é bom revivê-las e por momentos passar-nos pela cabeça a imagem do coro cheio de jovens noviças, de um futuro promissor, futuro que afinal já está no passado e hoje se mostra tão complexo e difícil.
É este mesmo núcleo, esta centralidade que a faz, não digo queixar-se, mas lamentar-se da falta de formação musical, de formação intelectual, da pobreza com que hoje quase todos nós somos formados na vida religiosa dominicana. Já nem sabemos cantar as antífonas ou hinos tão ancestrais como a devoção aos nossos fundadores. É difícil, e ela própria o reconhece, saber quem formar e em que formar. Enquanto foi alguém com poder teve que enfrentar esse dilema e as objecções, em relação a uma outra irmã, daquelas que a deviam aconselhar e apoiar no enriquecimento da congregação.
A formação é fundamental, a todos os níveis, e por isso se interessa ainda tanto por ler, por escutar, mesmo que de um irmão mais novo e a dar os primeiros passos num caminho já largamente trilhado por ela. As páginas do caderno de notas que virava, enquanto proferia as minhas palavras, denunciavam esta necessidade, este desejo. Um dominicano ou dominicana não serve a Ordem nem a Igreja sem formação, e ela quer ainda servir na pobreza da sua idade avançada. Ela que já serviu, como todos nós servimos ou queremos servir, com defeitos e qualidades, com decisões acertadas e outras completamente desastrosas, procura ainda servir com a sua história e a sua experiência.
E quanto temos nós que aprender destas mulheres e destes homens que fizeram a história, a mais remota e a mais recente, das nossas congregações e Ordens. Temos que aprender com os erros, para não os repetir, e temos que aprender com as decisões acertadas, com o que construíram e nos legam, para que as suas vidas não tenham sido em vão e as nossas também não sejam.
A Madre São João de Brito marcou-me neste breve contacto com ela, pela sua extrema dignidade e nobreza, temperadas com a humildade e a caridade. O Apóstolo São Paulo diz que somos embaixadores de Cristo, e como tal não devíamos prescindir na nossa vida desta dignidade e nobreza, moldadas pela humildade e caridade.
Agradeço a Deus esta mulher e a sua vida, o que me ensinou em tão pouco tempo e quase sem dizer palavra. Esta é a minha pequena homenagem a ela e às irmãs que com ela compõem o quadro que tive o privilégio de contemplar e partilhar nestes seis últimos dias. Obrigado meu Deus, obrigado minhas irmãs.
Há pessoas que nos marcam, por aquilo que nos dizem, por aquilo que nos fizeram, ou até por aquilo que deixaram de nos fazer. Há outras pessoas, homens e mulheres que nos marcam apenas pela sua existência, apenas pelo facto de se cruzarem connosco. A sua pessoa entra-nos pelos olhos e mesmo sem querer deixam-nos marcados.
Foi assim com esta mulher, com a Madre São João de Brito, quando a vi pela primeira vez. Entrava na sala com uma leveza, com o que hoje chamamos um “estilo”, que não pode deixar ninguém indiferente. Via-se imediatamente que era alguém diferente, uma mulher com peso, com uma vida cheia e certamente plena.
O hábito branco de Dominicana de Santa Catarina de Sena, o sapato preto e a meia branca. Interrogo-me se algum dia se terá apresentado publicamente sem ser desta forma. À volta do pescoço um cachecol branco, porque a grande casa do Ramalhão, o antigo palácio da rainha Carlota Joaquina, é um lugar frio ainda neste tempo de primavera; e as correntes de ar também abundam. Numa troca de palavras disse-me que o cachecol era o seu distintivo, aquilo que podemos chamar a sua imagem de marca.
Mas não, não podemos dizer que o cachecol é a sua imagem de marca; a sua verdadeira imagem de marca é essa linha de estátua clássica, esse olhar cálido no qual baila um brilho que busca uma resposta, um rosto, alguém com quem partilhar ainda algum sonho. A sua imagem de marca é esse ar de nobreza que lhe é tão natural, essa atenção para com o outro que se lhe apresenta diante, a solicitude mostrada na atenção e preocupação se já temos um café para tomar.
Foi Madre Geral da Congregação, durante doze anos, certamente doze anos difíceis. Hoje, nos seus oitenta e poucos anos não cuida já da Congregação, cuida e acalenta a irmã, irmã mais nova de sangue, com quem partilha os dias e lhe dá algum que fazer. Os problemas de saúde trazem-nos por vezes cruzes que apesar da nossa fortaleza nos custam a levar. A irmã, a Santa Rosa de Viterbo, é essa cruz, que é levada com carinho, com respeito de quem é mais velha e foi superior, mas há momentos em que as forças e a paciência já não dão mais. O peso dos anos e do cuidado vão vergando um pouco a coluna e retirando algum brilho que em outros tempos certamente lhe moldava o rosto.
Considera-se uma conservadora e por essa razão pede desculpa por chegar atrasada ao Oficio Coral. Não acredito que seja por vontade própria, é certamente a responsabilidade do cuidado dos outros. Contudo, este pedido de desculpas afirma uma centralidade, um núcleo essencial, um conjunto de valores que perdemos com a correria do tempo e a forma tão pouco briosa como fazemos as coisas, até as coisas de Deus. Quantas coisas perdemos no caminho, práticas rituais, símbolos, tradições e como é bom revivê-las e por momentos passar-nos pela cabeça a imagem do coro cheio de jovens noviças, de um futuro promissor, futuro que afinal já está no passado e hoje se mostra tão complexo e difícil.
É este mesmo núcleo, esta centralidade que a faz, não digo queixar-se, mas lamentar-se da falta de formação musical, de formação intelectual, da pobreza com que hoje quase todos nós somos formados na vida religiosa dominicana. Já nem sabemos cantar as antífonas ou hinos tão ancestrais como a devoção aos nossos fundadores. É difícil, e ela própria o reconhece, saber quem formar e em que formar. Enquanto foi alguém com poder teve que enfrentar esse dilema e as objecções, em relação a uma outra irmã, daquelas que a deviam aconselhar e apoiar no enriquecimento da congregação.
A formação é fundamental, a todos os níveis, e por isso se interessa ainda tanto por ler, por escutar, mesmo que de um irmão mais novo e a dar os primeiros passos num caminho já largamente trilhado por ela. As páginas do caderno de notas que virava, enquanto proferia as minhas palavras, denunciavam esta necessidade, este desejo. Um dominicano ou dominicana não serve a Ordem nem a Igreja sem formação, e ela quer ainda servir na pobreza da sua idade avançada. Ela que já serviu, como todos nós servimos ou queremos servir, com defeitos e qualidades, com decisões acertadas e outras completamente desastrosas, procura ainda servir com a sua história e a sua experiência.
E quanto temos nós que aprender destas mulheres e destes homens que fizeram a história, a mais remota e a mais recente, das nossas congregações e Ordens. Temos que aprender com os erros, para não os repetir, e temos que aprender com as decisões acertadas, com o que construíram e nos legam, para que as suas vidas não tenham sido em vão e as nossas também não sejam.
A Madre São João de Brito marcou-me neste breve contacto com ela, pela sua extrema dignidade e nobreza, temperadas com a humildade e a caridade. O Apóstolo São Paulo diz que somos embaixadores de Cristo, e como tal não devíamos prescindir na nossa vida desta dignidade e nobreza, moldadas pela humildade e caridade.
Agradeço a Deus esta mulher e a sua vida, o que me ensinou em tão pouco tempo e quase sem dizer palavra. Esta é a minha pequena homenagem a ela e às irmãs que com ela compõem o quadro que tive o privilégio de contemplar e partilhar nestes seis últimos dias. Obrigado meu Deus, obrigado minhas irmãs.
Frei José Carlos L. Almeida, fiquei muito feliz ao ver esta homenagem á Madre São João e também terem-se referido á Madre Santa Rosa; sou da família delas e estas Madres assim como o seu irmão Padre João, são um orgulho para a nossa família. Vejo que o Frei tem o sobrenome Almeida, o mesmo que por acaso é o da nossa família.
ResponderEliminarUm abração Frei, pela publicação.
Subscrevo a justa homenagem e agradeço a Deus o grande bem que essa grande mulher me tem feito.
ResponderEliminarUm abraço
Mário