domingo, 31 de julho de 2011

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho de São Mateus deste domingo faz-nos regressar uma vez mais ao episódio chamado da multiplicação dos pães, e dizemos chamado porque de facto em nenhum momento o evangelista nos fala de multiplicação, mas bem pelo contrário de fracção, de partilha e distribuição.
O milagre que Jesus opera de alimentar cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, é assim um sinal de uma outra realidade e de alguns desafios que se colocam aos seus discípulos.
Assim sendo, não podemos deixar de ter presente a construção do relato que São Mateus nos proporciona, relato no qual é dada maior ênfase aos preparativos, aos condicionalismos que levam ao milagre que à própria acção do milagre.
São Mateus preocupa-se em nos situar no espaço e no tempo, de nos transmitir a ansiedade dos discípulos nesse espaço e face a esse tempo diante da multidão que os surpreendeu na outra margem do lago. E só depois é narrada a acção de Jesus que se resume quase a uma ordem e a uma bênção.
Este milagre operado por Jesus, e ainda que na outra margem do lago, situa-se num lugar deserto, um lugar procurado por Jesus mas não alcançado em virtude da multidão que lhe aparece. Uma vez mais o deserto se apresenta como ponto de encontro, como lugar da experiência de Deus, e neste caso de um Deus que alimenta gratuitamente e em abundância, tal como tinha feito num outro deserto ao povo libertado do Egipto.
E o milagre acontece quando a hora já vai avançada, quando o dia parece que termina. Face a esta referência temporal não podemos deixar de nos relacionar com um outro acontecimento também de bênção e fracção do pão que encontramos no Evangelho de São Lucas a caminho de Emaus. Também aí a hora era já avançada e o dia declinava, mas foi graças a essa circunstância que os discípulos puderam convidar Jesus a ficar com eles e a partilhar da primeira refeição com o ressuscitado.
Os alimentos de que os discípulos dispõem, quando confrontados por Jesus para que sejam eles próprios a alimentar a multidão, são apenas dois peixes e cinco pães. Uma vez mais os alimentos de que Jesus se serve depois da ressurreição para se apresentar aos discípulos, para partilhar com eles da sua presença ressuscitada junto às margens do lago.
Neste sentido, e face a estas referências, o milagre da fracção do pão é inevitavelmente um sinal da Eucaristia, uma prefiguração da refeição que o Senhor deixaria aos seus discípulos como sinal da sua vida, da sua presença, e do tremendo amor de Deus, um amor gratuito e abundante, capaz de fazer do pouco e miserável um excesso magnifico.
Deste milagre derivam objectivamente consequências e implicações para os discípulos, para aqueles que partilharam do pão naquela hora e para aqueles que quotidianamente partilham do mesmo pão que é o Corpo do Senhor.
E a primeira dessas consequências é a da relativização face aos meios, das impossibilidades que muitas vezes criamos por medirmos e contabilizarmos as realidades e as possibilidades em função da nossa pequenez ou do nosso egoísmo, esquecendo-nos o quanto elas podem dar de si, da potência que comportam ou encerram e nos desafiam.
No caso do milagre de Jesus os discípulos apresentam os cinco pães e os dois peixes, sem confiança, desanimados face a tamanha insignificância diante de tanta gente cheia de fome. A fracção do pão que Jesus opera, e consequente satisfação até ao ponto de sobrarem doze cestos de bocados, mostra aos discípulos e a cada um de nós a possibilidade da partilha do pouco que possamos ter e podemos considerar insignificante. Aos nossos olhos e à nossa consciência pode não significar nada, ser uma miséria, mas para outros pode significar muito. E neste significado pode produzir mesmo um excesso, um excesso na alegria do outro que recebeu, e um excesso no despertar da responsabilidade de outros que podem partilhar mais e portanto pode sobrar mais ou dividir-se melhor.
Nesta partilha podemos falar de bens materiais, daquilo que de facto pode matar a fome e a sede do outro, mas podemos falar também da partilha de nós próprios, do nosso tempo e carinho, da nossa atenção face ao outro, ainda que nos possa parecer pouca, miserável e muitas vezes um desperdício. O milagre da fracção do pão e sua distribuição coloca-nos assim diante da inevitabilidade de partilhar, mesmo do que nos pode parecer pouco e insignificante.
Outra das consequências do milagre da fracção do pão é a da responsabilização, não só porque diante da chamada de atenção, feita por parte dos discípulos, Jesus os convida a alimentar a multidão, mas também porque depois da fracção são eles mesmos que o distribuem à multidão. Os discípulos são completamente implicados não só no encontro de uma solução para o problema mas depois na concretização dessa solução.
O que nos inviabiliza qualquer desculpa de incapacidade e irresponsabilidade uma vez que podemos participar sempre na solução de qualquer problema, quer seja com uma ideia, com uma proposta, com a concepção de um projecto, ou a simples realização de uma tarefa humilde e imperceptível mas indispensável à prossecução dos objectivos e possível aos nossos meios e forças.
Uma outra consequência que deriva do milagre da fracção do pão é a da relação com Deus, da implicação de Deus na solução dos problemas e necessidades. É inquestionável que através deste milagre Deus nos implica de sobremaneira, mas também é inquestionável que não se exclui, que não se põe de fora da solução dos nossos problemas.
E neste sentido não podemos esquecer as palavras do profeta Isaías que nos convida a dirigirmo-nos a Deus para alcançar vinho e leite de uma forma gratuita, a procurar o alimento que verdadeiramente nos sacia e alimenta. Contudo, e como nos diz o profeta, para tal temos que ter o ouvido atento, temos que escutar com atenção, porque de facto o alimento que verdadeiramente nos sacia é a Palavra, é o próprio Deus que se nos oferece e se nos entrega como alimento, para que também nós saibamos e possamos ser palavra e alimento para os outros.
Pelo que, e retomando o milagre da fracção do pão como sinal da Eucaristia, não podemos deixar de descobrir em cada Eucaristia um apelo de Deus à escuta da sua Palavra, um convite à satisfação da nossa fome de Deus, e um compromisso com a satisfação da fome de pão e palavra dos outros com quem partilhamos a vida.
Que o Senhor através do seu Santo Espírito nos purifique os ouvidos e o coração para escutarmos o que nos pede e se nos oferece através das necessidades de pão e palavra dos irmãos, e à semelhança de Maria sabermos partir ao seu encontro plenos de solicitude e generosidade.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Se as leituras e o Evangelho deste Domingo são profundas, o texto da Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum que preparou e que partilha connosco é igualmente profundo, falando-nos de detalhes que antecedem e sucedem posteriormente ao milagre, do tempo e do espaço, e que são fundamentais para a compreensão do significado do chamado “milagre da multiplicação dos pães”.
    Como nos diz é um milagre de “partilha, fracção e distribuição do pão”, “um sinal da Eucaristia”, o alimento pela Palavra.
    Ao recordar-nos as palavras do profeta Isaías, lembra-nos que “de facto o alimento que verdadeiramente nos sacia é a Palavra, é o próprio Deus que se nos oferece e se nos entrega como alimento, para que também nós saibamos e possamos ser palavra e alimento para os outros.”
    Permita-me que respigue algumas passagens da Homilia que me tocam. …”Uma vez mais o deserto se apresenta como ponto de encontro, como lugar da experiência de Deus, e neste caso de um Deus que alimenta gratuitamente e em abundância, tal como tinha feito num outro deserto ao povo libertado do Egipto.”… (…)
    ...” Neste sentido, e face a estas referências, o milagre da fracção do pão é inevitavelmente um sinal da Eucaristia, uma prefiguração da refeição que o Senhor deixaria aos seus discípulos como sinal da sua vida, da sua presença, e do tremendo amor de Deus, um amor gratuito e abundante, capaz de fazer do pouco e miserável um excesso magnifico.”… (…)
    …”Nesta partilha podemos falar de bens materiais, daquilo que de facto pode matar a fome e a sede do outro, mas podemos falar também da partilha de nós próprios, do nosso tempo e carinho, da nossa atenção face ao outro, ainda que nos possa parecer pouca, miserável e muitas vezes um desperdício. O milagre da fracção do pão e sua distribuição coloca-nos assim diante da inevitabilidade de partilhar, mesmo do que nos pode parecer pouco e insignificante.”…
    …”O que nos inviabiliza qualquer desculpa de incapacidade e irresponsabilidade uma vez que podemos participar sempre na solução de qualquer problema, quer seja com uma ideia, com uma proposta, com a concepção de um projecto, ou a simples realização de uma tarefa humilde e imperceptível mas indispensável à prossecução dos objectivos e possível aos nossos meios e forças.”…
    …”É inquestionável que através deste milagre Deus nos implica de sobremaneira, mas também é inquestionável que não se exclui, que não se põe de fora da solução dos nossos problemas.”…
    Façamos nossas as palavras do Frei José Carlos … “Que o Senhor através do seu Santo Espírito nos purifique os ouvidos e o coração para escutarmos o que nos pede e se nos oferece através das necessidades de pão e palavra dos irmãos, e à semelhança de Maria sabermos partir ao seu encontro plenos de solicitude e generosidade.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, que são intemporais, mas assumem particular relevância, no período que vivemos, pela importância e verdade que encerram, pelo desafio que nos deixa, porque nos desinstala, mas também nos conforta ao afirmar-nos que Deus está comprometido com a solução dos nossos problemas, por sabermos que o pouco que possamos partilhar material ou espiritualmente, pode ter grande importância a quem o fazemos, não interessa a quem, ao outro.
    Peçamos ao Senhor que proteja e abençõe o Frei José Carlos e todas as pessoas que estão disponíveis e assim agem partilhando o que possuem, sejam bens materiais ou dons com quem precisa. Bem-haja por tudo.
    Votos de uma boa semana. Boas férias, assim o desejamos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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