quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O que contamina o homem vem do seu interior (Mc 7,23)

Jesus diz aos seus discípulos que o que contamina o homem é o que sai do seu interior, do seu coração. Contudo, nós continuamos muitas vezes a pensar e a agir como se o mal que realizamos nos viesse de fora, como se a intenção fosse exterior a nós, provocada por outro ou outrem.
E a realidade em que mais facilmente podemos conferir este nosso funcionamento é nas nossas relações humanas, o que justifica também que a maior parte dos vícios que Jesus aponta como nascidos no coração do homem assentem nas relações, na vida e contacto com os outros.
Quantas vezes não reagimos já violentamente, injustamente, face a uma palavra sem qualquer valor, sem qualquer maldade, mas que assumimos e consideramos como dirigida a nós, como carregada de qualquer culpabilização ou condenação. E no entanto não é nada, não tem nada, não vale nada.
Ao fazer um análise critica e verdadeira das nossas reacções percebemos que afinal o tom e a maldade, a culpa ou condenação, estava no nosso coração, habitava dentro de nós ainda que inconscientemente.
A lista que Jesus enumera tem essa mais valia de nos mostrar como muitos dos nossos vícios nascem dessa nossa má situação face às realidades que envolvem os outros, à sua autonomia, à bondade e generosidade que Deus tem com eles. Assim são os roubos, as injustiças, a fraude, a ambição, a inveja e a difamação, que não só nos colocam a desejar o que o outro tem, como também nos colocam numa situação de incapacidade de apreciação das realidades dos outros.
Os outros aparecem-nos como inimigos ou adversários a derrotar e não como companheiros de caminhada com quem temos e devemos partilhar os dons que recebemos e apreciar os dons que se nos oferecem através deles.
Por outro lado os vícios como o orgulho, a insensatez, a devassidão, a imoralidade não nos deixam ter uma verdadeira medida de nós mesmos, porque ou está exagerada ou é deficitária, e nesse sentido não nos encontramos com a verdade de Deus em nós, com o melhor que temos para frutificar e o pior que temos para combater.
Necessitamos por isso de um exercício quotidiano de encontro connosco próprios para nos redimensionarmos à luz dos olhos de Deus, da forma como verdadeiramente Deus nos vê, nem mais nem menos. Esse encontro conduzirá certamente à verdade, à descoberta de todas as potencialidades que Deus nos oferece, e das potencialidades dos outros que devemos agradecer e louvar, porque também elas consideradas em verdade nos purificam e centram na verdadeira dimensão de nós próprios.
Jesus diz à multidão que o escuta que quem tenha ouvidos para ouvir ouça, ouçamos também nós o que o nosso coração diz para nos podermos libertar do que está a mais e podermos acolher o que nos falta.

Ilustração: “Inveja”, em “Sete Pecados Mortais”, de Hieronymus Bosch, Museu do Prado, Madrid.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Ao ler este texto do Evangelho de S.Marcos que partilhou connosco,tão esclarecedor para as nossas vidas,agradeço-lhe esta profunda Meditação.Obrigada, Frei José Carlos,as suas maravilhosas palavras que nos dão força para prosseguirmos o caminho.Bem-haja,Frei José Carlos,por esta excelente e bela partilha.Que o Senhor o ilumine e o abençõe.Um bom dia.
    Um abraço fraterno.
    AD

    ResponderEliminar
  2. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que elaborou e partilha o qual intitulou “O que contamina o homem vem do seu interior (Mc 7,23)”, recordando-nos que a “realidade em que mais facilmente podemos conferir este nosso funcionamento é nas nossas relações humanas, o que justifica também que a maior parte dos vícios que Jesus aponta como nascidos no coração do homem assentem nas relações, na vida e contacto com os outros” leva-me a reflectir sobre a dimensão da alteridade. Toda a relação humana pressupõe a existência de um outro, um equilíbrio emocional para lidar com as relações de alteridade, lidar de “sujeito para sujeito”, de entender o outro na sua dimensão, de generosidade, de capacidade de diálogo, de entendimento com o outro.
    Como nos diz…”Ao fazer uma análise critica e verdadeira das nossas reacções percebemos que afinal o tom e a maldade, a culpa ou condenação, estava no nosso coração, habitava dentro de nós ainda que inconscientemente.”…
    Precisamos de nos avaliar, de autocriticar em permanência. Precisamos ter e fazer silêncio para nos encontrarmos connosco próprios, para poder e saber escutar o outro. Que difícil, Frei José Carlos, viver quotidiamente a dimensão da alteridade, e mais do que pensar, a vivência da expressão do que sentimos e desejamos ser.
    E como nos salienta …”Necessitamos por isso de um exercício quotidiano de encontro connosco próprios para nos redimensionarmos à luz dos olhos de Deus, da forma como verdadeiramente Deus nos vê, nem mais nem menos”. …
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha desta importante Meditação e que a reflexão sobre a mesma, como nos exorta, nos ajude “ a ouvir também nós o que o nosso coração diz para nos podermos libertar do que está a mais e podermos acolher o que nos falta”. Que o Senhor abençoe e proteja o Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    FAZER
    JEJUM
    DAS
    PALAVRAS

    Senhor, ajuda-nos a fazer jejum das palavras. Das palavras desnecessárias, ruidosas, poluídas.
    Das palavras dúplices e opulentas, das palavras que atropelam, das palavras injustas, das palavras
    que divergem e atraiçoam, das palavras que separam. Ajuda-nos a jejuar das palavras que Te escondem,
    das palavras onde o amor não emerge, das palavras confusas, ressentidas, atiradas como pedras, das palavras
    que muralham a comunicação, das palavras que nada mais permitem senão palavras. E que nesse jejum abramos
    mais o coração àquele silêncio onde os encontros verdadeiros se insinuam.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

    ResponderEliminar