sábado, 2 de abril de 2011

Dois homens subiram ao templo para orar (Lc 18,10)

A leitura do Evangelho deste dia apresenta-nos a parábola dos dois homens que sobem ao templo para orar, um fariseu e um publicano. Uma parábola de todos manifestamente conhecida, pois não só já muitas vezes a lemos e escutámos como outras tantas vezes nos colocámos na pele de um e outro personagem.
E colocamo-nos na pele de um e outro personagem porque tal como eles também nós subimos ao templo, também nós tentamos essa relação pessoal com Deus e por isso tal como o fariseu e o publicano dizemos “Meu Deus”. Partimos todos do mesmo ponto, da mesma realidade de reconhecermos Deus e partilharmos uma relação.
Contudo, este ponto de partida comum não significa um mesmo caminho, uma mesma oração e muito menos uma mesma satisfação ou resposta à nossa oração. Podemos dizer, que os dados com que jogamos, com que nos jogamos na relação e na oração, modificam radicalmente o resultado do jogo, e assim tanto podemos regressar a casa justificados como o publicano ou ainda mais afastados de Deus, apesar de o chamarmos nosso Deus, como o fariseu desta parábola.
E isto acontece, como aconteceu com o fariseu, porque no centro da nossa vida, da nossa relação com Deus e da nossa oração, não colocamos verdadeiramente a Deus mas colocamo-nos a nós próprios. E assim, mesmo diante de Deus esquecemos os seus sentimentos, os seus desejos, o seu projecto de felicidade para cada um de nós, e centramo-nos em nós, no que fizemos gloriosamente e no que não fizemos do mal que os outros fazem.
A nossa oração a Deus transforma-se assim num monólogo, num discurso de auto glorificação e auto satisfação porque conseguimos fazer o bem que queríamos e não fizemos o mal que os outros fazem. Acabamos por esquecer que a maior parte do bem que fazemos é por pura condescendência de Deus que não nos abandona e mesmo das nossas misérias e infidelidades procurar retirar o bem que é possível.
Mas a oração do fariseu sofre de um mal que também nos pode atacar a nós e que por si só inviabiliza qualquer perdão, que é a aversão sistemática aos pecadores, ao publicano que se encontra ao seu lado. Ao julgar-se bom e justo face ao publicano, o fariseu colocou-se nos antípodas daquilo que é a atitude de Deus, que é o acolhimento do pecador, daquele que humildemente se lhe dirige em busca de socorro. Ele não é capaz de ver no outro uma oportunidade de Deus, um outro ele por quem deve interceder mais que por si próprio, a quem deve esticar a mão da misericórdia que procura. O fariseu é neste sentido um outro irmão mais velho do filho pródigo.
Oposta a esta atitude encontra-se a do publicano que não vê mais ninguém para além de Deus, que não vê qualquer outro onde se possa espelhar, que apenas reconhece a sua falta e humildemente pede e espera o perdão de Deus. Não há mais nada para além de Deus, da sua misericórdia e do seu perdão, e da sua falta reconhecida com humildade e pobreza.
E por esta razão regressou a casa justificado, porque não se comparou com ninguém, não se julgou justo, não se colocou como centro da sua vida, apenas se mostrou aberto e disponível para o perdão de Deus. Tal como Zaqueu, que subiu a um sicómoro para ver Jesus, entrou em sua casa justificado e satisfeito, mesmo antes de ter feito alguma coisa para reparar a falta de que se acusava, de que buscava o perdão e a visão de Deus.
Assim é a abertura de Deus face à nossa abertura, a disponibilidade de Deus para perdoar face à nossa disponibilidade humilde para receber o perdão. Corramos portanto ao trono da graça com toda a confiança, sem medo e sem desculpas.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Agradeço-lhe esta partilha,da parábola dos dois homens que sobem ao templo para orar.Um fariseu e um publicano.É um texto muito conhecido de todos nós.Já o lemos e o escutámos muitas vezes.Têm atitudes diferentes,mesmo opostas.Mas Deus é sempre o primeiro a agir,ora vejamos a abertura de Deus face à nossa abertura,a disponibilidade de Deus para perdoar,face à nossa disponibilidade humilde para receber o perdão.Olhemos para Zaqueu,ele só queria ver Jesus,como não podia era pequeno subiu a um sicómoro,Jesus olhou para ele e disse-lhe: quero ficar hoje em tua casa,ele não fez nada para reparar a falta de que se acusava,porque ele só buscava o perdão Nós também temos muito de farisaísmo em nossas vidas.Precisamos humildemente do perdão de Deus e da sua misericórdia e reconhecermos a nossa pobreza.
    Muito grata por esta partilha tão bela que me ajudou muito a Meditação.Bem haja,Frei José Carlos.Desejo-lhe uma boa semana.
    Um abraço fraterno.
    AD

    ResponderEliminar
  2. Frei José Carlos,

    Tendo como referência a parábola do Evangelho do dia (Lc 18,10), o texto da Meditação que connosco partilha, destaca três importantes dimensões da nossa vida espiritual, espelhada no nosso quotidiano: a nossa relação com Deus, com os outros, connosco próprios. E muitos de nós, somos um misto de fariseu e publicano, ainda que não queiramos reconhecê-lo. Permita-me que transcreva algumas passagens que me tocam particularmente na reflexão que faço.
    ...” Partimos todos do mesmo ponto, da mesma realidade de reconhecermos Deus e partilharmos uma relação.
    Contudo, este ponto de partida comum não significa um mesmo caminho, uma mesma oração e muito menos uma mesma satisfação ou resposta à nossa oração.”…
    ...” E isto acontece, como aconteceu com o fariseu, porque no centro da nossa vida, da nossa relação com Deus e da nossa oração, não colocamos verdadeiramente a Deus mas colocamo-nos a nós próprios. “
    Acresce que aborda um aspecto muito importante. Para além da dificuldade em reconhecermo-nos pecadores, é a forma como olhamos os outros que julgamos que fazem e/ou fizeram o mal, como se um anátema ficasse, para sempre, inscrito (escrito) e bem visível. E continuo a citá-lo.
    ...” Mas a oração do fariseu sofre de um mal que também nos pode atacar a nós e que por si só inviabiliza qualquer perdão, que é a aversão sistemática aos pecadores, ao publicano que se encontra ao seu lado. (…)Ele não é capaz de ver no outro uma oportunidade de Deus, um outro ele por quem deve interceder mais que por si próprio, a quem deve esticar a mão da misericórdia que procura.”…
    Como precisamos, Frei José Carlos, de nos transformarmos, de ter presente a “atitude de Deus, que é o acolhimento do pecador, daquele que humildemente se lhe dirige em busca de socorro.” Como disse Santa Teresa de Ávila a “humildade é a verdade”.
    Que o Senhor nos ilumine para reconhecermos que o Amor de Deus e o seu perdão são infinitos, quando contemplando a Cristo, somos capazes, com humildade de aceitarmos as nossas faltas, os nossos erros e “aceitarmos o perdão”.
    Obrigada, Frei José Carlos, por esta partilha profunda, que nos leva à análise dos cantos mais recônditos do nosso ser, da coerência entre o que somos ou julgamos ser e as nossas atitudes, e que simultaneamente nos recorda que “Deus não nos abandona”. Bem haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar