terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Quando orardes... (Mt 6,7)

A recomendação de Jesus quanto à oração deixa entrever a dificuldade que temos de a realizar, de a viver tal como São Paulo nos recomenda na Primeira Carta aos Tessalonicenses, “orai sem cessar” (1Ts 5,17), ou na Carta aos Romanos, “perseverando na oração” (Rm 12,13).
Jesus reconhece que temos dificuldade em estar num estado constante de alerta e relação, num estado de oração sem interrupção. As diversas circunstâncias da vida e do nosso quotidiano dispersam-nos e por isso não é por acaso que os grandes padres do deserto, quando se propuseram viver nesse estado de oração contínua, deixaram tudo e se embrenharam no deserto e na solidão.
Contudo, a vida eremítica do deserto não faz parte do comum da vida cristã, é de alguma forma uma excepção que por isso mesmo nos convida a procurar viver o mandamento de Jesus na circunstância da nossa situação, no risco da possibilidade de infidelidade.
“Quando orardes”, ou seja quando o Espírito despertar em nós esse desejo, essa necessidade de elevarmos a nossa palavra e o nosso coração a Deus, quando o tempo se propiciar, não podemos desperdiçar a oportunidade esbanjando-a em palavras que não têm sentido, em um discurso que não nos coloca em relação, numa superficialidade do cumprimento de um rito ou uma obrigação.
No momento em que nos propomos orar, dirigir a nossa palavra ao Pai, em que a oração brota em nós como uma sede ou uma falha que é necessário preencher, devemos colocar o coração na presença do Senhor, apresentar-lhe a nossa disponibilidade para que o Espírito realize a sua missão e a sua obra.
Como nos diz o profeta Isaías “a palavra que sai da boca de Deus não volta sem ter produzido o seu efeito”, e no nosso caso o despertar do Espírito, os seus gemidos, não desaparecem sem terem cumprido a sua missão, ou seja sem nos ter recolocado no coração de Deus.
Razão mais que suficiente para que ao primeiro sinal de oração, do despertar desse gemido inefável do Espírito no nosso coração, nos coloquemos em presença de Deus, nos disponibilizemos para deixar que as palavras se silenciem para que fale o coração e o mesmo Espírito.
É uma oportunidade que certamente muitas vezes nos aparece, nas mais diversas circunstâncias do dia e que não podemos desperdiçar, uma vez que por intermédio delas nos colocamos em relação com Deus nosso Pai e nosso Salvador.

 
Ilustração: “Samuel ainda criança”, de Sir Joshua Reynolds, Museu Fabre.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Como nos recorda ...” Jesus reconhece que temos dificuldade em estar num estado constante de alerta e relação, num estado de oração sem interrupção.”…
    Li com muito interesse o texto da Meditação que partilha connosco e o Evangelho do dia. A oração e a qualidade da mesma é uma questão que continua a colocar-nos algumas questões, pelas circunstâncias da vida do dia a dia, pela aridez espiritual que por vezes passamos e que nos dificulta a união a Deus. Há momentos em que orar em comum ajuda-nos, outros em que só o silêncio do espaço em que nos recolhemos para orar seja público ou privado pode ajudar à nossa concentração e à nossa disponibilidade …” para que o Espírito realize a sua missão e a sua obra.”
    Por forma a ultrapassarmos “as diversas circunstâncias da vida e do nosso quotidiano que nos dispersam” saibamos aceitar o convite que nos faz …” para que ao primeiro sinal de oração, do despertar desse gemido inefável do Espírito no nosso coração, nos coloquemos em presença de Deus, nos disponibilizemos para deixar que as palavras se silenciem para que fale o coração e o mesmo Espírito.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação ilustrada com tanta beleza, pelas palavras de compreensão e de estímulo, salientando-nos que estejamos atentos à oportunidade que …” certamente muitas vezes nos aparece, nas mais diversas circunstâncias do dia e que não podemos desperdiçar, uma vez que por intermédio delas nos colocamos em relação com Deus nosso Pai e nosso Salvador.”
    Bem-haja. Que o Senhor ilumine e abençoe o Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    DE
    GEÓGRAFOS
    A
    VIAJANTES

    A oração faz-nos passar de falantes a experimentadores; de geógrafos a viajantes; torna-nos peregrinos.
    A oração tem este critério de verdade: não são as palavras que repetimos o mais importante. O que a gente
    verdadeiramente não esquece, Senhor, é o toque do Teu olhar misericordioso, a delicadeza extraordinária
    da Tua misericórdia que se derrama sobre as nossas feridas, desacordos e incertezas. O que a gente não esquece
    é a experiência da Graça desenhada pela Tua presença, a maior parte das vezes até silenciosa, mas que brilha
    dentro das nossas noites com o brilho da estrela que anuncia a manhã.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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  2. Frei José Carlos,

    Li com muito interesse o maravilhoso e belo texto,que partilhou connosco.A magnífica ilustração do pequenino Samuel em oração,gostei muito.Muito grata,pelas suas palavras imprescidíveis, que nos convidam a andarmos atentos nas diversas circunstâncias da nossa vida.Obrigada,Frei José Carlos,pela bela Meditação,que me ajudou a reflectir mais profundamente.Que o Senhor o ilumine e abençõe.Desejo-lhe uma boa noite.
    Um abraço fraterno.
    AD

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