segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um desastre de porcos (Mc 5,1-20)

Jesus atravessa para a outra margem do lago e logo que põe o pé em terra vem ao seu encontro um possesso, um homem atormentado por uma Legião e que ninguém podia segurar ou prender.
São Marcos faz-nos uma descrição quase grotesca do ambiente, com os túmulos e a noite pelos quais o homem divagava, as feridas que se infligia, o medo que provocava. É um ambiente de morte, de um mundo de mortos ao qual o Senhor chega para libertar os que estão presos nesse mesmo mundo.
Perante a ameaça do fim do seu reino, o espírito impuro que habitava aquele homem dirige-se a Jesus para lhe fazer um pedido surpreendente, o pedido de não ser atormentado. É algo extremamente significativo porque demonstra uma consciência de finitude, da libertação que Jesus vai operar, mas também uma inversão do sentido da libertação, uma mentira face à forma dessa libertação.
Ao pedir a Jesus que não seja atormentado o espírito impuro evoca o sofrimento a que Jesus se entregará para a libertação de toda a humanidade, evoca um processo libertador eivado de uma violência e de um sofrimento pelo qual Jesus passará e que ele maliciosamente aponta e assume como destino e forma de todos os processos de libertação. Ele acusa Jesus de promover o sofrimento para alcançar a libertação.
E é assim, que perante esta mentira e esta acusação, Jesus manifesta a verdadeira dimensão da libertação que vem trazer e operar, condescendo com o pedido do espírito e não o expulsando tormentosamente mas permitindo-lhe que se transfira para a vara de porcos que depois se joga no precipício.
Mesmo perante os espíritos impuros, perante os demónios, Jesus manifesta a sua misericórdia, a liberdade de opção que adjudica a cada um, a salvação que realiza sem custos para nada nem para ninguém senão para ele próprio. Jesus liberta pelo amor e não pelo sofrimento, pela sua entrega de vida e não por qualquer imposição castradora ou opressora.
E se os porcos se precipitam no abismo e se afogam nas águas não é por vontade de Jesus, não é por castigo ou maldição, mas apenas porque os espíritos impuros tinham sido objecto de um acto misericordioso de libertação que pela mentira que tinham criado e pelo egoísmo não eram passíveis de suportar.
Este episódio deve portanto levar-nos a olhar para a nossa relação com Jesus com outros olhos, para a libertação que Jesus opera na nossa vida sem qualquer desejo de sofrimento ou violência. Ele sofreu por nós, carregou com os nossos pecados e enfermidades, para que pudéssemos caminhar para a casa do Pai de uma forma mais livre e ligeira.
Não O podemos culpar pelas consequências dolorosas dos nossos actos irreflectidos e egoístas, dos sofrimentos que nos infligimos por nos escusarmos a viver na luz e na verdade. Pelo contrário devemos pedir-lhe que nos liberte deles e das fontes que em nós os provocam.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Que importante lembrar-nos que ...” Jesus liberta pelo amor e não pelo sofrimento, pela sua entrega de vida e não por qualquer imposição castradora ou opressora.” (…)
    (…) “Ele sofreu por nós, carregou com os nossos pecados e enfermidades, para que pudéssemos caminhar para a casa do Pai de uma forma mais livre e ligeira.”
    Como afirma o Frei José Carlos, o episódio relatado por São Marcos (Mc 5,1-20) deve levar-nos a olhar para a nossa relação com Jesus de forma diferente. Porém, só de forma ligeira, irreflectida, é que podemos culpar Jesus pelas consequências dos nossos actos deliberados ou não, Frei José Carlos. Foi-nos dada liberdade para pensar e agir, por isso somos os únicos responsáveis pelas nossas acções, nas nossas circunstâncias.
    Que Jesus nos ilumine na busca permanente de uma vida de Bem e de Verdade.
    Obrigada pela partilha que nos ajuda a um processo de auto-crítica. Bem haja.
    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

    ResponderEliminar