domingo, 10 de julho de 2011

Homilia do XV Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho de São Mateus deste décimo quinto domingo do Tempo Comum quase que dispensa uma homilia, pois o Senhor Jesus na intimidade do grupo explica aos seus discípulos o sentido da parábola do semeador que pouco antes tinha proferido e apresentado à multidão junto às margens do lago.
Ainda assim, e tendo presente essa mesma explicação, não podemos deixar de chamar a atenção para alguns pormenores que se prendem com a semente enquanto Palavra e o terreno enquanto coração e vida. No conjunto do texto e face à explicação da parábola feita por Jesus podem passar-nos despercebidos.
Assim, e antes de mais não podemos perder de vista a generosidade de Deus, a forma abundante como semeia a Palavra, sem qualquer preocupação face ao terreno que acolhe a semente. Deus semeador sai a semear a Palavra, a sua Palavra de Vida, que tanto pode cair no caminho, num terreno pedregoso, no meio das silvas ou até num terreno verdadeiramente bom e capaz de produzir o que a semente em si transporta de potencialidade.
Neste sentido e face a tantas situações da nossa vida, às suas fragilidades e limitações, às nossas infidelidades e incoerências, não podemos esquecer que Deus vem ao nosso encontro, que vem semear no campo da nossa vida e do nosso coração, um bocado indiferente ao nosso acolhimento da sua Palavra. Deus é generoso e paciente e por isso não só semeia com abundância mas também semeia ao longo do tempo, esperando e confiando que um dia a sua Palavra e a semente sejam acolhidas, colham raiz, cresçam e frutifiquem.
Ainda, e relativamente à semente, não podemos esquecer também o que nos diz o profeta Isaías, ou seja, que a Palavra não regressa à boca do Pai sem ter produzido os seus frutos, sem ter cumprido a sua missão. A Palavra é sempre fértil, alteradora, provocadora, e geradora de uma nova situação.
Deus pede-nos assim, ou confronta-nos assim com uma disponibilidade e uma atitude que nos pode parecer impossível, pouco compatível com os nossos desejos de realização e resultados, por vezes imediatos. Deus, à sua semelhança, e no nosso trabalho pastoral, catequético, testemunhal, pede-nos essa liberdade de semear sem querer ver os frutos e colhê-los. A nossa missão é semear a Palavra de Deus porque os frutos um dia aparecerão e alguém os colherá.
A falta de prática religiosa das novas gerações e algumas situações familiares que nos são muito próximas são neste sentido provocantes, questionadoras, porque nos interrogam sobre o que falhou ou onde falhámos na tarefa do anúncio da Palavra, para que essas pessoas não estejam hoje a ser fiéis, não sejam cristãos convictos e empenhados, não respondam aos nossos desejos e critérios de pertença comunitária eclesial, depois de tudo o que lhes tentámos ensinar e transmitir.
São realidades muitas vezes angustiantes e desanimadoras, mas face às quais não podemos deixar de ter esperança e confiança na capacidade geradora da Palavra, e ter presente o tempo e cuidados que exige uma semente para que possa criar raízes, deitar rebentos e produzir frutos, ou seja, a responsabilidade do trabalho que nos está entregue e ainda não realizámos cabalmente.
E neste trabalho aparece-nos um grande desafio e uma grande tarefa que é a da preparação do terreno para que a semente possa ser acolhida e frutificar, esse cuidado humano que é necessário para que a Palavra se possa desenvolver. Necessitamos cuidar o substrato humano, com as suas virtudes, para que a partir dele a semente divina possa crescer e viver. Para que haja um bom cristão não se pode abdicar de um homem virtuoso, de um bom cidadão.
Tarefa que não se apresenta fácil, na medida em que nos custa abrir o coração à conversão, disponibilizarmo-nos para mudar a nossa vida no sentido de uma maior fidelidade, coerência, acolhimento da Palavra de Deus com tudo o que ela representa de alterante. E na medida também em que a nossa sociedade e cultura cultiva cada vez mais um conjunto de valores que se nivelam pelo mínimo, pelo mínimo esforço, pelo mínimo sacrifico, pela mínima entrega, pela mínima beleza e bondade.
Contudo, é necessário esse esforço, esse trabalho, que para além de todo o sofrimento do presente será sempre relativo e ínfimo face aos frutos alcançados. Como nos diz São Paulo na Carta aos Romanos, gememos as dores da maternidade, mas tal suportamos na perspectiva da libertação, de que vivemos já as primícias na semente da Palavra acolhida.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    A Homília do XV Domingo do Tempo Comum que partilha connosco é de uma grande profundidade, beleza e que vem de encontro à experiência e realidade de muitos de nós. Tendo presente o Evangelho de São Mateus, foi muito importante ter-nos salientado “alguns pormenores que se prendem com a semente enquanto Palavra e o terreno enquanto coração e vida.” Permita-me que cite algumas passagens que me tocam paticularmente. …”Neste sentido e face a tantas situações da nossa vida, às suas fragilidades e limitações, às nossas infidelidades e incoerências, não podemos esquecer que Deus vem ao nosso encontro, que vem semear no campo da nossa vida e do nosso coração, um bocado indiferente ao nosso acolhimento da sua Palavra. Deus é generoso e paciente e por isso não só semeia com abundância mas também semeia ao longo do tempo, esperando e confiando que um dia a sua Palavra e a semente sejam acolhidas, colham raiz, cresçam e frutifiquem.”…
    ...” A falta de prática religiosa das novas gerações e algumas situações familiares que nos são muito próximas são neste sentido provocantes, questionadoras, porque nos interrogam sobre o que falhou ou onde falhámos na tarefa do anúncio da Palavra, para que essas pessoas não estejam hoje a ser fiéis, não sejam cristãos convictos e empenhados, não respondam aos nossos desejos e critérios de pertença comunitária eclesial, depois de tudo o que lhes tentámos ensinar e transmitir.”…
    Obrigada por nos recordar a generosidade de Deus, a forma abundante como semeia a sua Palavra, que a “nossa missão é semear a Palavra de Deus porque os frutos um dia aparecerão e alguém os colherá”, não importa o lugar e o momento, o estímulo e pedido de empenhamento que nos deixa …”não podemos deixar de ter esperança e confiança na capacidade geradora da Palavra, e ter presente o tempo e cuidados que exige uma semente (…) ” para que possa frutificar.
    Obrigada, Frei José Carlos, pelo conforto, a esperança, o estímulo das palavras partilhadas e, pelo compromisso invidual que as mesmas implicam. Bem haja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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