Tudo está consumado, tudo terminou, a violência, a dor, o sofrimento e o opróbrio. E ainda uma lança, um golpe final, quando já nada havia de vida, quando o espírito estava já nas mãos do Pai.
Retiraram-se todos, os que gritavam e zombavam pedindo um milagre, os que o tinham condenado ainda antes de o julgarem, os soldados que levaram consigo a túnica e o manto. Apenas dois bárbaros vigiam os corpos já frios dos condenados.
José de Arimateia e Nicodemos apareceram, já sem medo ou não estivesse ali morto aquele que lhes podia alterar as vidas. Vieram com aromas e uns lençóis para sepultar o corpo. Desceram-no da cruz com a ajuda de João, e colocaram-no no seu regaço.
Depois de tantos gritos contidos e das lágrimas que não caíram, pode agora clamar, pode agora estender a mão de revolta e de súplica, e gritar “vós homens que passais, atendei e vede se há dor igual à minha”.
No seu regaço, o corpo frio do filho, o mesmo corpo que ela tinha cuidado envolto em faixas de linho pouco depois de nascer na gruta de Belém. O corpo que ela tinha visto crescer em graça e formosura, que um dia por distracção tinha perdido em Jerusalém.
O seu menino, o seu filho amado, jaz agora ali no seu regaço, sem vida e sem calor, ele que tanta vida tinha dado, que tantos homens e mulheres tinha aquecido com o seu amor e a sua palavra.
Vós que passais vede se há dor igual a esta, a dor da perda de um filho, o filho único e muito amado, o filho que um dia lhe foi anunciado por um anjo que seria o chefe da casa de Israel. E os chefes da casa de Israel entregaram-no à morte.
Ninguém lhe responde, nem uma palavra, pois não há palavras para aliviar a dor da perda de um filho único amado, a dor da sobrevivência àquele que havia de sobreviver.
Nem Maria, nem a outra Maria ou Madalena conseguem encontrar uma palavra, apenas partilham a quase mesma dor materna e amante da perda de um filho. As suas frágeis mãos mal conseguem segurar as pontas do lençol, indigno vestido para um corpo tão puro e tão mal tratado.
Na sua dor e na ausência de resposta humana, um olhar para o alto, para essa promessa sem fim. E uma vez mais um grito “vós que passais vede se há dor igual à minha”. Vós que todos os dias passais pelas nossas vidas vede se há dor que se compare à dor da perda de um filho, do vosso Filho gerado no seio de mulher.
E no silêncio de Deus, no silêncio do corpo do filho morto no regaço, a resposta lancinante que ainda há uma dor maior, uma dor maior que a da perda de um filho, a dor do amor recusado, a dor do amor divino rejeitado pelos homens.
Silêncio, junto à cruz, a mãe com o corpo frio do filho no regaço é apenas um espelho do Pai que acolhe o espírito do Filho rejeitado. Mãe e Pai acolhem conjuntamente o que resta do amor total que não foi aceite, o corpo lacerado e a obediência sem condições.
Vós, homens que passais, atendei e vede se há dor igual à nossa, clama o Pai e clama a Mãe.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLeio, contemplo a imagem, e fico a meditar algum tempo no texto profundo e belo que teceu e connosco partilha e na expressividade da imagem que tão bem soube traduzir no texto. E encontro duas palavras para que Maria, Mãe de Jesus possa suportar dor tão imensa que dilacera o coração: o amor filial e a fé em Deus. Permita-me que cite alguns excertos de uma peça que é única.
...” Depois de tantos gritos contidos e das lágrimas que não caíram, pode agora clamar, pode agora estender a mão de revolta e de súplica, e gritar “vós homens que passais, atendei e vede se há dor igual à minha”.” (…)
“O seu menino, o seu filho amado, jaz agora ali no seu regaço, sem vida e sem calor, ele que tanta vida tinha dado, que tantos homens e mulheres tinha aquecido com o seu amor e a sua palavra.
Vós que passais vede se há dor igual a esta, a dor da perda de um filho, o filho único e muito amado, o filho que um dia lhe foi anunciado por um anjo que seria o chefe da casa de Israel. E os chefes da casa de Israel entregaram-no à morte.
Ninguém lhe responde, nem uma palavra, pois não há palavras para aliviar a dor da perda de um filho único amado, a dor da sobrevivência àquele que havia de sobreviver.”…
...” Vós que todos os dias passais pelas nossas vidas vede se há dor que se compare à dor da perda de um filho, do vosso Filho gerado no seio de mulher.”…
E como bem afirma Frei José Carlos, ainda há uma dor maior, …”no silêncio de Deus, no silêncio do corpo do filho morto no regaço, a resposta lancinante que ainda há uma dor maior, uma dor maior que a da perda de um filho, a dor do amor recusado, a dor do amor divino rejeitado pelos homens.”…
Peçamos ao Senhor que conforte e seja fonte de esperança para todas as mães que à semelhança de Maria choram o sofrimento e a morte prematura de seus filhos amados.
Obrigada Frei José Carlos por este maravilhoso texto, partilhando connosco, a dor e a dimensão do amor de Maria. Bem haja.
Votos de uma Boa Páscoa. Um abraço fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAgradeço-lhe este maravilhoso e belo texto,deste Sábado Santo,esta Meditação tão profunda que partilhou connosco.
O texto é muito esclarecedor e a ilustração dá-nos todo o sentido mais profundo que ajuda a meditar e estarmos mais nesta intimidade tão profunda destes mistérios que estamos a viver.Como nos diz o Frei José Carlos neste texto magnífico:Atendei e vede se há dor igual à minha.Ao contemplar este belo quadro,diz-nos tudo.Silêncio,perante um amor tão grande de Deus.
Obrigada Frei José Carlos por esta tão grande partlha,que me ajudou à meditação mais íntima com Deus.Bem haja.
Um abraço fraterno.
AD