Era o primeiro dia da semana e fazia ainda escuro. É assim que São João nos situa no tempo e nos prepara para o grande mistério da ressurreição de Jesus.
Este primeiro dia da semana pode ser o domingo, mas à luz da nova criação esboçada logo no Prólogo do Evangelho de São João corresponde ao primeiro dia da nova criação, ao primeiro dia da semana da nova obra criadora de Deus.
E por isso é um dia que ainda desponta, pois o sol vencedor ainda não se ergueu na sua totalidade, ainda não subiu ao Pai como dirá àquela que nesta aurora o busca ansiosa e atormentada pela dor da perda.
Maria Madalena nesta sombra que ainda cobre a terra e a cobre a ela faz parte do mundo antigo, da antiga Aliança que espera o seu Senhor. Ela é ainda uma criatura do mundo antigo, velho de esperar, mas que busca uma resposta.
E é nesta busca e na solidão da dor da perda que Maria Madalena se encontra com a pedra do sepulcro retirada. O evangelista não nos diz se entrou ou não no sepulcro, mas apenas que imediatamente correu a avisar Pedro e o discípulo amado do desaparecimento do corpo do Senhor.
Maria Madalena é a primeira anunciadora da ressurreição sem que tenha qualquer consciência do que testemunha. No entanto as palavras que usa deixam entrever uma outra realidade, um conjunto de homens e mulheres que estão representados nela, a humanidade.
Não sabemos, é o plural que Maria Madalena usa para avisar Pedro e pode ser que se queira referir às outras mulheres que também foram ao sepulcro naquela manhã. Contudo, não podemos esquecer que João não fala de outras mulheres e sobretudo que esta expressão é usadas outras vezes no Evangelho e sempre referida a Jesus. Assim não sabemos quem é, não sabemos de onde vem, não sabemos o que quer, não queremos saber do que ensina.
É uma expressão que não pode ser referida às mulheres, mas a todos aqueles que se cruzaram com Jesus e não foram capazes de encontrar uma resposta em Jesus, uma resposta cientifica, comprovada na sua lógica de princípios e fins, uma referência a todos aqueles que nos seus encontros se deram de caras com um desconhecimento sobre Jesus.
Não sabemos, revela também aqui e agora esse desconhecimento do que se passa, do lugar misterioso onde o Senhor se encontra e não é acessível à investigação racional, às tentativas racionais de uma explicação daqueles que viveram com ele.
Mas não é só esta expressão que dá a Maria Madalena uma dimensão particular no testemunho da ressurreição, pois a forma como ela fala de Jesus, do corpo do Senhor e do seu desaparecimento parece indiciar uma vida, o desaparecimento, ou melhor, o rapto do corpo do Senhor. Transparece assim na forma como fala uma ideia de vida que não terminou, que sofreu uma alteração, mas se mantém viva e vivificante.
E é perante este anúncio do desaparecimento do corpo do Senhor que Pedro e o discípulo amado correm rapidamente para o sepulcro, como que incrédulos na palavra de Maria Madalena e desejosos de ver com os próprios olhos.
São João diz-nos que corriam lado a lado, como que de mãos dadas, pois ambos são discípulos e ambos buscam e desejam a mesma experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Contudo, o mais jovem, o discípulo amado consegue chegar primeiro.
É o mais novo e o mais ágil, mas é também aquele que está mais adiantado no conhecimento de Jesus, do Mestre que todos abandonaram mas que ele acompanhou até ao último momento. A sua agilidade é também fruto dessa intimidade partilhada na última ceia, quando repousava sobre o peito do Senhor enquanto este entregava o seu corpo e o seu sangue para remissão dos pecados de todos.
Ainda que chegando primeiro, João aguarda a entrada de Pedro, desse Pedro que necessita ver com os olhos, entrar no túmulo e confirmar com o sudário e o lençol que o corpo não está ali, que de facto desapareceu.
Pedro permanece ainda nas trevas do mundo antigo, nessa escuridão da madrugada que começa a ser trespassada pela luz que desponta no horizonte. E por isso olha, confirma os restos do sepultamento mas não vê mais nada, não vê a presença que se desenha de novo entre eles.
João, de fora e de uma forma reverente, quase que prostrado, adora a ausência do corpo e nessa ausência vê a presença do Senhor, do Senhor ressuscitado, e acredita. João é já um homem do novo mundo, da nova criação, está iluminado na sua madrugada pelo amor de que foi objecto e por isso pode ver a presença amorosa o seu Senhor.
E um abismo se abre entre o discípulo amado e Pedro, porque este vê apenas uma pedra rolada e um corpo que desapareceu, enquanto que o discípulo amado vê a pedra rolada para que todos entremos nessa experiência. Pedro reage racionalizando o que se lhe depara diante dos olhos enquanto que o discípulo amado reverencia, ama e espera.
Também nós, como baptizados, somos convidados a deixar de lado os nossos juízos, as nossas racionalizações do mistério de Jesus e a aventurar-nos como João no amor de um Senhor que parece ausente, mas é mais presença que nunca nessa mesma ausência. Presença total, em todos, para todos e para sempre.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLeio e medito na Homilia do Domingo da Ressurreição do Senhor que connosco partilha. Quando reflicto na análise que faz das diferentes reacções de Maria Madalena, de Pedro e do discípulo amado, ciente da narração do Evangelho segundo S.João, sou levada a interrogar-me ao lado de qual deles me coloco, de que alguns de nós nos colocamos.
Como nos salienta ... “Maria Madalena é a primeira anunciadora da ressurreição sem que tenha qualquer consciência do que testemunha. No entanto as palavras que usa deixam entrever uma outra realidade, um conjunto de homens e mulheres que estão representados nela, a humanidade.” …(…)
E é perante este anúncio do desaparecimento do corpo do Senhor que Pedro e o discípulo amado correm rapidamente para o sepulcro, como que incrédulos na palavra de Maria Madalena e desejosos de ver com os próprios olhos.”…
E como nos afirma há …”um abismo entre o discípulo amado e Pedro, porque este vê apenas uma pedra rolada e um corpo que desapareceu, enquanto que o discípulo amado vê a pedra rolada para que todos entremos nessa experiência. Pedro reage racionalizando o que se lhe depara diante dos olhos enquanto que o discípulo amado reverência, ama e espera”.
Frei José Carlos aceitemos com fé e de coração puro o convite que nos faz: “Também nós, como baptizados, somos convidados a deixar de lado os nossos juízos, as nossas racionalizações do mistério de Jesus e a aventurar-nos como João no amor de um Senhor que parece ausente, mas é mais presença que nunca nessa mesma ausência. Presença total, em todos, para todos e para sempre”.
Obrigada pelo desassombro e convite desta partilha. Bem haja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarMuito grata por este texto belíssimo da Homilía do Domingo da Ressurreição do Senhor.
Gostei muito desta beleza de Meditação profunda,nesta manhã radiosa de Páscoa.Que o Senhor Ressuscitado ilumine sempre o Frei José Carlos para que nos vá ajudando a caminhar com este Jesus Ressuscitado.Obrigada Frei José Carlos,por partilhar connosco este magnífico texto.Bem haja.Um abraço fraterno.
AD
Boa tarde Frei José Carlos
ResponderEliminarMuito agradecida pelo seu texto do Domingo da Ressurreição do Senhor, pleno de beleza, graciosidade e discernimento. Com a sua ajuda a meditação torna-se mais fluida a fim de iluminar os recantos mais escuros, pois de madrugada o sol ainda não se levantou. Seguindo o fio da leitura (Jo 20, 11-12) é relevante a presença dos dois anjos de branco, sentados dentro do sepulcro e o efeito do diálogo estabelecido.
Por outro lado, o discípulo amado vê a presença do seu Senhor porque ama.
Que o Espírito nos ensine a amar, ó Espírito ensina-me a amar.
Uma Santa Páscoa para todos.
Fraternalmente.
L